EI executou 200 crianças de uma só vez

Por que o EI executou 200 crianças de uma só vez

O grupo terrorista islâmico está perdendo a batalha da propaganda

A mais recente atrocidade do Estado Islâmico, o grupo terrorista que ocupa vastas áreas da Síria e do Iraque e que tem filiais espalhadas pelo mundo, foi cometida no ano passado mas só revelada hoje, em um vídeo repugnante. Nele, cerca de 200 crianças deitadas de bruços são executadas a tiros de fuzil por homens em roupas camufladas. Uma versão amenizada da filmagem, em que os corpos das vítimas são apagados digitalmente, pode ser vista aqui.

O vídeo difere de outros divulgados pelo grupo, porque não tem a mesma qualidade técnica nem os cuidados de edição que visavam a conferir às suas atrocidades uma estética de filme de ação. O massacre dos meninos parece ter sido gravado por uma câmera simples, provavelmente de um celular. O fato de ter sido gravado em 2014 sugere que a intenção nunca foi divulgá-lo, ou pelo menos não para o grande público. Essa hipótese é reforçada pelo que se sabe sobre o caminho que a filmagem percorreu até chegar às redes sociais: o primeiro a postá-la foi um ativista anti-EI do Iêmen, provavelmente com o intuito de denunciar a barbárie do grupo.

A estratégia de propaganda do EI consiste em tentar controlar a divulgação das informações sobre seus atos, não apenas no conteúdo, mas principalmente na maneira como isso acontece. Para isso, o EI começou a produzir suas próprias “notícias” e a difundi-las diretamente, por meio das redes sociais. Jornalistas, nesse contexto, são absolutamente dispensáveis e indesejados (tanto que os terroristas tratam de sequestrar e/ou matar todos os profissionais de imprensa que cruzam o seu caminho). Nos vídeos do EI, as vítimas sempre aparecem de maneira desumanizada, como se estivessem conformadas com seu destino.

Mas o grupo está perdendo a guerra de propaganda, porque cada vez mais estão vindo à tona imagens profissionais, verdadeiramente jornalísticas, do resultado de suas atrocidades. A foto do menino Aylan morto em uma praia turca, para onde foi levado pelas ondas depois de uma fracassada tentativa de sua família de fugir da guerra na Síria rumo à Europa, é apenas uma delas.

Imagens sem o contexto correto, como as que são produzidas, manipuladas e distorcidas pelo EI, são desprovidas de significado político e não levam a nada positivo. Servem apenas ao propósito propagandístico do grupo. (Neste artigo para New Republic, Susie Linfield argumenta que as imagens de Aylan provocaram uma reação maior do que outras, similares, porque foi feita na Turquia, às portas da Europa, e portanto ao alcance da ajuda humanitária.)

Um contraponto valioso às peças de propaganda do EI é o trabalho do fotógrafo grego Aris Messinis, que registra a chegada dos refugiados sírios à ilha de Lesbos. O mesmo vale para a foto que Susie Linfield escolheu para ilustrar seu artigo, registrada por Abd Doumany em um hospital na Síria. A maioria das pessoas retratadas por Messinis e Doumany estão numa situação limite e o sofrimento domina as feições de seus rostos. Mas elas são retratadas de maneira digna, sem serem despojadas de sua humanidade. É tudo o que o EI não quer.

O objetivo dos vídeos macabros do EI é espalhar o pânico nas fileiras inimigas e atrair novos psicopatas ou sociopatas voluntários. A matança de crianças pelo grupo já foi bem documentada em relatos de sobreviventes, mas não há muitos registros feitos pelos próprios terroristas desse tipo de maldade. O novo vídeo é uma exceção, e possivelmente tenha sido divulgado à revelia do comando de Relações Públicas, que produz coisas meigas como isto aqui (terroristas distribuindo balas — as de comer, não as de matar — em comemoração à queda do avião russo da MetroJet com 224 civis a bordo, no Sinai).

Talvez os terroristas não mostrem seu lado infanticida com tanto empenho porque a covardia de matar seres humanos menores e mais fracos não ajude muito a vender a imagem de jihadistas corajosos.

Quanto mais relatos e registros feitos por jornalistas como Messinis e Doumany puderem ser feitos sobre o que acontece na guerra da Síria e em suas franjas, mais derrotas o EI sofrerá em seu esforço de propaganda.

Extraído do site da Revista Veja em 09/11/2015

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