I Coríntios 9.27: o que é ser reprovado?

Paulo pregação

“Mas esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado” (1ª Coríntios 9:27)

Este é um texto que não precisamos provar pelo contexto que se trata de pessoas já salvas, porque Paulo fala de si mesmo, e os calvinistas creem que Paulo era um predestinado à salvação incondicional. O foco da questão, então, fica por conta do “reprovado”. Arminianos creem que essa reprovação é a perda da salvação e consequente condenação no dia do juízo. Como os calvinistas negam que seja possível perder a salvação, eles são obrigados a sustentar a tese de que essa reprovação é a mera perda de galardão no Céu[1].

Logo de cara é difícil imaginar alguém que está salvo no Céu e reprovado. O bom senso nos diz que os aprovados são salvos e os reprovados são condenados, assim como em uma prova de vestibular, em que só é possível passar (ser aprovado) e não passar (ser reprovado). Sustentar a tese de que é possível passar (ser salvo) sem ser aprovado é algo tão ilógico quanto alegar o inverso, de que é possível não passar (ser condenado) sem ser reprovado.

Em toda a Bíblia, a aprovação refere-se à salvação geral dos crentes e a reprovação refere-se à perdição dos descrentes. Não há nenhum lugar da Bíblia que mostre que Deus rejeitou alguém que foi salvo, e nenhum lugar que diga que Deus aprovou alguém que foi condenado. 1ª Coríntios 4:5 nos diz que todos os crentes que forem salvos na volta de Jesus receberão a Sua aprovação (1Co.4:5). Não diz que parte dos crentes salvos será aprovada e outra parte será reprovada, mas salva assim mesmo.

Além disso, o termo “reprovado” sempre se refere a alguém que perde a salvação, e não a alguém que permanece salvo mesmo sem uma recompensa. Não precisamos ir muito longe: basta conferirmos o que o mesmo apóstolo disse aos mesmos coríntios e usando a mesma palavra para se referir a alguém que se desviou da fé e não está mais em Cristo:

“Examinem-se para ver se vocês estão na fé; provem-se a si mesmos. Não percebem que Cristo Jesus está em vocês? A não ser que tenham sido reprovados!” (2ª Coríntios 13:5)

Por este texto, vemos que por “reprovado” Paulo entendia como sendo aquele que não estava na fé e não tinha Cristo em si mesmo. Sem Cristo e sem fé, não há qualquer salvação! Paulo também disse que os que são reprovados tem a mente totalmente depravada e resistem à verdade (2Tm.3:8), e diz que “eles afirmam que conhecem a Deus, mas por seus atos o negam; são detestáveis, desobedientes e reprovados para qualquer boa obra” (Tt.1:6).

Como vemos, a reprovação nunca é sinônimo de “salvação sem recompensa”. Ela sempre, em todas as ocasiões, incluindo pelo uso do próprio Paulo e aos mesmos destinatários, se refere a pessoas não-salvas, totalmente depravadas, desqualificadas para qualquer boa obra, que não estão mais na fé nem tem Jesus em seus corações. À vista disso, é realmente uma forçação de barra alegar que os reprovados continuam salvos. Isso é tão ilógico quanto admitir que há salvos que não recebem recompensa nenhuma (que é o que foi argumentado por eles), pois a própria vida eterna já é uma recompensa, e ela é livremente desfrutada por todos os salvos.

Paulo também não estaria tão disposto a fazer do seu corpo seu escravo e esmurrá-lo até a sujeição se fosse por algo que não envolvesse salvação ou perdição, mas meros bens futuros a mais do que outros. Se todos os justos desfrutam igualmente da vida eterna, a “recompensa” a mais que alguns ensinam se resumiria, como eles dizem, a uma “mansão maior e mais bonita no Céu”, e é realmente suspeito se Paulo iria se sujeitar a tudo aquilo que o texto diz se o que estivesse em jogo não fosse algo realmente importante, como vida eterna e morte eterna.

