Eutanásia: Uma perspectiva cristã

Pela primeira vez na His­tória da Medicina, os mi­lenares e consensuais códi­gos de ética e deontologia médicas, na linha da tradição hipocrática, estão a ser pos­tos em questão. Nomeada­mente quanto às questões da vida e da morte, como é o caso da eutanásia.

Procuraremos, neste artigo, esclarecer o que se entende por eutanásia e suas implicações éticas e morais, à luz da revelação bíblica.

DEFINIÇÃO E TERMINOLOGIA

A palavra eutanásia provém do grego “eu-thanatos”, po­dendo ser traduzida por “boa morte” ou “morte suave”. Trata-se obviamente de um eufemismo, pois na realidade constitui uma forma de ho­micídio ou “suicídio assis­tido”, cujo objetivo é provo­car a morte de alguém cuja vida é considerada inútil.

Os termos eutanásia ativa (em que o médico administra conscientemente uma terapêutica destinada a provocar uma morte antecipada, p.e. uma injeção letal) e passiva (omissão planeada de deter­minado tratamento) devem ser evitados. A eutanásia passiva não é eutanásia, pois a decisão de não prosseguir com um tratamento ineficaz ou inadequado para a situa­ção de um doente incurável, pode ser considerada boa prática médica. Aliás do ponto de vista jurídico, e ao contrário da eutanásia, a omissão ou interrupção de tratamento inútil não constitui crime (cf. art.° 136 e 150 do Código Penal).

A eutanásia é denominada voluntária, quando o próprio indivíduo solicita que lhe seja retirada a vida. É não-voluntária quando o indivíduo não possui capacidade de decisão (por alterações da consciên­cia p.e.), sendo executada geralmente a pedido dos seus familiares mais próximos.

CONTEXTO HISTÓRICO

A religião judaico-cristã considera tradicionalmente de grande valor a individuali­dade e dignidade do ser hu­mano. Todas as sociedades têm também, de modo geral, considerado o homicídio como uma ofensa grave, passível de punição.

Pelo contrário, a sociedade humanista e secularista em que vivemos, ao considerar a morte como o fim, constitui terreno propício à aceitação da eutanásia por parte da opinião pública. Um impor­tante passo nesse sentido foi dado a 30 de Novembro de 1993, quando o senado ho­landês aprovou um projeto de lei governamental, despenalizando a prática da eutanásia nesse país.

PERSPECTIVA CRISTÃ

Não encontramos na Bíblia qualquer referência explícita à eutanásia, mas sim alguns princípios gerais que nos re­velam a mente de Deus rela­tivamente ao valor e digni­dade da vida humana.

Em Gênesis 1:26 e 27 lemos que o ser humano foi criado à imagem de Deus, o que o dignifica e o diferencia de todos os outros seres vivos. O 6.° mandamento da lei de Deus é também claro ao de­terminar: “Não matarás” (Ex 20:13). Ainda em 1 Coríntios 6:19 e 20, Paulo escreve, re­ferindo-se aos crentes, que somos propriedade de Deus, visto termos sido resgatados por elevado preço, através da morte expiatória de Cristo: “Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espirito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?”.

ARGUMENTOS PRÓ-EUTANÁSIA

Os dois principais argu­mentos utilizados pelos de­fensores da eutanásia são o da autonomia e o da compai­xão.

Por autonomia, ou autodeterminação, entende-se o direito do indivíduo sobre a sua própria vida. Nesse sen­tido, cada pessoa é livre para usar o seu corpo como bem entender, inclusive de acabar com a vida. Quando por mo­tivo de doença ou incapaci­dade tal não é possível pelos seus próprios meios, coloca- -se então a hipótese de “sui­cídio assistido”.

Trata-se, sem dúvida, de um conceito atraente e popu­lar numa sociedade egocên­trica e individualista. O texto bíblico é, contudo, bem claro a este respeito, condenando tal possibilidade.

O argumento da compaixão é utilizado para justificar a eutanásia, ao permitir o alívio do sofrimento ou prolonga­mento indesejado de trata­mento paliativos em doentes terminais. Há quem diga que se trata da versão humana do abate do cavalo ou do cão para lhes evitar o sofrimento terminal.

