“Êxodo: Deuses e Reis”, de Ridley Scott, tem pragas, ondas e tornados. Tem crocodilos que devoram embarcações, 400 mil escravos hebreus criados digitalmente e Christian Bale brandindo uma espada no papel de um Moisés que lembra o filme “Gladiador”.
Mas é Deus quem talvez roube a cena nesse filme em 3D.
“Êxodo”, que vai estrear em todo o mundo neste mês, preserva a severidade do Deus do Velho Testamento, mas o faz dentro da persona de uma criança voluntariosa. Scott recorre a um ator britânico de 11 anos de idade, Isaac Andrews, para encarnar a voz e o rosto de seu Todo-Poderoso, em lugar de ocultar a divindade atrás de uma coluna de fogo, como Cecil B. DeMille optou por fazer em “Os Dez Mandamentos”.
E é Andrews -de olhar severo, impaciente, por vezes vagamente angelical e em outros momentos assustador- quem está começando a incomodar pessoas que levam a Bíblia a sério. “Para qualquer pessoa que tenha alguma relação com Deus e as Sagradas Escrituras, seria difícil aprovar o que foi feito”, disse o consultor de marketing Chris Stone.
Houve sinais precoces de uma reação contrária ao filme em outubro, quando Bale, falando numa sessão em que trechos de “Êxodo” foram mostrados a jornalistas, usou o termo “volátil” para descrever o Deus do Velho Testamento e, sem querer, criou um problema para a 20th Century Fox em sites cristãos e de tabloides.
Kerry Brown/Divulgação | ||
Christian Bale em cena de ‘Êxodo: Deuses e Reis’ |
Gary A. Rendsburg, professor de estudos judaicos na Universidade Rutgers, em Nova Jersey, disse que só conseguiu pensar em uma referência no Velho Testamento que pudesse fundamentar a noção de Deus como sendo uma criança inocente. Trata-se de uma alusão muito breve feita no primeiro Livro de Reis, capítulo 19, em que Deus fala a Elias numa voz descrita como sendo “ainda pequena”.
No Livro do Êxodo, disse Rendsburg, Deus não é homem nem espírito, mas sim “um personagem” que ainda possui características semelhantes à do homem, por meio das quais as gerações de muito tempo atrás o entendiam. “Ele conversa muito, e é possível ter um diálogo direto com ele”, disse Rendburg, embora tenha notado que, segundo o capítulo 33 do livro do Êxodo, um humano cairia morto se contemplasse Deus diretamente.
Em meados de novembro, a revista “Hollywood Reporter” identificou Isaac Andrews como sendo o avatar de Deus em “Êxodo”.
Scott disse que se norteou por seus instintos quando decidiu fazer Deus falar por meio de um menino, que ele imagina que pudesse ser um pastor. “Eu quis evitar os clichês”, explicou.
A Fox observou que pelo menos um espectador religioso, o reverendo Floyd Flake, da catedral Greater Allen A.M.E., de Nova York, reagiu positivamente a “Êxodo: Deuses e Reis”, depois de assistir ao filme em sessão reservada. “Acho que a reação será positiva”, opinou Flake.
Para ele, é provável que muitos cristãos achem a noção de um Deus menino coerente com os relatos sobre o nascimento de Cristo, no Novo Testamento.
Para Isaac Andrews, “Êxodo” lhe ofereceu um papel sem igual.
“Preciso de um general”, ele diz a Moisés em certo momento, em tom irritado, desencadeando uma guerra de libertação no Egito.
Os elementos seguintes, típicos dos filmes de ação e que levam Cristian Bale (Moisés) a enfrentar Joel Edgerton (o faraó Ramsés), convertem o filme 3D de Ridley Scott em uma experiência muito mais cinética que “Os Dez Mandamentos” (1956), de Cecil B. DeMille.
Segundo pessoas a par da estratégia do estúdio, a Fox e a Chernin Entertainment decidiram desde cedo promover seu filme não como um relato religioso, mas como um filme de ação, pautado claramente no exemplo de “Gladiador”, também de Scott.
Quando foi informado que o papel de Deus ficaria a cargo de um ator mirim, Bill T. Arnold, professor do seminário teológico Asbury, em Wilmore, Kentucky, primeiro riu, mas depois ficou intrigado.
“Há algo na ideia de Deus como sendo um menino que me atrai”, comentou. “Não sei qual vai ser minha impressão quando eu vir o filme. Mas quero dar o benefício da dúvida a seus criadores.”
Extraído do site da Folha em 13/12/2014