Há tempos em que o pensamento se descobre viajando ao passado mais distante, para vasculhar as estantes do subconsciente e trazer à memória situações que jamais deveriam ser lembradas.
Nessas ocasiões, os traumas do passado afloram com toda a sua carga emocional, e sucumbem de tal maneira o indivíduo, que este se vê num “beco sem saída”, se não houver tratamento espiritual e psicológico adequado.
Há alguns sérios motivos para que eu me veja ocupado com estas questões no apagar das luzes de 1997.
Inicialmente, preocupa-me o fato de a igreja estar lidando prioritariamente com as massas, em reuniões públicas amplas e generalizadas, esquecendo-se de tratar da pessoa em sua individualidade. As grandes realizações têm o seu lugar na vida eclesiástica, porém jamais tocam de forma profunda e terapêutica nas chamadas “feridas da alma”.
Muitas feridas continuam sangrando, porque a pessoa
não soube perdoar o próximo que lhe ofendeu,
e também não se mostrou capaz de receber o perdão
O máximo que conseguem, dependendo das circunstâncias, é sinalizar em alguma direção, sem contudo ir fundo nos conflitos individuais. Sem menosprezar a responsabilidade de lançar o pão às multidões famintas, é inimaginável a igreja dar-se ao luxo de considerar este o seu único trabalho. Tal perspectiva poderá produzir números expressivos, mas pouca qualidade de vida e, com certeza, muito nominalismo. Se ela busca resultados permanentes que envolvam a plenitude do indivíduo – espírito, alma e corpo -, terá de equipar-se para tratá-lo de per si em sua ambígua dimensão humana.
Outra razão que me motiva é saber que disponho de um meio – a página impressa – ao alcance de leitores que poderão estar experimentando algum tipo de crise como as descritas há pouco. Acredito poder ajudá-los a partir da minha experiência. Não sendo infalível, lido diariamente com as mesmas questões cruciais do cotidiano, e me vejo, eventualmente, apanhado pelos traumas do passado que geram conflitos e querem perpetuar em minha mente algum complexo de culpa.
Assim pensando, pousei meus olhos em Filipenses 3.13-14, onde Paulo deu uma lição de vida quanto à sua visão sobre as coisas de outrora, ao modo como encarava o presente e a expectativa que nutria em relação ao futuro. Por incrível que pareça, descobri que a psicanálise em nada inovou ao perceber a influência negativa que os fatos mal resolvidos do passado podem exercer sobre a existência de qualquer um.
Quando o psicanalista conduz o paciente a um processo de anamnese, ele nada mais faz do que repetir, na prática científica, o conceito enunciado pelo apóstolo e registrado nas Escrituras sob a inspiração do Espírito Santo. Apenas busca trazer à tona os traumas reprimidos e não tratados de forma correta, para que estes, pelo processo de catarse, exerçam poder terapêutico de cura interior e sejam então definitivamente esquecidos em sua verdadeira dimensão: coisas do passado.
O que o apóstolo propõe, todavia, vai um pouco mais além. Para se esquecer das coisas que para trás ficam, na expressão paulina, há necessidade de se ter uma atitude positiva no presente, ao lidar com os problemas cotidianos. Isto implica resolvê-los agora, em toda a sua complexidade física, emocional e espiritual, a fim de que, ao se tornar história, não interfiram no futuro, mas permaneçam no lugar de onde jamais deveriam sair: o passado. A proposta de Paulo tem suas razões.
Quando o indivíduo prefere reprimir os problemas e não tratá-los agora, ele sempre viverá voltado para o passado. Este é o primeiro efeito. Ao invés de ocupar-se do presente, e prosseguir em busca dos objetivos estabelecidos, estará às voltas com dramas de consciência, complexos de culpa, recalques, ressentimentos, fobias e outras neuroses resultantes de situações mal resolvidas, que o impedirão de dedicar-se integralmente aos seus projetos pessoais.
Horas que poderiam ser empregadas em algum trabalho produtivo serão gastas em complexas e conflitantes divagações mórbidas, sem sentido, repisando velhas amarguras que trarão ainda maior sofrimento ao coração já despedaçado. Daí para transformar-se em psicose é apenas um passo. Nesse estágio é muito fácil transpor a linha tênue entre a normalidade e a anormalidade.
Perde-se também o presente, porque este comportamento obriga a uma parada, às vezes demorada, com o propósito de sarar feridas mal curadas. O melhor é não chegar a este ponto. No entanto, nunca é tarde para permitir que traumas reprimidos venham à tona, sejam removidos e se criem condições para um novo estilo de vida a partir de então.