Calvinistas não tratam o texto conforme o seu rigor, não o interpretam como tratando de realidades eternas diferentes e opostas entre si, mas o resumem a algo muito menos importante, subtraindo do texto a sua significância. Mas há também razões contextuais que nos mostram que Paulo estava falando da perda da salvação. Logo em seguida, ao entrar no capítulo 10, Paulo prossegue citando o exemplo de reprovação dos israelitas, e diz:

Porque não quero, irmãos, que vocês ignorem o fato de que todos os nossos antepassados estiveram sob a nuvem e todos passaram pelo mar. Em Moisés, todos eles foram batizados na nuvem e no mar. Todos comeram do mesmo alimento espiritual e beberam da mesma bebida espiritual; pois bebiam da rocha espiritual que os acompanhava, e essa rocha era Cristo. Contudo, Deus não se agradou da maioria deles; por isso os seus corpos ficaram espalhados no deserto. Essas coisas ocorreram como exemplos para nós, para que não cobicemos coisas más, como eles fizeram” (1ª Coríntios 10:1-6)

Como no original não havia nenhuma divisão entre capítulos e versículos, o capítulo 10 sucedia imediatamente o verso 9:27, que é o último do capítulo 9. Paulo não estava mudando de assunto, mas complementando a mesma coisa que havia sido abordada, citando alguns exemplos que elucidavam aquilo que ele entendia como sendo a “reprovação”. O “porque” do verso 1 é claramente um complemento do que foi dito no último verso do capítulo anterior, continuando a mesma mensagem, com uma finalidade explicativa.

Ao citar um exemplo de reprovação, ele faz uso dos acontecimentos em torno dos israelitas na antiga aliança. Ele diz que Deus reprovou a maioria deles, e deixa implícito que esses reprovados não apenas perderam uma recompensa, pois seus corpos ficaram esplhados pelo deserto (mortos) como exemplo (tipologia) para nós, sobre o risco de cairmos em morte eterna, como os israelitas que morreram no deserto por desobedecerem a Deus. E ele finaliza dizendo:

“Não sejam idólatras, como alguns deles foram, conforme está escrito: ‘O povo se assentou para comer e beber, e levantou-se para se entregar à farra’. Não pratiquemos imoralidade, como alguns deles fizeram – e num só dia morreram vinte e três mil. Não devemos pôr o Senhor à prova, como alguns deles fizeram – e foram mortos por serpentes. E não se queixem, como alguns deles se queixaram – e foram mortos pelo anjo destruidor. Essas coisas aconteceram a eles como exemplos e foram escritas como advertência para nós, sobre quem tem chegado o fim dos tempos. Assim, aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia!” (1ª Coríntios 10:7-12)

Paulo prossegue citando outros exemplos dos pecados cometidos pelos israelitas de outrora e da punição que eles receberam, citando a idolatria, a imoralidade e a murmuração, e a punição como sendo a morte em todos os casos. Ele diz que aquilo serve de exemplo para nós, porque o mesmo pode acontecer conosco nos dias de hoje. Aquele que está de pé tem que se cuidar para não cair.

Diante de todo o contexto, este “cair” e esta “reprovação” de que Paulo tanto falava nunca esteve relacionado à uma salvação sem recompensa, mas sim à perda da salvação, com a consequente condenação à morte no dia do juízo, exatamente como ocorreu com os israelitas rebeldes e reprovados no deserto.

Se tudo o que Paulo estava dizendo era que esse “cair” e essa “reprovação” nada mais é senão apenas uma perda de recompensa para pessoas ainda salvas, todo o contexto se perderia e suas analogias seriam inúteis e falhas, já que em nenhuma analogia ele cita uma pessoa salva sem recompensa, mas fala sempre da condenação com a morte de pessoas que não foram salvas.

Se isso não é suficiente para mostrar que essa reprovação não se resume a perda de recompensa, que os calvinistas nos mostrem as maravilhosas provas lógicas e contextuais que indiquem de forma lúcida e clara que tais reprovados são “salvos sem recompensa”. A verdade é que eles não tem nenhuma prova e nenhum argumento, eles simplesmente afirmam, porque a priori estão amarrados à crença de que o crente não pode perder a salvação de jeito nenhum, e são forçados a manipularem e distorcerem o sentido claro dos textos bíblicos para que eles possam se alinhar a esta visão distorcida da realidade.

[1] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 145.

Extraído do livro “Calvinismo X Arminianismo: quem está com a razão?”, cedido pela comunidade de arminianos do Facebook

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