Decálogo, Lei Superior?

O termo “decálogo”, deriva do grego dekalogos, que aparece, pela primeira vez, em lreneu e Clemente de Alexandria. Na realidade, a origem dessa designação encontra-se em Ex 34.28; Dt 4.13 e 10.4, que falam das “Dez Palavras” (áserét haddeba rim, em hebraico), que a versão grega dos Setenta traduziu por tous deka Iogous (Ex 34.28; Dt 10.4) e ta deka rhemata (Dt 4.13). Segundo lrineu, Clemente e a tradição cristã posterior, essas expressões designam o decálogo de Ex 20.2-17 e Dt 5.6-21.

Sua importância para os adventistas 

“A Lei Moral, os Dez Mandamentos, chamamos de Lei de Deus. Esta lei vem da eternidade. Os princípios desta lei são a base do governo de Deus. São imutáveis como o trono de Jeová. A lei é por natureza indestrutível, adaptando-se ao governo de seres morais livres em todos os séculos, em todo o Universo de Deus. Nem um mandamento pode ser tirado do Decálogo. Permanece, todo ele, irrevogado, e assim permanecerá para sempre. Esta lei não pode ser ab-rogada, nem por homens da terra, nem por seres do Céu. Nem mesmo o. Seu autor – com reverência o dizemos – a pode ab-rogar, a menos que mude Sua natureza, e a forma de Seu governo. Disse Jesus: “É mais fácil passarem o Céu e a Terra do que cair um til da lei” (Luc. 16:17). Portanto, esta lei permanece para sempre. Pelo menos enquanto durar Céu e Terra.” (‘Assim Diz o Senhor’ pág, 79 – Lourenço Gonzalez – ed. ADOS)

Certo adventista defendendo o decálogo escreveu-nos nos seguintes termos:

“Mas, pode argumentar o quanto quiser, uma coisa ainda as diferencia: uma delas (o decálogo) foi escrita pelo dedo de Deus em tábuas de pedra. A outra pela mão de Moisés em rolos de papiro. A pedra representa perpetuidade, e foi a lei básica dada por Deus com os princípios morais que fundamentam o Seu governo universal, tanto que também foi guardada dentro da arca (outra diferença significativa).”

E ainda:

“escrita com o dedo de Deus em tábuas de pedra, e as outras partes da legislação do velho concerto (os preceitos cerimoniais, civis, etc.) que NÃO FORAM PROCLAMADAS SOLENEMENTE NEM REGISTRADAS EM TÁBUAS DE PEDRA! O fato de que no final todas as disposições legais, de caráter moral, cerimonial, civil, foram escritas num livro não desfaz diferença alguma. Notem bem: Persiste o fato de que o Decálogo foi solenemente proclamado e registrado pelo dedo de Deus em tábuas de pedra (ver ainda Êxo. 32:15 e 16). Os demais mandamentos não o foram. Então, como diz aquela piadinha clássica: há uma diferença-e que diferença!” (Azenilto G. Brito)

O autor destes disparates acima em sua tentativa de salvaguarda do sábado judaico empenhou-se desesperadamente de unhas e dentes a fim de “provar” ser o decálogo, in totun, vigente hoje em dia para os cristãos, querendo assim, jogar-nos novamente debaixo da lei mosaica. Contudo, ledo engano!

Eis aqui resumidamente suas alegações para justificar a superioridade do decálogo em detrimento a da chamada lei “cerimonial” contida no livro:

1.Os Dez Mandamentos foram postos dentro da arca enquanto o livro ao lado da arca;

2.Os Dez Mandamentos foram escritos em duas Tábuas de Pedras enquanto o livro foi em papiro;

3.Os Dez mandamentos foram ditos por Deus enquanto os mandamentos do livro foram ditos por Moisés;

4.Os Dez Mandamentos foram escritos pelo dedo de Deus enquanto o livro pela pena de Moisés;

São basicamente estes 4 pontos levantados por nosso amigo e de resto por todos os adventistas de plantão que pretendem dar uma conotação positiva ao decálogo em detrimento às demais leis. Seria estes argumentos irrespondíveis como alegam os adventistas? Claro que não! Se levarmos a sério uma pesquisa desapaixonada da Bíblia destituída de todo preconceito religioso veremos que não passam de engenhosas falácias.

Daremos então respostas sensatas a estes 4 argumentos logo abaixo:

1. Os Dez Mandamentos foram postos dentro da arca enquanto o livro ao lado da arca;

Quanto a pergunta nº1, deve-se levar em conta que os Dez Mandamentos ou as “dez palavras” como aparece no original hebraico, não foram postos dentro da arca por serem superiores aos demais, antes para servirem de testemunho visível do concerto que Deus fez com Israel.
De acordo com o costume daquela época, por vezes, qualquer contrato solene ou aliança era firmado selecionando algum objeto como “testemunha” ou “testemunho” daquele acordo. Foi assim que Jacó ergueu um pilar como uma testemunha de seu voto para com o Deus de seus pais (Gênesis 28.18). Mais tarde este mesmo Jacó fez com Labão uma aliança e ergueram um montão de pedras como testemunha disto (Gênesis 31:48). Abraão reservou sete cordeiros como ” uma testemunha ” da aliança dele com Abimeleque (Gênesis 21:27-30).

