Imortalidade Grega ou Condicionalismo?
Nem um, nem outro…
É possível rejeitar o conceito grego de imortalidade da alma sem aderir ao condicionalismo e consequentemente ao aniquilacionismo? Sim, perfeitamente. Mas do modo que a questão toda é colocada pelos adventistas, fica parecendo que nos restam apenas duas opções: se rejeitarmos o condicionalismo, seremos forçados a abraçar a crença herética dos gregos sobre a imortalidade da alma e vice-versa. Bem, não precisa ser assim.
Um exemplo perfeito que confirma o escape dessa armadilha retórica foi o erudito S. D. F. Salmond que escreveu um excelente livro sobre o assunto “The Christian doctrine of immortality – Stewart Dingwall Fordyce Salmond. T. & T. Clark, 1895”. Nessa obra Salmond, afirma a crença cristã na sobrevivência da alma após a morte ao mesmo tempo em que rejeita a noção grega sobre a imortalidade sem em nenhum momento descambar para o condicionalismo/aniquilacionismo.
Antes dele, outro que seguiu nessa direção foi Tertuliano.
Tertuliano, um contraponto
Observe o que diz certa obra sobre o antagonismo do cartaginês em relação aos gregos: “No âmbito dos Padres Apologistas, Tertuliano é a expressão da tendência antifilosófica que pretendia rejeitar completamente as doutrinas dos gregos” (REALE, G.;ANTISERI, D. História da Filosofia. Patrística e Escolástica. São Paulo: Paulus, 2003, cap. V. p. 71-79)
E eles têm razão, pois, relendo as obras de Tertuliano, observamos que, ao mesmo tempo em que retém a crença na imortalidade da alma, rejeita por completo a filosofia grega.
Discorrendo sobre a natureza do corpo e da alma ele afirma: “Mas se este for o caso, elas devem precisar ser também mortais, de acordo com a condição da natureza animada; pois, embora a alma seja imortal, evidentemente, esse atributo é limitado exclusivamente a ela: não é estendido para aquilo, com o qual está associada, ou seja, o corpo.” (Ad Nationes – Livro 2, cap. 3)
Ainda: “Definimos a alma como nascida do sopro de Deus, imortal, corporal, dona de uma forma, simples em sua substância, capaz de adquirir conhecimento por si mesma, de mostrar-se de vários modos, livre para escolher, sujeita a infortúnios, mutável de acordo com inclinações naturais, racional, a senhora, capaz de revelação, descendente de uma força singular” (Tertuliano, A Alma 22:2, ano 208 d. C.)
Apesar de ser imortalista, o apologista de Cartago não poupa críticas às crenças gregas. Sua crítica ácida as heresias gregas é direta e impiedosa, como esta a seguir:
“Eis as doutrinas de homens e demônios, nascidas do engenho da sabedoria mundana para encantar os ouvidos. Esta é a sabedoria que o Senhor chama de estultície, aquele mesmo Senhor que, para confundir também a mesma filosofia, escolheu o que passa por estulto aos olhos do mundo. Esta é a sabedoria profana que temerariamente pretende sondar a natureza e os decretos de Deus. E as próprias heresias vão pedir seus petrechos à filosofia.” (De Praescriptione Haereticorum, c.7)
Poderíamos citar outros exemplos, tais como o filósofo cristão Willian Line Craig, mas como vimos, podemos sim, rejeitar sem nenhum prejuízo para a fé cristã a crença grega da imortalidade da alma, sem precisar descambar para o erro condicionalista/aniquilacionista.
Também é possível ser imortalista e ainda sim crer na aniquilação dos ímpios, a exemplo de John Stott.