Resposta ao artigo “A Profetisa que não Falhou”
“Ellen White ouviu da boca de Deus o dia e a hora da vinda de Jesus?”
Análise do contexto literário
No artigo anterior, provamos que as visões de Ellen White serviram para legitimar as marcações de datas para a volta de Jesus. Neste artigo, daremos uma prova de como isso aconteceu.
Há pelo menos três lugares onde EGW menciona ter “ouvido” a data da volta de Jesus. O primeiro deles é na chamada primeira visão de 1844, onde lemos o seguinte:
“Logo ouvimos a voz de Deus, semelhante a muitas águas, a qual nos anunciou o dia e a hora da vinda de Jesus. Os santos vivos, em número de 144.000, reconheceram e entenderam a voz, ao passo que os ímpios julgaram fosse um trovão ou terremoto. Ao declarar Deus a hora, verteu sobre nós o Espírito Santo, e nosso rosto brilhou com o esplendor da glória de Deus […]” (Primeiros Escritos, p. 39 – grifo nosso)
Esse mesmo anúncio foi feito três anos depois em 1847 em outra visão:
“E ao anunciar Deus o dia e a hora da volta de Jesus e declarar o concerto eterno com Seu povo, Ele proferia uma sentença, e então fazia uma pausa, enquanto as palavras reboavam através da Terra.” (Primeiros Escritos, p. 56 – grifo nosso)
E por fim aparece no livro “O Grande Conflito”, ligeiramente modificada:
“A voz de Deus é ouvida no Céu, declarando o dia e a hora da vinda de Jesus e estabelecendo concerto eterno com Seu povo. Semelhantes a estrondos do mais forte trovão, Suas palavras ecoam pela Terra inteira” (O Grande Conflito, p. 558 – e-book – grifo nosso)
Se a declaração constante no livro “O Grande Conflito” for apenas uma mera repetição da visão de 1847, temos então, pelo menos, duas visões onde EGW “ouve” Deus falar audivelmente o tempo da volta de Jesus.
Entretanto, Leandro Quadros nos acusa de fazermos uma leitura “descontextualizada” dos escritos dela e propõe dar a “verdadeira” interpretação do contexto alegando que “Ellen White não atribuiu para si o conhecimento quanto ao período da volta do Salvador, mas apenas nos informa que, na hora da angústia, foi feito o anúncio para animar os que estavam cansados no tempo do fim. O destaque no contexto não é data alguma, mas o interesse de Deus em animar o Seu povo a seguir pelo caminho estreito que conduz à salvação (Mateus 7:13, 14).” E arremata: “Por que distorcer o que está claro?”[1]
É flagrante o desespero de Quadros em ajeitar as coisas para o lado de EGW, suavizando o impacto das declarações estapafúrdias que ela forneceu. No entanto, é ela mesma que se encarrega de desmenti-lo ao declarar que tinha total conhecimento sobre a data da volta de Jesus.
Quando colocada contra a parede para explicar a contradição entre sua declaração sobre o dia e a hora da volta de Jesus e a declaração do próprio Jesus em Mateus 24.36 de que “NINGUÉM sabe o dia e a hora” da sua volta, ela sai pela tangente com a seguinte desculpa:
“Elas contêm tudo quanto já me foi mostrado quanto ao tempo definido da vinda do Senhor. Não tenho o mais leve conhecimento quanto ao tempo anunciado pela voz de Deus. Ouvi a hora proclamada, mas não tinha lembrança alguma daquela hora depois que saí da visão. Cenas de tal emoção, solene interesse, passaram por mim de maneira que linguagem alguma é capaz de descrever.” (Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 71 – grifo nosso)
Portanto, está fora de cogitação indagar se ela “atribuiu para si” tal conhecimento, como quer Quadros. Isso é liquido e certo, o texto é claríssimo e dispensa maiores comentários.
A questão nevrálgica se concentra em saber por que ela “esqueceu” de algo tão importante assim![2]
É estranho ela não se lembrar de uma simples data, mas, por outro lado, lembrar-se de frases bem mais complexas que ela supostamente ouviu de Jesus, como as elencadas abaixo:
“Aqueles que têm mãos limpas e coração puro serão capazes de estar em pé; Minha graça vos basta.”
