Ecumenismo: importância e entraves

Os objetivos deste artigo são dois: fazer alguns apontamentos relevantes ao tema proposto pelo artigo Ecumenismo e Evangelização do historiador reformado Alderi Souza de Matos e levantar uma reflexão sobre a importância do ecumenismo para o mundo atual e os entraves inerentes à própria dinâmica interna do mesmo. Apesar de o ecumenismo também dialogar com outras religiões que é o caso do macroecumenismo ou dialogo inter-religioso, nosso foco será o dialogo ecumênico ou ecumenismo cristão que engloba o dialogo com os três grandes ramos do cristianismo: catolicismo romano, catolicismo ortodoxo e protestantismo. Com maior particularidade abordaremos o dialogo entre católicos e protestantes.

É bom lembrar que nem o termo e nem a proposta são coisas novas, pois do século IV ao século VII o cristianismo produziu diversos e importantes concílios ditos ecumênicos que reuniu bispos de diversas partes do Império e da cristandade.

Uma breve descrição histórica

Apesar de haver no século XIX, na Inglaterra e nos EUA, alguns esforços isolados em direção a uma união de trabalho e uniformidade doutrinária de algumas igrejas evangélicas, a ideia moderna de ecumenismo como a conhecemos hoje, nasce por iniciativa protestante depois da primeira guerra mundial. De 1914 a 1942, surge o “Conselho Nacional de Missões” com a conferência “Fé e Constituição” para tratar de assuntos pertinentes à área teológica e a Conferência “Vida e Ação” com uma proposta mais prática na área social. Em 1937 essas duas entidades juntam-se para criar o Conselho ou Concílio Mundial de Igrejas (CMI), oficializado a partir de 1948. Durante esse tempo a Igreja Católica Romana participava apenas como convidada ouvinte das reuniões. Mas não tardou para que o primeiro diálogo internacional entre católicos e evangélicos iniciasse. Um forte apelo foi feito no Concílio Ecumênico Vaticano II, em seu decreto “Unitatis Redintegratio“.

De 1978 a 1984 houve um esforço mutuo de aproximação para um acordo mais profundo na área missiológica. Esse diálogo internacional foi patrocinado pelo lado católico, a cargo do PCPCU (Concílio Pontifício Para a Unidade Cristã).

É importante que tenhamos em mente que o diálogo ecumênico cristão foi feito apenas com uma pequena parte das igrejas protestantes, mormente de tradição histórica. Em sua relevante maioria, o mundo evangélico continua avesso à ideia de um ecumenismo com a Igreja Católica.

Hoje as entidades que tratam do assunto estão estruturas nos níveis mundial (Conselho Mundial de Igrejas – CMI), Continental (Conselho Latino Americano de Igrejas – CLAI)  nacional (Conselho nacional de Igrejas Cristãs – CONIC) e regional, com várias pequenas entidades locais. Estes esforços conjuntos geraram alguns resultados em prol da causa ecumênica, tais como: a produção de uma Bíblia ecumênica; a criação da semana de oração pela unidade dos cristãos; a modificação de alguns termos no Credo Apostólico, dentre outros.

Ecumenismo e pós-modernidade

O ecumenismo não nasce no vácuo, ele é consequência do espírito da época e parte de uma construção de mentalidade que caracteriza a pós-modernidade.

As perspectivas que advogam a pluralidade e o relativismo tão acentuados em nosso tempo parece ser a ideologia que dá o tom no movimento ecumênico. A ideia de tolerância para com a alteridade direciona a agenda ecumênica ao diálogo inter-religioso (com outras religiões), bem como a uma proposta unificadora no ecumenismo cristão focado nos elementos mais básicos da cristandade. Enquanto o discurso relativista apregoa a ideia de que Deus também se revela fora da religião cristã, relembrando a noção justiniana da “sementes do verbo”, já a ideia de tolerância faz com que o avanço proselitista das outras confissões reajustem seu foco fora do arraial daqueles que fazem parte do esforço ecumênico. Neste caso há uma reterritorialização missiológica.

