É argumentado por algumas religiões pseudocristãs que ingerir certos tipos de carne é cometer pecado. Outras são mais radicais e proíbem qualquer dieta de carne. Entre essas religiões encontramos a Igreja Adventista do Sétimo Dia — Movimento de Reforma. Essa Igreja dividiu-se do primeiro grupo, os Adventistas do Sétimo Dia, na Segunda Guerra Mundial, quando a maioria concordou que seus seguidores poderiam ir para a guerra lutar, até mesmo no sábado. Uma facção achou essa ideia arbitrária. Segundo afirmavam, com a aprovação de seus adeptos lutando na guerra estariam desobedecendo dois mandamentos: “não matarás” (Êx 20.13) e “santificai o sábado” (Êx 20.8). Daí, então, surge a Igreja Adventista — Movimento de Reforma (IAMR), que, a cada dia, se mostra mais fechada e inflexível às mais simples interpretações bíblicas. Desejamos, com este artigo, avaliar, à luz da Bíblia, essa falsa doutrina sobre a carne.
EXISTE UMA RAZÃO ESPIRITUAL PARA QUE NÃO COMAMOS CARNE?
Vejamos o que afirma esse movimento: “E nós, para podermos entrar na pátria celestial, necessitamos de uma preparação maior que a dos judeus [que se alimentavam de carne] para entrarem na Canaã terrestre. Nesta preparação, devemos, portanto, nós os que vivemos no tempo do fim, abster-nos do alimento cámeo com maior razão que eles” (grifo do autor).
Como podemos observar, a indução declarada nesse texto demonstra que se o cristão comer carne ele não entrará “na pátria celestial”. Desse modo, os adeptos do movimento trocam a graça de Cristo por um alimento. Uma das grandes líderes desse grupo religioso, Ellen G. White, afirma: “… Muitos alegam que a carne é essencial; mas é devido a ser o alimento desta espécie estimulante, a deixar o sangue febril e os nervos excitados, que assim se lhes sente a falta. Alguns acham tão difícil deixar de comer carne, como é o ébrio o abandonar a bebida… (grifo do autor).
Mais uma vez a indução, agora de que a carne é “estimulante e deixa o sangue febril e os nervos excitados”. Parece-nos que a Sra. Ellen G White quer insinuar que comer carne é ficar propenso ao pecado. Mas, ironicamente (e sem o objetivo de nos opormos à alimentação por meio de frutas e vegetais), lembramos que o pecado entrou no mundo quando Eva, em desobediência a Deus, comeu do fruto da árvore que não poderia. Sim, uma frota foi usada para seduzir a mulher e colocá-la em “xeque-mate”. A Palavra de Deus diz: “E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela” (Gn 3.6; grifo do autor). Ou seja, o pecado entrou no mundo e, nessa trama diabólica, um fruto foi usado, e o sacrifício de um animal (carne), que tipificava a morte de Cristo, foi a redenção de Adão e Eva.
Outro caso foi o de Jacó, que seduziu seu irmão com uma sopa de lentilhas e o enganou (Gn 25.34). E claro que o diabo pode lançar mão de muitas coisas para seduzir e enganar a humanidade, mas daí afirmar que comer carne é pecado ou que é requisito para entrar na pátria celestial é extrapolar com a exegese3 e mutilar a hermenêutica.
A obra Vida cotidiana nos tempos bíblicos nos mostra como era a alimentação do povo de Deus no passado. Veja seu comentário sobre a alimentação com carnes:
CARNE E ALIMENTOS AFINS
O consumo de carne é mencionado no concerto que Deus fez com Noé: “Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento…” (Gn 9.3). Aqui vale uma observação: isso ocorreu antes da Lei Mosaica.
Embora a dieta normal dos hebreus consistisse em vegetais e frutas, eles comiam carne, especialmente nos banquetes e festas:
- Novilho: quando o filho pródigo voltou ao lar, o pai matou um novilho cevado para festejar (Lc 15.23). Na vida dos hebreus, o novilho era considerado a melhor de todas as carnes e reservado para as ocasiões mais festivas;
- Cabrito ou bode: o irmão mais velho do filho pródigo ficou indignado e disse ao pai: “Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos” (Lc5.29; grifo do autor). O cabrito era a carne mais comum, mais barata, e comida pelos pobres. Era usado nas ofertas sacrificiais (Nm 7.11 -87);
- Ave: algumas eram consideradas impuras para alimento (Dt 14.11-20). Mas a perdiz, a codorniz, o ganso e o pombo podiam ser comidos;
- Peixe: alimento predileto na Palestina, apanhado em grandes quantidades no mar da Galileia e no rio Jordão. Depois de sua ressurreição, Jesus preparou uma refeição matinal de peixe e pão num braseiro junto à praia para alguns dos seus discípulos (Jo 21.9-13). Em outra feita, quando apareceu aos discípulos após a ressurreição, ele pediu-lhes algo para comer. Lucas relata: “Então eles apresentaram-lhe parte de um peixe assado, e um favo de mel; o que ele tomou, e comeu diante deles” (24.42,43). A Lei declarava que todo peixe com barbatanas e escamas era limpo e, portanto, podia ser comido (Dt 14.9,10);
- Ovelha (cordeiro): além de ser usada como alimento, a ovelha tinha outras utilidades. Era um animal importante por sua carne, leite e gordura da cauda que, às vezes, chegava a pesar quase sete quilos. Na celebração da Páscoa, matava-se um cordeiro, que era comido para rememorar o livramento da escravidão do Egito (Ex 12.1-28).
