As comentadas obturações em ouro parecem ser um fenômeno tipicamente brasileiro. Não há notícia de que tenha acontecido em outros países e, se aconteceu, não foi com a mesma intensidade ou repercussão como no Brasil. Há informações de que tais fatos também ocorram em centros de macumba, mesmo antes de aparecerem em muitas igrejas evangélicas. Em 1° de dezembro de 1992, o jornal Diário da Manhã, de Goiânia, publicou uma carta do pai-de-santo Firmino Salles de Lima, dirigida à redação do jornal, na qual ele relata que o fenômeno dos dentes de ouro apareceu primeiro na vida da mãe-de-santo Guilhermina de Morais da Rocha, em Salvador, Bahia, em 1985. Outros adeptos do culto afro receberam depois a mesma “graça”, atribuindo o milagre aos orixás.
Apesar de a onda dos dentes de ouro já estar passando, o fenômeno causou bastante controvérsia e dividiu a opinião dos crentes no país. Enquanto um líder evangélico anunciava que havia recebido obturações de ouro, outro da mesma denominação alertava o seu rebanho:
– Se alguém aqui receber, avisem-me para eu expulsá-lo da igreja, pois isso é coisa do diabo.
A Igreja Universal do Reino de Deus posicionou-se abertamente contra qualquer possibilidade de alguém receber dentes de ouro.
Acredito que Deus tem poder para dar dentes de ouro a quem ele quiser e não sou eu ou qualquer outra pessoa quem vai impedi-lo. Ele mesmo disse em sua Palavra: “Agindo eu, quem o impedirá?” (Is 43:13). Pode até ser que alguém tenha de fato recebido algo sobrenatural de Deus ou que tenha havido alguma intervenção angelical nesse aspecto. Mas que o assunto gerou polêmica, isso gerou. E não apenas polêmica, mas abusos também.
Pregadores de cura divina começaram a ir para os cultos com lanterna e espelho para examinar os dentes das pessoas nas reuniões noturnas, já induzindo ou sugestionando, assim, o público a receber o tal milagre. Outros orientavam o povo para que colocassem suas mãos em posição de receber, porque, após sua oração, cairia uma chuva de ouro do céu. É o que chamamos de “culto do garimpo”. Já não é mais necessário ir até Serra Pelada garimpar, pois muitos pregadores de cura divina passaram a garantir o ouro em suas reuniões.
Admito ser difícil fazer uma avaliação a contento da situação, e o motivo principal disso é o fato de eu não ser dentista. Este foi o problema também nos círculos onde tais fenômenos foram alardeados. É óbvio que muitos pregadores que anunciaram a ocorrência de tais milagres e as pessoas que disseram ter recebido dentes de ouro não estavam em condições de fazer uma avaliação técnica do fenômeno. Como leigos, não poderiam chegar a conclusões sobre algo relacionado com a odontologia, desprovidos do conhecimento científico necessário para analisar o assunto ou saber se o fenômeno realmente aconteceu.
Observe o comentário do dentista evangélico Osiel Cocareli num artigo publicado na revista Ultimato. Ele e outros colegas de profissão examinaram vários casos dos chamados dentes de ouro e verificaram que a maioria deles não provava que houve um milagre. Apenas um caso não foi esclarecido a contento, pois o elo de ligação entre a pessoa que dizia ter recebido o ouro em seus dentes e o seu dentista mais antigo foi perdido. Em outras palavras, o dentista que poderia ter dado uma palavra final sobre o assunto não foi localizado. Osiel acrescenta: “Todos os casos que nos chegaram às mãos já haviam sido ‘diagnosticados’ por leigos e indevidamente ‘autorizados’ como milagre por pessoas no mínimo desqualificadas tecnicamente para fazê-lo. E quando nos chegam, vêm muitas vezes já sugestionadas, porque alguém lhes garantiu o milagre”. (Revista Ultimato (julho de 1993), p. 29.)
Para que o leitor entenda melhor a importância da verificação objetiva do milagre, tome por exemplo, um paciente de Aids. Às vezes acontece de um aidético ir a um culto, alguém orar por ele, decretar a sua cura e imediatamente anunciar que Jesus já o curou. O lamentável é que, alguns meses depois, a igreja é obrigada a celebrar o seu funeral. Ora, isso não traz glória alguma para Deus.
Como pode um pregador afirmar que alguém foi curado de Aids se ele mesmo não está em condições de fazer a avaliação no momento ou depois da oração? É preciso avaliar toda a documentação e informações recomendadas pela medicina para verificar se o que foi curado realmente era portador do vírus da Aids e não de algum outro vírus (como de hepatite, por exemplo). Depois de constatado que o paciente realmente foi portador do HIV, é preciso fazer e avaliar todos os exames num período de tempo exigido pela medicina para constatar que a pessoa ficou completamente livre do vírus. Aí, sim, pode-se anunciar a cura e certamente o nome do Senhor será grandemente glorificado. Cabem aqui as palavras do Senhor Jesus: “…sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mt 10:16).
Com o arrefecimento da onda dos dentes de ouro, só Deus sabe o que vai aparecer ainda em alguns segmentos evangélicos, ávidos por novidades e incapazes de se contentar apenas com a Palavra de Deus. Que Deus nos guarde!
Extraído do livro “Evangélicos em Crise”, Pr. Paulo Romeiro.