Obstáculos ao ecumenismo católico-protestante

O ex-papa João Paulo II na Encíclica “Ut Unum Sint” (para que todos sejam um), fazia o seguinte apelo ecumênico: “Se os cristãos, apesar de suas divisões, souberem unir-se cada vez mais em oração comum ao redor de Cristo, crescerá sua consciência de como é reduzido o que os divide em comparação com aquilo que os une.” (UUS, 22)

Todavia, o oposto parece corresponder melhor a verdade dos fatos: católicos e protestantes tem mais motivos para se afastarem do que para se unirem. As diferenças já começam pela identidade teológica de ambas as confissões, dentre elas podemos citar as seguintes: a figura da igreja católica como portadora da salvação, sacramentos salvíficos, a figura de Maria, a compreensão da função dos santos e sua mediação, a tradição rivalizando com a Bíblia como meio de revelação, fé e prática para o cristão, a figura do papa como chefe da cristandade e sucessor do apóstolo Pedro, a missa como repetição do sacrifício de Cristo, a liturgia das imagens religiosas, etc.

Historicamente o catolicismo é bem mais dogmático que o protestantismo. Os documentos produzidos por seus concílios e papas acabam se tornando lei. Do meu ponto de vista, algo extremamente prejudicial para o sucesso do diálogo é manter ainda vigente alguns documentos produzidos por papas anteriores anatematizando os protestantes no tocante ás controvérsias doutrinárias. É interessante observar que nenhum dos anátemas do Concílio de Trento lançado sob os cristãos protestantes foram retirados até hoje. Por exemplo, observe o que declara o cânon de número 4 deste Concílio: “Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei não são necessários para a salvação, mas supérfluos[…], só pela fé os homens alcançam de Deus a graça de justificação…— seja excomungado.”. Isso acerta em cheio o coração da Reforma Protestante – a justificação somente pela fé.

Citarei ainda a Bula “UNAM SANCTAM” do Papa Bonifácio VIII de 18 de novembro de 1302 que trazia os seguintes dizeres: “Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice.”

Ainda o documento Moratlium Animos “Sobre a promoção da verdadeira unidade de Religião”, do Papa PIO XI, que era terminantemente contra o tipo de ecumenismo levado a cabo pelo ecumênico Concílio Vaticano II assevera:

“16. A única maneira de unir todos os cristãos. Assim, Veneráveis Irmãos, é clara a razão pela qual esta Sé Apostólica nunca permitiu aos seus estarem presentes às reuniões de acatólicos por quanto não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira igreja de cristo, dado que outrora, infelizmente, eles se apartaram dela.”

E ainda o cânon 18, intitulado “Apelo às seitas dissidentes” acrescenta: “Aproximem-se, portanto, os filhos dissidentes da Sé Apostólica […], não com o objetivo e a esperança de que “a Igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade” (1 Tim 3,15) renuncie à integridade da fé e tolere os próprios erros deles, mas, pelo contrário, para que se entreguem a seu magistério e regime.”

Considerações

Apesar das boas intenções de paz e tolerância e a despeito da seriedade com que os líderes que estão à frente do diálogo ecumênico tratam a questão, não podemos ignorar que há reais obstáculos a serem enfrentados. Há uma passagem bíblica que diz “andarão dos juntos se não estiverem de acordo?” (Amós 3:3). Será que concessões epidérmicas e cooperação social consegue atingir o cerne da proposta ecumênica da oração de Jesus de ser “um só” (Jo 17:21), quando na verdade aquilo que os separam é muito maior do que aquilo que os unem? É possível existir ecumenismo sem resolver os conflitos teológicos abertos há séculos atrás? Eis o desafio para o diálogo ecumênico e uma reflexão para nossos colegas do fórum debater.

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