Hoje voltei a lembrar-me de um lenço que eu usava nos meus tempos de jovem. Não havia nada de especial naquele lenço. Mas dele tive umas saudades esparsas e quase serôdias. Era um pedaço de pano simples; nem iniciais tinha. O cerzimento? Não podia haver nada mais simples. E a bordadura? Pobre bordadura! Não era digna dessa alcunha. Aquele meu lenço não tinha qualquer ornato. Se o visse hoje, dificilmente poderia reconhecê-lo. Era tão comum, que todos os meus amigos possuíam um igual. Apesar disso, hoje voltei a sentir saudades daquele meu lenço.
Poderá você perguntar-me: o que tinha aquele lenço de tão especial? Eu não o usava para assoar-me nem para polir as lentes dos óculos. Também não me servia dele para engalanar o paletó. Então, qual a sua utilidade? Para falar a verdade, era o lenço que eu usava para a ir à igreja. E sem ele. eu não ia nem para a Escola Dominical nem para o culto à noite. Não dava para sair sem aquele meu lenço.
Amuleto? Certamente não. Era apenas um lenço que, neste instante, evoca-me um tempo longínquo e abençoado, e traz-me à mente uma igreja pequena e acolhedora que ficava na outrora doce e terna São Bernardo do Campo. Recentemente, voltei à minha infância para reencontrar a minha adolescência, e lá estava o lenço de minha juventude. Naquele momento, senti que minhas forças se renovavam. Interessante, tem o passado a inexplicável virtude de revitalizar o presente e de conceber o futuro. E, para isso, não precisa de muito tempo.
Foi exatamente aí, em meio a tantas evocações, que voltei a lembrar-me daquele lenço.
Afinal, o que tinha ele de tão singular? Não devo prolongar o mistério, nem abusar da paciência de meus leitores. Era simplesmente o lenço que eu usava para ir à igreja. Não vá porém imaginar-me um gaúcho com um lenço encarnado ao pescoço, nem um lorde a fazer mesuras com um lenço de selecionada cambraia.
Aquele lenço branco, que eu usava para acenar aos outros jovens, em cada término de confraternização, estava profundamente ligado às minhas mais caras devoções. Sou de um tempo em que os crentes, além da Bíblia e da Harpa Cristã, também levavam um lenço para a igreja. Pois não havia reunião em que não derramássemos copiosas lágrimas. E como era gostoso chorar aos pés de Cristo!
Naqueles idos, não éramos nem conservadores nem liberais. Éramos santos, apesar de nossas imperfeições e falhas. E chorões. Assemelhávamo-nos ao personagem de John Bunyan: rumávamos à Cidade Celeste orando e chorando.
Orando e chorando! Éramos peregrinos… e como chorávamos!
Só que o tempo passou, e o lenço foi esquecido. Aquela simplicidade tão santa, substituímo-la por uma racionalização que por pouco não nos arranca ao cenáculo. Éramos meninos? Acho que sim. Não me envergonho disso. Também não me envergonho daquele lenço que, apesar de suas dimensões, servia-me também de estandarte.
Onde estão os nossos lenços? E as nossas bandeiras, onde estão? Será que não chegou a hora de resgatarmos algumas referências que, num passado não muito distante, nos identificavam de imediato com aqueles rudes galileus? Com aqueles homens que, apesar de não terem prata nem ouro, eram movidos por um poder tão extraordinário que até o inferno faziam estremecer? E aquela divisa que abalou o nosso país de norte a sul: “Jesus Cristo salva, batiza no Espírito Santo, cura as enfermidades, opera maravilhas e, em breve, nos levará para o céu”? Em que limite ficou essa divisa?
Foi num momento de crise e perplexidade que Joel rogou aos seus contemporâneos que se lembrassem de seus lenços: “Chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, entre o pórtico e o altar, e orem”, J1 2.17.
Primeiro amor
Não terá chegado o momento de nos recordarmos dos velhos lenços? Talvez estejam rotos. Ou com alguma inicial apagada. Ou, ainda, amarrotados no baú de nossa mornidão espiritual. Seja como for, urge que os levemos novamente à igreja, e, aqui, qual a Sulamita dos Cantares, voltemos a emocionar-nos com a voz do Noivo.
Você já leu aquele poema de Guimarães Passos, onde relembra ele o lenço da amada? Entre outras coisas, diz o poeta “Esse teu lenço que eu possuo e aperto /De encontro ao peito quando durmo, creio /Que hei de mandar-te um dia”.
E se o bardo já houvera perdido aquele embevecimento? Se não mais se enternecesse ao som da voz de sua musa? Foi o que aconteceu a uma linda e graciosa jovem da Ásia Menor. O tempo passou, e ela já não sentia o coração palpitar pelo esposo. A lua-de-mel acabara. Mas um dia, o esposo, já magoado com aquela indiferença, deixou-lhe um bilhetinho bem no espelho de seu toucador:
“Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra- te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas”, Ap 2.4-5.
Onde estão os nossos lenços? Nalgum canto obscuro de nossa vida cristã? Busque-o imediatamente. E você verá que, em cada lenço esquecido nas fímbrias do segundo amor, há sempre um talento escondido. Mas virá o dia em que o Senhor pedir-nos-á conta do talento que não quisemos negociar, e juntamente com este, seremos constrangidos a apresentar-lhe um lenço seco de lágrimas e áspero pelas emoções que já não sentimos por Aquele que tanto nos ama.
Leve o seu lenço novamente à Casa de Deus.
Chore. É tempo de chorar!
Autor: Claudionor Corrêa de Andrade é pastor, escritor e gerente de Publicações da CPAD.
Fonte: Revista Pentecostes, Ano 1, n.12 – Junho 2000.