Já vimos que a obstinação terapêutica deve ser evitada e não tem nada a ver com eutanásia. Por outro lado, a medicina dispõe atualmente de todos os recursos tera­pêuticos necessários para permitir uma morte sem so­frimento, como é o caso dos potentes analgésicos opióides (morfina p.e.). Ainda que es­sas drogas possam even­tualmente provocar uma diminuição da sobrevida desses doentes, também aqui não se trata de eutanásia, pois a intenção principal não é pro­vocar a morte, mas sim aliviar o sofrimento e a dor. A pró­pria Bíblia defende esta prá­tica, no livro de Provérbios 31:6, 7: “Dá as bebidas fortes àqueles que desfalecem e o vinho aos que têm o coração amargurado, para que, be­bendo, possam esquecer a sua fraqueza e a sua infelici­dade”.

Há ainda quem defenda a eutanásia com base em as­pectos puramente econômi­cos, argumentando ser a so­lução (ao eliminarem-se os doentes considerados incu­ráveis) para uma melhor prestação de cuidados de saúde dos doentes com um prognóstico menos sombrio.

ALGUNS PROBLEMAS

Em primeiro lugar, todo o médico conhece bem a incer­teza e imprecisão de muitos diagnósticos, e mais ainda dos prognósticos. A possibi­lidade de uma recuperação inesperada, embora imprová­vel, é uma realidade a ter em conta.

Poderá também acontecer que o doente esteja a expe­rimentar uma fase de depres­são, durante a qual são co­muns as intenções suicidas. Já para não falar na possibi­lidade de confusão mental ou demência e, por conseguinte, na incapacidade do doente tomar decisões ou efetuar juízos de valor credíveis. A própria vontade do indivíduo de não constituir um “fardo” para os seus familiares pode ser o principal motivo do seu desejo de morrer.

Sabe-se, no entanto, que o pessoal de saúde que presta cuidados a doentes terminais, refere que aqueles que pedem para morrer deixam de o fazer quando sentem que não estão abandonados, quando há quem se preocupe com eles ou quando o seu sofrimento é convenientemente contro­lado.

O Comitê sobre Eutanásia, nomeado pelo Governo ho­landês, revelou em Setembro de 91, ainda antes da despenalização da eutanásia, que em 1990 pelo menos 1000 pessoas foram mortas como resultado desta prática sem terem efetuado qualquer pedido explícito nesse sen­tido (eutanásia não-voluntária) e que mais de 70% desses casos foram referidos ilegal­mente como tendo sido de causa natural!

CONCLUSÃO

A eutanásia não é solução! Embora seja um tema que está na moda e conte com muitos adeptos na nossa so­ciedade permissiva e materia­lista, consideramos tratar-se de uma aberração e perversão da prática médica.

A missão primordial da Medicina consiste em com­bater a doença e preservar a vida, como aliás está consig­nado na Declaração de Ge­nebra, adoptada em 1948 pela prestigiada Associação Mé­dica Mundial, e onde se pode ler: “Considerarei a saúde do meu doente como a minha primeira preocupação” e “Guardarei respeito absoluto pela Vida Humana”.

Em Portugal a eutanásia é punida pelo Código Penal, e tanto a Ordem dos Médicos como a Ordem dos Advogados são contra o principio e a sua pratica. Quando se permite ao mé­dico que assuma o papel de carrasco, por melhores que sejam as intenções, estamos a abrir as portas a uma reabi­litação das práticas eugénicas nazis e a uma autêntica involução face aos valores éticos e morais que estão na base do exercício da Medicina.

Ao refutarmos liminarmente a prática da eutanásia deve­mos estar conscientes da nossa responsabilidade, como profissionais de saúde cristãos evangélicos, em de­monstrarmos, pelo nosso ex­emplo e testemunho, o amor de Cristo para com cada ser humano.

—-

JORGE CRUZ – FONTE: REVISTA  “NOVAS DE ALEGRIA” 

Sair da versão mobile