- Gordura: a gordura pura era ofertada a Deus, visto que era considerada a melhor parte ou a parte mais rica de um animal (Lv 3.16). Não podia ser comida em tempos primitivos, mas parece que se ignorava essa lei quan-do os animais eram mortos e usados apenas como alimento (Dt 12.15).
Acrescenta, ainda, o dr. Davis: “O alimento dos hebreus, durante o seu estado de povo nômade, consistia, em grande parte, de pão e de produtos dos rebanhos, tais como: leite, manteiga, carnes (Gn 18.7,8; Jz 5.25) e mel silvestre (Dt 8.8). Depois de seu estabelecimento na Palestina, acrescentaram os produtos das hortas, das vinhas e dos olivedos, como: lentilhas, pepinos, feijões (2Sm 17.28), as romãs, os figos, as uvas etc (Nm 20.5, Dt 8.8). […] e bem assim, peixes, gafanhotos, aves e ovos (Ne 13.16, Mt 4.18). Abraão recebeu os seus inesperados hóspedes, de um modo mais distinto, oferecendo-lhes coalhada e leite, bolos de flor de farinha e um bezerro” (Gn 18.6-8)”.
ARGUMENTOS SOBRE A INGESTÃO DE CARNE
Dizem os Adventistas do Sétimo Dia: “No princípio do mundo não foi assim, por isso devemos ser vegetarianos como foram os nossos primeiros pais”. Este argumento é contrário às Escrituras, que permitem comer carne.
NO ANTIGO TESTAMENTO
“Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento…” (Gn 9.3; grifo do autor); “Fala aos filhos de Israel, dizendo: Estes são os animais, que comereis dentre todos os animais que há sobre a terra…” (Lv 1; grifo do autor); “Porém, conforme a todo o desejo da tua alma, matarás e comerás carne, dentro das tuas portas, segundo a bênção do Senhor teu Deus, que te dá em todas as tuas portas; o imundo e o limpo dela comerá, como do corço e do veado […] Quando o Senhor teu Deus dilatar os teus termos, como te disse, e disseres: Comerei carne; porquanto a tua alma tem desejo de comer carne; conforme a todo o desejo da tua alma, comerás carne” (Dt 12.15,20; grifo do autor). Aqui vale uma observação: neste caso, se fosse preciso, até animais impuros poderiam ser usados como alimento.
NO NOVO TESTAMENTO
Encontramos uma única exceção: não comer carne sacrificada aos ídolos: “Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes” (At 15.29).
Havia também uma advertência aos coríntios quanto ao fato de se comer carne. Eles deveriam ter o cuidado de não levar um irmão mais fraco a supor que a carne que estava comendo era sacrificada aos ídolos (quase toda carne dos mercados de Corinto era oferecida aos ídolos antes do consumo) e, com isso, o mais fraco ficar com a consciência contaminada. Nesse contexto, por causa do fraco, Paulo diz: “Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça” (Rm 14.21).
A preocupação do apóstolo não era proibir a igreja de comer carne, mas de não escandalizar o fraco: “Porque um crê que de tudo se pode comer, e outro, que é fraco, come legumes. O que come não despreze o que não come; e o que não come, não julgue o que come; porque Deus o recebeu por seu” (Rm 14.2,3).
Como podemos ver, a igreja neotestamentária comia carne. O Senhor Jesus também: “Veio o Filho do homem. comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores” (Mt 11.19; Jo 21.13). Por que, então, não podemos comer carne?
A ABSTENÇÃO DE CARNE E A LONGEVIDADE
Os Adventistas do Sétimo Dia tentam argumentar: “Os vegetarianos alcançam, em média, maior longevidade…”. Engano. No Brasil, os gaúchos gozam de maior perspectiva de vida e todos nós sabemos o quanto gostam de carne o pessoal do Sul.9 A dieta do gaúcho, por causa do frio, é à base de carne e nem por isso eles perdem em qualidade de vida.