“Nos disse: ‘Lavastes vossas vestes em Meu sangue, permanecestes firmes pela Minha verdade; entrai.’ ”
“E disse: ‘Somente os 144.000 entram neste lugar’, e nós exclamamos: ‘Aleluia’!”
Ela conta em outro lugar que nem tudo em suas visões era passível de revelação: “As maravilhosas coisas que ali vi, não as posso descrever. Oh! se me fosse dado falar a língua de Canaã, poderia então contar um pouco das glórias do mundo melhor”, mas é certo também que em nenhum momento é dito que ela estava impossibilitada ou mesmo proibida de contar a data da vinda de Jesus.
A ordem era específica e objetiva: “Deves novamente voltar à Terra, e relatar a outros o que te revelei”.
Tempos depois ela fornece o seguinte relato: “Depois que voltei da visão […] Contei a visão a nosso pequeno grupo em Portland […] Cerca de uma semana depois disto o Senhor deu-me outra visão e mostrou-me as provas pelas quais eu devia passar.”
Observe que nem durante a visão, e nem depois, há menção de alguma proibição ou esquecimento por parte dela. Ela só vem relatar esse “esquecimento” tempos depois quando pressionada pelas pessoas a falar sobre a data da volta de Jesus.
O argumento levantado de que Jesus disse o dia e a hora da sua vinda apenas para “animar” o grupo de 144 mil adventistas é furado e só convence a quem está predisposto ao erro.
A parousia é um segredo tão sério que está restrito à onisciência da Trindade. Agora vem EGW e quer nos convencer que Deus, para dar uma animadinha na galera cabisbaixa, solta o maior segredo do universo! Isso é brincar com a inteligência alheia! Outra: em que ajudaria Deus dar a conhecer o dia da volta de Jesus se o grupo de 144 mil e a própria “profetisa” não se lembrariam mais dela?
Diante de todas essas incoerências, o senhor Leandro Quadros precisa nos explicar as seguintes questões:
- Por que Ellen White (em 2 visões) esqueceu-se por DUAS VEZES da data mencionando a volta de Jesus?
- Por que Ellen White diz ter ouvido o dia e a hora da volta de Jesus (o “tempo definido” segundo expressão usada por ela mesma), se a Bíblia diz que somente Deus sabe o dia e a hora da volta de seu Filho?
- Por que, mesmo depois de ter contado a visão à sua igreja, ela não menciona nada sobre essa suposta amnésia?
- Por que, apesar dela se lembrar depois da visão de frases bem mais complexas ditas por Jesus, esqueceu justamente de uma simples data?
- Por que ela só revelou que esqueceu a data tempos depois quando pressionada por terceiros?
- Qual a utilidade de Deus revelar a data da volta de Jesus para animar o grupo adventista sendo que eles não se lembrariam de nada após a visão?
O contexto da marcação de datas e as visões de Ellen White
Fora a paranoia profética pessoal em querer marcar datas, acredito que existe outra forte razão pela qual ela diz ter ouvido o “dia e a hora” da volta de Jesus. Apesar do senhor Leandro Quadros protestar dizendo que o “destaque no contexto não é data alguma, mas o interesse de Deus em animar o Seu povo”, o contexto mais amplo dessa visão mostra que mencionar a data da volta de Cristo fazia parte de um esquema específico de marcação de datas, em que ela dava suporte carismático com suas visões a outras marcações de datas que estavam em andamento.
A declaração de Ellen White deve ser lida dentro deste contexto de marcação de datas para a volta de Cristo (1845, 1846, 1847, 1850) feita por outros adventistas, especialmente por seu esposo Tiago White e seu amigo Joseph Bates.
TIAGO WHITE
Relembrando o que disse o historiador adventista: “Tiago White também foi seduzido pela marcação de datas. Até setembro de 1845, pelo menos ele cria que Jesus voltaria em outubro. Bates também participou da marcação do tempo […] Ele [Jesus] voltaria em outubro de 1851” (Knight, 2011, pp. 83,84 – grifo nosso)
“É bem conhecido que muitos estavam esperando a vinda do Senhor no sétimo mês de 1845. Que Cristo virá nós acreditamos firmemente.” (Tiago White, Uma Palavra ao Pequeno Rebanho, p.22).
É dentro deste contexto, quando Tiago White marca a volta de Jesus para 1845, que Ellen White diz ter ouvido “a hora e o dia da volta de Jesus”. Isso após o Grande Desapontamento de 1844.
