Europa sem Deus

Europa sem Deus Debandada de fiéis esvazia as igrejas e expõe desencanto religioso dos europeus José Eduardo Barella Durante os últimos dez séculos, um fluxo caudaloso de peregrinos manteve agitadas as grandes catedrais da Europa Ocidental. É irônico que no momento em que o cristianismo celebra seu segundo milênio o coração da civilização cristã esteja passando por um fenômeno bem diferente: a ausência de fiéis nos cultos, sejam católicos ou protestantes. Basta entrar numa catedral para perceber que há mais turistas fascinados pela arquitetura do que com fervor religioso. Enquanto os teólogos debatem as causas da debandada do rebanho cristão, os números comprovam que, se os europeus ainda rezam, o fazem longe da instituição. Sessenta e sete por cento dos jovens espanhóis jamais vão a uma missa. Na França, na Bélgica e na Alemanha, apenas 10% dos católicos freqüentam a igreja. A cada ano, diminui em 50.000 a quantidade de ingleses que assistem às missas de domingo. Em vários países faltam padres por causa da queda do número de ordenações. Entre os protestantes, o cenário é igualmente desolador. Somente 3% da população comparece aos cultos nos países escandinavos. A cúpula da Igreja Reformada Holandesa está transformando parte de seus complexos religiosos em hotel para pagar despesas de manutenção. A Catedral de Canterbury, de importância central na fé anglicana, fica vazia na manhã de domingo, o dia mais movimentado em qualquer templo cristão. O sínodo de bispos europeus convocado pelo Vaticano para discutir o assunto, há dois anos, observou, com alarme, que são batizados menos da metade dos recém-nascidos nas grandes cidades da Europa. “Os europeus são agora uma das populações menos religiosas do mundo”, diz o reverendo anglicano Timothy Bradshaw, professor de teologia da Universidade de Oxford. O fenômeno é exclusivo da Europa Ocidental. A religião católica está em expansão na América Latina e na África. As igrejas protestantes e pentecostais estão conquistando multidões não apenas nos países pobres, mas também nos Estados Unidos. “Os rituais na Igreja européia são mais formais que na da América”, observa o teólogo paulista Márcio Fabri. “Isso afasta os fiéis.” Mesmo entre os europeus há variações nacionais. A freqüência à igreja continua alta em alguns países tradicionalmente católicos, como a Irlanda e a Itália, onde quase 50% da população adulta vai à missa pelo menos uma vez por mês. Não é o único dado surpreendente. Os europeus que deixam de ir aos cultos cristãos não mudam de religião nem viram ateus, o que explica o fato de o número de pessoas que acreditam em Deus (50% da população européia) ser muito maior que o das que freqüentam uma igreja. Só 4% se declaram completamente ateus. Da mesma forma, a ética cristã ainda orienta a moralidade pessoal da maioria das pessoas. Sessenta por cento dos holandeses deram adeus à igreja, mas continuam reservando uma enorme quantidade de dinheiro para a caridade. A perda de influência formal da Igreja pode ser percebida, contudo, por mudanças na vida familiar e social que a Santa Sé condena: controle de natalidade, aborto, divórcio e eutanásia. Algumas dessas novidades foram adotadas até nos países do sul da Europa, bem mais religiosos. Já a eutanásia só é aceita na Holanda. O quadro é complexo e não há uma explicação única para a falta de interesse pelas religiões tradicionais. É possível que parte da explicação esteja na tradição racionalista do continente, que deu ao mundo a Revolução Industrial, a física quântica e a genética moderna. A ciência hoje pode explicar coisas sobre as quais no passado só a religião tinha algo a dizer. Há quem cite o consumismo exagerado e a estabilidade do Velho Continente como determinantes. Seria porque a maioria da população tem um padrão de vida elevado e está menos suscetível a questões que atormentam outros continentes, como violência, miséria ou tensões raciais. “Um europeu médio pode passar a vida inteira sem enfrentar uma crise financeira ou emocional aguda”, observa o sociólogo dinamarquês Jorgen Goul Andersen. Assim, tende a ir menos aos cultos, onde outros fazem promessas, e tampouco educa os filhos a fazê-lo. Durante 1.000 anos, o cristianismo foi um elemento central na identidade européia. A tradição é forte demais para ser dissolvida de uma hora para outra. Impressiona a continuidade das aulas de religião nas escolas da maior parte dos países, com o apoio dos pais. Na Suíça, é comum freiras lecionarem em escolas públicas. O clero anglicano ainda tem cadeiras com direito a voto no Parlamento inglês. Uma parte da justificativa para a educação religiosa – o que na maioria da Europa significa educar para o cristianismo – é a inseparável conexão entre a fé cristã e a cultura européia. “Não se pode entender a arte, a literatura ou a arquitetura ocidental sem conhecer a religião cristã”, diz Jean-François Mayer, professor de religião na Universidade de Fribourg, na Suíça. É interessante que o islamismo, praticado principalmente pelos imigrantes, demonstre vitalidade na Europa. Os muçulmanos somam 3% da população do continente, mas representam 9% dos europeus que efetivamente professam uma religião. Ainda assim, já se vêem sinais de que estão aderindo aos costumes locais. Na Alemanha, na Espanha e na França, entre 30% e 50% dos muçulmanos freqüentam as mesquitas, inseridos em um ambiente menos religioso que em seus países de origem. Na França e na Inglaterra, apenas 10% da população vai à igreja, e só uma vez por mês Nos países escandinavos, a freqüência a cultos religiosos católicos ou protestantes é ainda menor: 3% da população O número de fiéis das igrejas Anglicana e Católica caiu 27% na Inglaterra desde 1980 e apenas 54% dos jovens ingleses de 18 a 24 anos acreditam em Jesus Cristo.

Sair da versão mobile