Todos sabemos que uma dieta balanceada mais uma vida ativa e práticas esportivas, como a caminhada, tomam mais prolongada a vida humana. Biblicamente falando, não encontramos uma promessa como: “Se não comeres carne serás recompensado com a longevidade”. Tal promessa não existe. Quanto à longevidade, a Bíblia afirma o seguinte: “Dar-lhe-ei abundância de dias, e lhe mostrarei a minha salvação” (SI 91.16) e “Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa; para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra” (Ef 6.2,3). Será que a carne é mais poderosa que as promessas de Deus?
MANIPULANDO O TEXTO DE ROMANOS 14
Os adventistas afirmam que: “… nunca foi da vontade de Deus que o homem comesse carne, e, assim, juntamente com o apóstolo Paulo, pode-se dizer: Bom é não comer carne”.
Antes de refutarmos tal afirmativa, vejamos o que dizem os adventistas: “Pela leitura de todo o capítulo 14 de Romanos, vemos que a dúvida que deu motivo a esta explicação por parte do apóstolo não pesava sobre as espécies de carnes — se de porco ou de vaca — mas sobre as carnes limpas oferecidas aos ídolos. Alguns crentes receavam comer carnes de animais limpos, porque sabiam que as carnes eram, muitas vezes, previamente oferecidas aos ídolos. Pensavam que, por isso, eram imundas e que podiam contaminá-los. Por escrúpulo de consciência, preferiam comer legumes. Mas como o ‘ídolo nada é no mundo’ (1 Co 8.4), aquelas carnes não poderiam ser impuras só pelo fato de terem sido sacrificadas aos ídolos”.
Observem como os adventistas manipulam o texto bíblico, pois, ao comentarem contra a ingestão de carne suína, explicam que o texto de Romanos 14 se refere à carne sacrificada aos ídolos e, com até certa propriedade, explicam que comer carne limpa (na opinião deles) não é pecado. Mas, posteriormente, quando fazem uma apologia negativa à ingestão de carne, usam o texto explicado por eles mesmos fora do contexto. É impressionante como são obtusos e sempre chegam à mesma congruência, e só dizem o que lhes interessam. Isso, sim, é pecado — abordar a Bíblia sem senso de justiça só para defender suas convicções religiosas. Dessa forma, o crescimento na graça e no conhecimento se torna um alvo inatingível.
Outra incoerência é que eles afirmam que o problema estava relacionado à carne limpa sacrificada aos ídolos, mas a carne chamada impura pelos judeus é que era mais oferecida aos deuses pagãos. Ou seja, os adventistas estão, inconscientemente, afirmando que os cristãos comiam carne que, para os judeus, era impura.
Certas interpretações dos textos bíblicos são estranhas ao seu contexto literário. Vejamos o que diz todo o texto citado: “Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça” (Rm 14.21). Na versão da Bíblia Fácil — Linguagem de Hoje, esse texto é traduzido da seguinte maneira: “Procuremos sempre realizar ações que nos tragam a paz. E façamos coisas que nos ajudem a ser santos. Não destrua o que Deus edificou, só por questão de alimentos. Na realidade, todas as coisas são puras. [Fazendo bem à saúde, não há alimentos que sejam proibidos]. Erro, porém, é comer, provocando pecados próprios e de outros. Portanto, é bom deixar de lado tudo o que possa causar um mal a seu irmão, ofendendo suas convicções, levando-o a cair em pecado ou enfraquecendo sua religiosidade”.
O CERNE DA QUESTÃO
A problemática da retórica descrita por Paulo em sua homilética diz respeito ao irmão mais fraco, pois ele diz: o débil come legumes” (Rm 14.2; ara); “… e outro, que é fraco, come legumes (Rm 14.2; Ed. Contemporânea). Geralmente, a carne era sacrificada aos ídolos antes de ser ingerida e, conforme o costume das igrejas, os irmãos de Roma e de Corinto estavam comendo carne como a liberdade cristã os permitia. É aí que Paulo mostra que a nossa liberdade não deve ofender a fé alheia: “Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda. Mas, se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não destruas por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu (Rm 14.14,15).
A liberdade, afirma Paulo, deve estar sujeita ao amor. E assim os irmãos, ainda que não fosse pecado comer carne, deveriam sacrificar-se por aqueles que eram fracos e débeis no conhecimento e achavam que a ingestão de carne poderia lhe tirar a comunhão com Deus. O fato é que tal texto não é, de modo nenhum, uma proibição de comer carne, sendo que o próprio apóstolo ainda acrescenta: “Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios; pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizaria a sua própria consciência; proibindo o casamento, e ordenando a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fieis, e para os que conhecem a verdade; a fim de usarem deles com ações de graças; porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada” (1Tm 4.1-5; grifo do autor).
Apesar do nosso compêndio ser teológico, citaremos na próxima edição uma análise de duas nutricionistas que, imparcialmente e sem envolvimento religioso, responderão a algumas indagações maliciosas dos adventistas que, para substanciar suas teorias, torcem fatos e inventam boatos.
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JOÃO FLÁVIO MARTINEZ, REVISTA DEFESA DA FÉ ANO 8 N° 56