Lembremos ainda do testemunho de Lucinda Burdick atestando que EGW ajudou a reforçar a marcação da volta de Jesus para 1845 com suas visões.
Não podemos perder de vista que, até a década de 50, ela vivia à sombra de seu marido, era pouco conhecida e seus testemunhos eram contestados. Além disso, eles acreditavam na doutrina da “porta fechada”. Uma visão ouvindo a hora e o dia da volta de Jesus na época em que seu marido marca 1845 como o ano desse advento é, no mínimo, suspeita. Mas foi muito mais que isso, foi na verdade uma ajuda prestada a Tiago White.
JOSEPH BATES
Quando a falsa predição de Tiago White falhou, surgiu outra predição pela pena de Joseph Bates. Bates acreditava que o Dia da Expiação havia começado em 22 de outubro de 1844 e duraria sete anos quando, no final de outubro de 1851, Jesus então voltaria. (The Typical and Anti-typical Sanctuary, pp. 10-13)
Ela teve uma visão em 18 de novembro de 1848, em Dorchester, que foi publicada por Joseph Bates em seu livro, O Selo do Deus Vivo, em 1849. Nessa visão Ellen White afirma que “O tempo de angústia começou, a razão pela qual os quatro ventos não foram soltos é porque os santos não estão todos selados …”
Ela escreveu em 1849 o seguinte: “Não temos senão um pequeno espaço de tempo no qual trabalhar por Deus.” (Primeiros Escritos, p. 67- visão de 24 de março de 1849)
Conforme os meses iam passando e se aproximando da data marcada por Bates, as advertências iam ficando mais contundentes. Observe as seguintes declarações:
“Numa visão dada em 27 de junho de 1850, meu anjo acompanhante disse: “O tempo está quase terminado…”(Ibidem, p.84)
“Mas agora o tempo está quase findo, e o que durante anos temos estado aprendendo, eles terão de aprender em poucos meses.”( Ibidem, p. 86 – 27 de junho de 1850)
“O tempo do selamento é muito curto, e logo passará” (Ibidem, p. 78 – visão de setembro de 1850)
“Vi que a rápida obra que Deus estava fazendo na Terra logo seria abreviada em justiça, e que os mensageiros devem celeremente ir em busca do rebanho disperso.”( Ibidem, p. 70 – visão de dezembro de 1850)
“Alguns estão supondo a vinda do Senhor num futuro muito distante. O tempo tem continuado alguns anos mais do que eles esperavam, e assim pensam que continuará mais alguns anos, e desta maneira suas mentes são desviadas da verdade presente para irem após o mundo.” (Ibidem, p.77- visão de dezembro de 1850)
“Vi que o tempo para Jesus permanecer no lugar santíssimo estava quase terminado e esse tempo podia durar apenas um pouquinho mais; que o tempo disponível que temos deve ser gasto em examinar a Bíblia, que nos julgará no ultimo dia.”(Ibidem – visão de dezembro de 1850)
É óbvio que todas as expressões falando sobre o fim mostram um processo de reduzir o tempo para encaixar e reforçar a marcação da data que Bates havia proposto.
O observador mais atento notará que em março de 1849 ela usa a expressão “pequeno espaço de tempo” que foi reduzido para “meses” em junho de 1850, depois para “muito curto e logo passará” em setembro e, finalmente em dezembro, “o tempo está quase terminado”.
Uma alegação comum entre os adventistas é falar que essas expressões são semelhantes às usadas pelos escritores bíblicos. Ora, Jesus não disse “eis que cedo venho”? (Ap 22.7).
Acontece que há um abismo enorme entre as frases de ambos. Pergunto: existe algum verso na Bíblia de Quadros marcando a volta de Jesus? Ou ele sabe de algum dos apóstolos que “ouviu” Deus dizer “a hora e o dia” da volta de Jesus? É certo que o cristão do 1º século vivia na expectativa da iminência da parousia como nós hoje vivemos, mas longe de fixar datas. Entretanto, com relação a EGW, as expressões de expectativas usadas por ela em seus escritos e visões faziam parte de um esquema místico de favorecimento em prol da fixação de datas. Quando essas expressões são colocadas dentro do contexto da doutrina da porta fechada, das datas pré-fixadas de Tiago White e Bates, as evidências cumulativas apontam para o fato de que realmente Ellen White esperava o cumprimento da volta de Jesus para algumas daquelas datas.