Outro efeito é a falta deperspectiva para o futuro. Os traumas, neste caso, inibem o interesse pelo dia de amanhã. A mente do indivíduo é frequentemente assaltada pela ideia de que as más experiências se repetirão e ele se vê impotente para enfrentá-las. Com o raciocínio confuso, hesita em tomar atitudes, não discerne o rumo a seguir, e a sua fisionomia é a imagem da derrota, pois o passado está a espreitá-lo em cada esquina.
Consequentemente, a tendência é entregar-se à prostração e deixar de nutrir-se do ideal que supera os óbices, tem olhos voltados para o horizonte e se realiza na expectativa de viver intensamente cada etapa até alcançar o alvo. Cada novo dia torna-se um fardo pesado, e não uma fonte de renovação das esperanças. É um salto no precipício.
O apego aos traumas do passado, em se tratando do cristão, resulta também da falta de conhecimento sobre o perdão. Muitas feridas continuam sangrando porque a pessoa não soube perdoar o próximo que lhe ofendeu – marido, mulher, pais, filhos, amigos – como também não se mostrou capaz de receber o perdão.
Ainda que custe alguma dor temporária,
é preciso ir fundo nas causas para que
o mal seja removido pela raiz
É bom mencionar, inclusive, que 80% das doenças físicas são de origem psicossomática, ou seja, têm raízes em problemas emocionais causados, na maioria das vezes, por amarguras renitentes surgidas da falta do exercício desta virtude.
Em outras situações, o problema persiste e aprofunda de tal modo o complexo de culpa, por faltar a compreensão sobre o alcance do perdão divino. O indivíduo se mostra acuado pelas acusações sistemáticas de Satanás, cujo intento é desmoralizá-lo, bem como suas convicções espirituais.
É óbvio que o pecado ultraja a santidade de Deus. A recomendação bíblica, portanto, é não pecar mesmo. Não há meio termo. Porém, como o ser humano está sujeito à influência da natureza humana pecaminosa, existe a possibilidade de tropeço. Tanto é que as Escrituras afirmam: “Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo” (IJo 2.1).
É aí que o diabo entra com a sua estratégia. Ele procura incutir na mente já maltratada, através de meias verdades, a falsa ideia de que não mais resta nenhuma possibilidade de perdão. E a pessoa acaba por entregar-se ao sentimento de fracasso.
O problema está detectado. Todos quantos desejam viver em triunfo precisam tomar algumas medidas profiláticas para inibir a ação devastadora das memórias traumáticas.
Caso você esteja sendo torturado por traumas que não se afastam de sua mente, por terem sido mal resolvidos no passado, procure aconselhamento cristão, através de pessoas de reconhecida experiência e reputação, de preferência com formação na área da psicologia, para que receba a ajuda necessária neste momento de crise. Esconder os problemas só vai agravá-los ainda mais. O processo de cura interior passa pelo reconhecimento das feridas não saradas. Aquilo que a Bíblia chama de confissão, a psicologia identifica como anamnese. Tem que espremer o furúnculo.
Por outro lado, não permita que as situações negativas do presente resvalem para o passado sem que tenham sido plenamente resolvidas. Ainda que custe alguma dor temporária, é preciso ir fundo nas causas para que o mal seja removido pela raiz. Não deixe que alguma dúvida paire no ar. É melhor tratar do problema agora do que transformá-lo em pesadelo a martelar sua consciência pelo resto da vida. A partir disso, deixe o passado ser passado. Mantenha-o no lugar em que deve estar e esqueça-o, como ensinou o apóstolo.
Saiba perdoar e ser perdoado. Este é o melhor remédio para curar ressentimentos e evitar que as raízes da amargura encontrem solo fértil em seu coração, e acabem redundando em doenças físicas graves. Arrependa-se, mude o curso de sua vida e aceite também, pela fé, o perdão incondicional de Deus, quando alguma falta que ultraje a sua santidade for cometida. É bíblico: ele perdoa todas as suas iniquidades.
Finalmente, prossiga para o alvo, retendo as lições de vida do presente para que sejam corretamente aplicadas em outras circunstâncias semelhantes no futuro. Lembre-se: os melhores dias de sua vida ainda estão pela frente, pois o prêmio pelo esforço de cada um só será alcançado no final da maratona.
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Pr. Couto, Assembleia de Deus de Teresópolis/RJ
Publicado na revista Seara em dezembro de 1997.