Por Walson Sales
No capítulo 11 do livro Debating Calvinism: Five Points, Two Views, intitulado Turning the Bible into a Charade, Dave Hunt critica intensamente a perspectiva calvinista sobre o caráter de Deus e a doutrina da predestinação. Esse livro é um diálogo entre Dave Hunt e James White sobre os cinco pontos do calvinismo, onde ambos discutem suas visões conflitantes sobre a eleição, depravação total, e a soberania divina.
Neste capítulo, Hunt expressa a preocupação de que a visão calvinista transforma Deus em um ser insensível e até desonesto, já que a doutrina sugere que Deus faz apelos para que todos se arrependam, embora apenas alguns possam responder a esse chamado. Hunt questiona, com razão, como pode um Deus verdadeiramente justo e sincero chamar ao arrependimento todos os homens, se, na visão calvinista, Ele já escolheu alguns para a salvação e outros para a perdição eterna desde a eternidade passada.
Implicações da Doutrina Calvinista
Hunt sugere que o calvinismo implica que Deus é o autor do pecado, pois tudo, incluindo os atos humanos mais vis, seria preordenado por Deus. Ele critica duramente a visão de que a depravação total significa que o homem é absolutamente incapaz de responder ao evangelho, de tal modo que a graça irresistível precisaria ser imposta. Isso, para Hunt, transforma os homens em marionetes, sem liberdade real para escolher entre o bem e o mal.
Ele também observa que o calvinismo parece contradizer a própria natureza amorosa e santa de Deus, que não pode ser tentado pelo mal (Tiago 1:13) e que abomina o pecado (Habacuque 1:13). Segundo Hunt, a visão calvinista beira a blasfêmia ao atribuir a Deus a responsabilidade pelo pecado humano, pois afirma que os desejos e atos malignos foram pré-ordenados por Deus. Hunt argumenta que isso é incompatível com o caráter justo e santo de Deus, apresentado nas Escrituras.
Análise Textual e Hermenêutica
Para apoiar suas críticas, Hunt examina passagens bíblicas, como 2 Pedro 3:9 e João 3:16, onde Deus expressa seu desejo de que todos se salvem. Ele questiona a interpretação calvinista que limita a palavra “todos” apenas aos eleitos, pois, segundo Hunt, essa interpretação altera o sentido claro do texto bíblico. Em 1 Timóteo 2:4, onde Deus “quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade”, Hunt sustenta que o calvinismo distorce o significado, restringindo o “todos” a “todos os tipos de homens”.
Outro ponto importante que Hunt aborda é a acusação de que o calvinismo transforma a experiência humana e a prática religiosa em uma espécie de “zombaria divina”. A prática de evangelizar e persuadir pessoas a crer, presente em Atos e nas epístolas de Paulo, seria desnecessária, pois, no calvinismo, aqueles predestinados à salvação crerão independentemente de qualquer esforço humano.
Conclusão e Reflexão Crítica
Com base nos pontos levantados, fica evidente que Dave Hunt vê o calvinismo como uma doutrina problemática, especialmente quanto à sinceridade de Deus. Ele sugere que o calvinismo cria uma “charada” onde Deus, ao mesmo tempo, preordena o pecado e exige que o homem se arrependa, sabendo que ele é incapaz de fazê-lo. Isso contradiz a ideia bíblica de um Deus que “ama o mundo” e deseja a salvação de todos.
Hunt defende que, se a doutrina calvinista fosse correta, Deus estaria enganando as pessoas, algo que ele considera inconcebível para um Deus justo e santo. Em sua visão, o calvinismo mina o livre-arbítrio humano, e isso não apenas distorce a imagem de Deus, mas também esvazia o significado do evangelho e da chamada ao arrependimento.
Diante de uma perspectiva crítica como a de Hunt, essa discussão no livro aponta para a necessidade de uma interpretação equilibrada, que reconheça tanto a soberania divina quanto a responsabilidade humana, mantendo a coerência com o caráter de Deus revelado nas Escrituras e respeitando a dignidade e a liberdade humanas.
Embora James White apresente uma abordagem mais organizada e metodológica, Dave Hunt traz à tona reflexões que, na minha análise, desconstroem o sistema calvinista de maneira contundente, deixando questões que White não consegue solucionar satisfatoriamente. A profundidade dos argumentos de Hunt torna sua obra uma leitura indispensável para aqueles que desejam um exame crítico do calvinismo. Espero sinceramente que esse livro possa chegar ao público brasileiro em uma tradução futura, pois seu conteúdo é relevante e necessário para enriquecer o debate teológico em nosso país.
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