Ellen White era contra a marcação de datas?
Os adventistas dizem que sim. Objetam dizendo que a acusação de que EGW marcava datas não pode ser verdadeira porque ela em diversas ocasiões se opôs a essa prática. Em defesa desse ponto de vista são citados alguns textos em que ela parece desabonar esse costume, como podemos ler abaixo:
“Diferentes datas foram repetidamente estabelecidas para a vinda do Senhor e impostas aos irmãos; mas o Senhor mostrou-me que todas essas datas passariam, pois o tempo de angústia devia vir antes da vinda de Cristo, e que cada vez que uma data era estabelecida e passava, simplesmente enfraquecia a fé do povo de Deus.” (Primeiros Escritos, p. 45 – e-book)
Citando alguns trechos dos livros de EGW, Knight, afirma que ela “se opôs a Bates” e que “essa não foi a primeira vez que Ellen White se opôs à marcação de datas”.( Knight, 2011, pp. 83,84)[3]
Contudo, a afirmação de Knight não condiz com os fatos, pois ela teve uma visão em 18 de novembro de 1848, em Dorchester, que foi publicada por Joseph Bates em seu livro, O Selo do Deus Vivo, em 1849. Nessa visão Ellen White afirma que “O tempo de angústia começou, a razão pela qual os quatro ventos não foram soltos é porque os santos não estão todos selados …”
Ele (Bates) chega a usar a expressão: “O tempo de angústia, qual nunca houve” (p.48). Ele fala isso dentro do contexto da guerra na Europa. EGW está repetindo com suas visões apenas aquilo que Bates estava ensinando com suas palavras.
Ademais, a senhora Lucinda Burdick, amiga de Ellen White na década de 1840, dá outra versão dos fatos. Na versão da senhora Burdick, as falsas previsões sobre a volta de Jesus não recaem apenas nas costas do marido de EGW. A amiga menciona que a “profetisa” relatava que “ela viu que o Senhor viria pela segunda vez em junho de 1845”, mas, quando Jesus não voltou, a desculpa arrumada para o fracasso foi que ela ouviu a Voz na “língua de Canaã” e ela não entendia a língua de Canaã, por isso não compreendeu de imediato, mas era no “próximo mês de setembro que o Senhor voltaria.”[4]
É claro que EGW apoiou as datas de 1845 e 1851 para a volta de Jesus; além disso, não devemos esquecer a falsa profecia de 1856, talvez a última tentativa de marcar data feita por ela.
Como explicar então suas advertências em contrário? Não podemos perder de vista que na época não eram somente seu esposo e Joseph Bates que estavam marcando datas, outros adventistas também o faziam. Acreditamos que as oposições à marcação de datas feitas por EGW têm endereço certo: feitas contra esses outros que não faziam parte de seu círculo íntimo. Ademais, os repetidos fracassos das datas forçaram-na a dar uma “resposta” sobre o assunto e ficar mais cautelosa.
No próximo artigo trataremos sobre a profecia referente a Guerra Civil americana. Ellen White predisse ou não que a Inglaterra entraria na guerra? Segundo o senhor Leandro Quadros – não.
______________________________
[1] As objeções de Quadros podem ser conferidas aqui: http://novotempo.com/namiradaverdade/ellen-g-white-%E2%80%93-a-profetisa-que-nao-falhou-parte-2/
[2] Prosseguindo a leitura do livro, o leitor irá se deparar com mais algumas bizarrices que ela viu em suas visões, tais como: “cartão de ouro” para anjos (ourocard do céu?), o patriarca Enoque encontrado em outro planeta, crianças com asas, uma mesa quilométrica, mas que podia ser vista de uma só vez e também o novo “nome de Jesus” e o “papa” que supostamente mudou o sábado para o domingo.
[3] Pode-se ler outras advertências dela contra a marcação de datas em Mensagens Escolhidas, Vol. 2 p. 115; Testemunhos para a Igreja Vol. 4, p. 298; e Primeiros Escritos, p. 95 – e-book.
[4] Disponível em: http://www.truthorfables.com/Lucinda_Burdick.htm
______________________________
Leia aqui o artigo final desta série