Igreja – Tradicional ou Renovada?

Hoje em dia as igrejas costumam ser rotuladas de “tradicionais” ou “renovadas”, numa escala variável, conforme o gosto de cada um. O conceito que os “renovados” têm a respeito das “igrejas tradicionais” não é nada positivo, pois consideram-nas “retrógradas, ultrapassadas, frias, caretas, anacrônicas ou até antibíblicas”, uma vez que estariam mortas e não desejariam a renovação pelo poder do Espírito Santo.  Seriam como o vale de ossos secos descrito em Ezequiel 37. Já os “tradicionais” devolvem na mesma moeda, atribuindo o mesmo conceito negativo aos “renovados”.

Para muitos, o que está na moda, sim, é ser “renovado” – igrejas, liturgias e cultos restaurados, doutrinas modernas, enfim, tudo novo e renovado. O texto de II Cor. 5.17 é invocado como argumento da renovação, tendo em vista a afirmação de que ”as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo”. (Na realidade, o contexto desta passagem é completamente diverso. Paulo está falando da nova criatura regenerada em Cristo, do ser humano que nasceu de novo. As “coisas velhas” não representam necessariamente as “tradições”, mas sim o pecado, o velho homem.)

Por outro lado, existem aqueles que se orgulham de pertencer a uma comunidade dita tradicional. Novidades são interpretadas como o “outro evangelho” de Gálatas 1 ou como os “ventos de doutrina” previstos por Paulo em Efésios 4. Por serem (ou se considerarem) ultraconservadores, resistem ao que é considerado “novo“ e, por outro lado, não entendem o verdadeiro sentido da palavra “tradicional”. Afinal, o que é ser tradicional ? O que seria “tradição” de acordo com a Bíblia ?

Ambas as posições correm o risco de serem radicais e equivocadas, caso não se atenham estritamente ao que a Bíblia ensina sobre a verdadeira “tradição“ e sobre “renovação”. E quando se é radical, corre-se o perigo de entender mal e ser mal entendido. Daí, a importância de se distinguir entre tradições humanas e tradições divinas.

Boa parte das tradições às quais se apegam algumas das denominações religiosas consideradas “tradicionais” não passam de usos, costumes e convenções humanas, sem nenhum respaldo nas Escrituras. Qual hinário deve ser usado na liturgia, o novo ou o antigo? Deve-se usar instrumentos musicais nos cultos? Algumas igrejas proíbem piano, bateria, instrumentos de cordas e de percussão. Elas interpretam literalmente “Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor!” (Salmo 150.6) e só permitem instrumentos de sopro. Mas se esquecem dos versículos anteriores que mencionam “saltério, harpa, adufes, címbalos e instrumentos de cordas”.

Jesus condenou as tradições religiosas humanas, especialmente quando elas invalidam ou contrariam aquilo que Deus ordenou. (Veja Marcos 7.8). Essas tradições estão relacionadas com roupas, comidas, jejum, maneira de se orar, como deve ser o louvor nos templos, se a mulher deve usar véu ou cabelo comprido, se homens e mulheres devem se sentar juntos, se a igreja deve ter site na internet, etc.

Por outro lado, nem todas as igrejas ditas “renovadas” podem ser consideradas de fato “espiritualmente renovadas”. Muitas, na realidade, passaram a adotar doutrinas estranhas ao Novo Testamento, como, por exemplo, a teologia da prosperidade, o culto transformado em show, a unção do riso, a “queda no espírito”, o riso zoológico, o neojudaísmo, a autoajuda em lugar da Palavra de Deus, confissão positiva, dentes de ouro, entrevista de demônios, leilão da fé, maldição hereditária, venda e veneração de objetos santos ou consagrados (água ungida, água do Jordão, óleo santo, areia de Israel, lenços com o suor do pregador, etc). Não passam de outros evangelhos ou de falsas revelações, frutos da apostasia profetizada para os últimos tempos.

Boa parte da discussão sobre igreja tradicional ou renovada não tem sentido biblicamente falando. Não é prudente nem correto polarizar a questão de forma radical. As igrejas devem buscar o meio-termo, sempre que possível, embora algumas delas (consideradas cristãs) sejam intransigentes nos dois extremos – na defesa de tradicionalismos e de novidades heréticas. Como diz Luiz Sayão, “há grupos perdendo o equilíbrio teológico… no legalismo, no misticismo desenfreado ou no tradicionalismo irrefletido, entre outros problemas.” Há regras estranhas que se tornaram “padrão de espiritualidade”, como: usar (ou não) paletó e gravata, bater palmas (ou não batê-las), não usar barba, não ouvir música “do mundo”, usar roupas ou penteados específicos, não permitir guitarra, bateria ou até piano nos cultos e muitas outras.

Já outros, também chamados cristãos, defendem o dogma de que a Palavra de Deus é a soma das doutrinas inseridas na Bíblia mais a chamada “sagrada tradição” (conjunto de tradições orais) e o “magistério” (escritos e ensinos dos bispos e papas, incluindo as encíclicas consideradas infalíveis). Assim, as Sagradas Escrituras não seriam a única autoridade em matéria de fé e prática, como nós cremos, defendendo o princípio reformador da “Sola Scriptura”.

A ênfase equivocada na tradição oral tem origem em interpretação falha ou tendenciosa do que Paulo escreveu abordando as “tradições” em I Cor. 11.2, II Tes. 2.15 e II Tes. 3.6.

Vejamos esses textos:

I Cor 11.2b nos diz: ”retendes as tradições (ou preceitos) como vo-las (volos) entreguei”.

II Tes. 2.15: “Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa”.

II Tes. 3.6: “Irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, nós lhes ordenamos que se afastem de todo irmão que vive ociosamente e não conforme a tradição que vocês receberam de nós”.

Nessas passagens podemos entender que Paulo está claramente enfatizando as doutrinas por ele pregadas e transmitidas por meio das suas epístolas. Quanto à expressão “por palavra” (II Tes. 2.15), devemos entendê-la à luz de outro versículo paulino: “a minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder” (I Cor. 2.4). Paulo não pregava tradições humanas, pelo contrário, anunciava somente a “Cristo crucificado”. Paulo também alertou que “somente a Escritura divinamente inspirada é útil para ensinar” (II Tim. 3.16). Sem dúvida, podemos concluir que o conteúdo da mensagem de Paulo era o evangelho puro, sem mácula, sem nenhuma mistura com tradições religiosas de quaisquer origens. É o que deduzimos dos textos abaixo:

“Porque NADA decidi saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado.”  (I Co 2.2);

“Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos.” (I Co 1.23);

“Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus.” (2 Co 4.5);

“Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.” (Gl 6.14); “Porque Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã.” (I Co 1.17);

“Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens.” (Gl 1.11);

“Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo.” (I Co 3.11).

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