Diálogo entre calvinistas e arminianos na história

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Por mais que desde sempre na história do Protestantismo tenha havido arminianos e calvinistas, estes querem, a todo e qualquer custo, serem considerados os únicos verdadeiros protestantes, como se o fato de alguém ser calvinista fosse primordial para alguém ser verdadeiramente cristão. É lógico que nem todos os calvinistas são exclusivistas ou intolerantes, mas muitos querem fazer da sua doutrina aquilo que diferencia uma igreja verdadeira de uma igreja falsa.

Isso é realmente lamentável, mas, como disse Olson, é fato que “alguns calvinistas evangélicos trabalham arduamente para transformar a teologia calvinista como a norma da fé evangélica. Os arminianos são marginalizados, se não excluídos às escondidas”[1]. Os ataques de calvinistas a arminianos, muitas vezes os excluindo e os considerando não-cristãos, têm sido feitos aos montões.

Fred Phelps, o autor da obra “Os Cinco Pontos do Calvinismo”, alegou que, “se você não conhece os cinco pontos do calvinismo, você não conhece o evangelho, mas alguma perversão dele”[2]. Além de chamar o arminianismo de perversão do evangelho, ele também disse que os não-calvinistas estão verdadeiramente nas trevas e na ignorância de toda a verdade divina, não tem nenhuma religião e estão presos nas superstições e nas mentiras religiosas:

“Se você não tem um entendimento e uma compreensão completa dos Cinco Pontos do Calvinismo você está verdadeiramente nas trevas e na ignorância de toda a verdade divina. E, se você não tem uma crença inteligente nos Cinco Pontos do Calvinismo e amor por eles, você não tem nenhuma religião racional, mas está preso na superstição e nas mentiras religiosas”[3]

Este exemplo lindo de tolerância e diálogo tem sido marcante em outros militantes calvinistas. Ben Rose afirmou que os que não são calvinistas não são humildes o suficiente[4]; Robert Godfrey afirmou que “no arminianismo Jesus não é mais o verdadeiro Salvador de Seu povo”[5]; Robert Peterson e Michael Williams chamaram o arminianismo de uma “doutrina idólatra”[6]; Kim Riddlebarger disse que “o arminianismo não é apenas o abandono da ortodoxia histórica, mas também um sério abandono do próprio evangelho”[7].

Michael Horton não fica atrás e diz que “um evangélico não pode ser arminiano mais do que um evangélico pode ser um católico romano”[8]; Sproul exclama que o arminianismo “faz com que a redenção seja uma obra humana”[9] e coloca o arminianismo no mesmo nível do semipelagianismo e do catolicismo romano[10], isso quando não diz que aqueles que negam o determinismo calvinista são ateus[11]! Marcelo Berti disse que não há como ser cristão a não ser que se creia no determinismo divino e na dupla predestinação calvinista[12], e o teólogo e compositor de hinos Augustus Toplady declarou Wesley um não-cristão, por ser arminiano[13].

Tudo isso apenas afasta a possibilidade de diálogo entre arminianos e calvinistas. Embora eu considere o arminianismo a posição bíblica sobre a salvação, de modo nenhum creio que algum calvinista não é cristão por ser calvinista. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito por muitos calvinistas sobre o arminianismo, seja por terem uma visão distorcida sobre o arminianismo clássico ou então por desejarem fazer uma caricatura do arminianismo para torná-lo menos aceitável ao público.

Mas de onde vem essa intolerância? Se analisarmos a história, veremos que ela vem desde muito cedo. Laurence Vance, em seu livro “O Outro Lado do Calvinismo”, nos fala sobre muitos acontecimentos históricos e sobre a forma de perseguição que os arminianos antigos eram submetidos por não concordarem com o calvinismo predominante na época. Ele diz:

“Os Estados da Holanda, em 23 de dezembro de 1610, ordenou que uma ‘conferência amigável’ fosse realizada entre os dois partidos em Haia em março do ano seguinte. Conformemente, em 11 de março de 1611, seis remonstrantes (como os arminianos foram chamados), incluindo Episcopius e Uytenbogaert, se encontraram com seis contra-remonstrantes (como os calvinistas foram chamados), sob a liderança de Petrus Plancius e Festus Hommius (1576-1642). Os remonstrantes pediam tolerância para suas opiniões; os contra-remonstrantes, um sínodo nacional para declararem heréticas as opiniões deles”[14]

Enquanto tudo o que os arminianos queriam era liberdade de opinião para poderem expressar as suas crenças, os calvinistas não estavam abertos ao diálogo. Vance aborda isso nas seguintes palavras:

“Cunningham admite que ‘os teólogos que compunham o Sínodo de Dort geralmente defendiam que o magistrado civil tinha o direito de infligir sofrimentos e penalidades como punição por heresia’ mas que os arminianos defendiam ‘tolerância e indulgência em relação às diferenças de opinião sobre assuntos religiosos’[15]. Assim, embora ambos remonstrantes e contra-remonstrantes aderiam a uma aliança Igreja-Estado, os remonstrantes não procuravam usar o Estado para punir seus oponentes”[16]

No Sínodo de Dort, “havia treze remonstrantes intimados para comparecer ao sínodo, mas eles foram convocados como réus, não tinham assentos como delegados”[17]. Depois de Simão Episcópio esclarecer o parecer arminiano naquele sínodo, os remonstrantes foram expulsos de uma forma totalmente amigável:

“Os delegados estrangeiros são agora da opinião de que vocês são indignos de aparecer diante do Sínodo. Vocês recusaram reconhecê-lo como seu juiz legal e sustentaram que ele é seu partido contrário; vocês fizeram tudo de acordo com seu próprio capricho; vocês desprezaram as decisões do Sínodo e dos Comissários Políticos; vocês recusaram responder; vocês incorretamente interpretaram as acusações. O Sínodo tratou vocês indulgentemente; mas vocês – como um dos delegados estrangeiros expressou – ‘começaram e terminaram com mentiras’. Com este tributo nós deixaremos vocês irem. Deus preservará sua Palavra e abençoará o Sínodo. A fim de que ela não seja mais obstruída, vocês estão despedidos! Estão dispensados, vão embora!”[18]

Depois de serem expulsos de um sínodo onde eram réus, os remonstrantes foram presos em 1618 em outro sínodo, e foram substituídos por calvinistas:

“Em 1618 o caminho foi aberto para um sínodo nacional. Grotius e Oldenbarnevelt foram presos, e os magistrados remonstrantes foram substituídos por patrocinadores dos contra-remonstrantes”[19]

Vance ainda afirma:

“No início de julho, os treze remonstrantes foram convocados diante dos Estados-Gerais e solicitados para retratarem e concordarem em cessar de pregar suas doutrinas, ou serem banidos do país[20]. Mais de duzentos ministros arminianos foram então destituídos de seus púlpitos e muitos destes foram banidos por recusar manter silêncio. Uma severa teocracia calvinista foi então estabelecida na qual somente o calvinismo poderia ser publicamente proclamado[21]. Mas felizmente, foi de curta duração, pois após a morte do príncipe Maurício, em 1625, os remonstrantes conseguiram permissão para retornar sob seu irmão e sucessor, Frederick Henry (1584-1647), e estabelecerem igrejas e escolas por toda Holanda, com certas restrições”[22]

Portanto, a pressão para tornar o calvinismo a única doutrina aceitável no protestantismo não é de hoje, mas remete aos primórdios. Os arminianos eram intimidados quando não obrigados a renegarem suas crenças ou proibidos de ensinarem publicamente e nas escolas. Com a liberdade que temos hoje, essa pressão é menor, se limitando apenas ao psicológico, quando calvinistas pintam o arminianismo como se fosse a maior heresia imaginável e como se o calvinismo fosse a única posição cristã admissível da salvação.

[1] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 319.

[2] Fred Phelps, “The Five Points of Calvinism”. The Berea Baptist Banner, 5 de fevereiro de 1990, p. 21.

[3] Fred Phelps, “The Five Points of Calvinism”, The Berea Baptist Banner, 5 de fevereiro de 1990, p. 26.

[4] ROSE, Ben Lacy. T.U.L.I.P.: The Five Disputed Points of Calvinism, 2a. ed. (Franklin: Providence House Publishers, 1996), p. 19.

[5] GODFREY W. Robert. “Who Was Arminius?”, Modern Reformation, n. 1, 1992, p. 6.

[6] PETERSON, Robert A; WILLIAMS, Michael D. Why I Am Not Arminian. Downers Grove, III.: Intervarsity Press, 2004, p. 39.

[7] RIDDLEBARGER, Kim. “Fire and Water”, Modern Reformation, n. 1, 1992. p. 10.

[8] HORTON, Michael. “Evangelical Arminians”, Modern Reformation, n. 1, 1992. p. 18.

[9] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 102.

[10] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 158.

[11] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 16-17.

[12] BERTI, Marcelo. Teologia Sistemática, p. 50. Disponível em: <http://marceloberti.files.wordpress.com/2010/02/apostila-teologia-sistematica-soteriologia.pdf>

[13] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 104.

[14] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[15] Cunningham, Theology, vol. 2, p. 381.

[16] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[17] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[18] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[19] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

[20] Harrison, Beginnings of Arminianism, p. 385.

[21] Harrison, Beginnings of Arminianism, pp. 386-387.

[22] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.

Extraído do livro “Calvinismo X Arminianismo: quem está com a razão?”, cedido pela comunidade de arminianos do Facebook

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