De modo análogo quando então a Aliança ou o Concerto foi firmado entre Deus e Israel no Sinai, Deus lhes deu as tábuas de pedras para servir como uma testemunha ou ” testemunho ” daquele acordo. Estas tábuas de pedra que continham alguns dos preceitos principais da lei, serviria sempre como ” testemunha ” da Aliança que Israel tinha feito para guardar aquela lei. Evidentemente esta é a razão porque o decálogo foi designado como tal, e não porque era uma lei superior as demais em si mesma. Mesmo porque não tinha sentido Deus escrever todas as leis naquelas duas pequeninas tábuas. Por isso as tábuas de pedras eram chamadas de:

• “Tábuas do testemunho”(Êx.31:18).

• A arca na qual foram postas as pedras é chamada de “arca do testemunho” (Êx.40:5).

• O Tabernáculo onde a arca foi posta é chamado de “tabernáculo do testemunho” (Êx.38:21).

Ademais, um eminente arqueólogo cristão joga mais luz nesta questão ao dizer com muita propriedade: “A arqueologia também nos ajuda a entender a razão para as tábuas terem sido depositadas dentro da arca. Nas culturas do Oriente Próximo, nos tempos de Moisés, era costume pôr documentos legais e acordos entre reinos rivais “aos pés” do deus que cultuavam, no seu santuário. Este deus agia como o guardião dos tratados e supervisionava sua implementação. Registros egípcios fornecem exemplos disso num pacto feito entre Ramsés II E Hatusílis III. O acordo foi fechado ao depositar uma cópia do tratado aos pés de Teshup, o deus do rei hitita, e de Rá, o deus do Faraó. As tábuas da Lei colocadas dentro da arca estavam igualmente “aos pés de Deus”, porque a arca era o escabelo de seus pés.” (“Pedras que Clamam” editora CPAD, 1997 – Dr. J. Randall Price, pág.184).

Pois bem, aí está, o ato de colocar as tábuas dentro da arca não era algo sui generis, mas um costume tirado das civilizações antigas e/ou contemporâneas de Israel. Não podemos ver neste ato de depositar algo dentro da arca nada de extraordinário. Ainda o fato de o livro ter sido posto fora ou dentro da arca, é questão que divide estudiosos judeus. Seja como for, a permanência do livro fora da arca pode ser explicado da seguinte maneira: o fato de uma cópia destes tratados serem postos fora, como uma testemunha, como indica a historia dos povos antigos, talvez tenha influenciado as dimensões da arca pois diz Moisés que elas cabiam cada uma em suas mãos:

“Então me virei, e desci do monte, o qual ardia em fogo; e as duas tábuas do pacto estavam nas minhas duas mãos.” Deuteronômio 9.15. As dimensões da arca eram diminutas.

Leve-se em conta ainda o fato de que não foram somente as duas Tábuas do Concerto que foram depositadas dentro da arca, é sabido que esta dividiu o espaço milimétrico da arca com mais dois objetos: o maná e a vara de Arão. Se os adventistas dão tanta importância ao ato de colocar “dentro da arca” as Tábuas de Pedras, deveriam, do mesmo modo, dar importância aos outros objetos posto lá também. Se seguirmos a mesma linha de pensamento esposada pelos adventistas de que os Dez Mandamentos eram superiores aos do livro pelo simples fato de ter sido colocado dentro da arca, então teríamos de admitir para sermos coerentes, que também o ato de colocar o Maná e a Vara dentro desta mesma arca era prova incontestável de que eram superiores aos demais milagres realizados por Deus em prol de Israel. Por exemplo: Seria o milagre da divisão do mar vermelho inferior ao do Maná só pelo fato de que nenhum pingo d’agua deste mar foi posto dentro da arca? Seria o milagre da “água que saiu da rocha” inferior ao da vara de Arão? Creio que não precisamos estender-nos em exemplos mais para concluirmos que o fato de algo ser colocado dentro da arca não conferi superioridade alguma a este objeto. Somente pessoas que já trazem um comportamento religioso preconceituoso é que não admitiram a força das evidências expostas acima.

2. Os Dez Mandamentos foram escritos em duas Tábuas de Pedras enquanto o livro foi em papiro

Para respondermos a segunda indagação é preciso levar em conta o contexto cultural onde ocorreu o fato. Gostem ou não, os adventistas terão que encarar o fato de que escrever leis em pedras não era algo novo naquela época como veremos a seguir:

A Aliança que Deus fez com Israel no Sinai refletia no fundo e na forma os tratados de suserania Hitita. M.G. Kline em sua obra Treaty and Covenant, mostra que o tratado de suserania encontrado no antigo Oriente Próximo é a chave para a compreensão da forma de aliança de Deus com o antigo Israel. Ele e muitos outros estudiosos sugerem ainda que os Dez Mandamentos, o livro da lei e textos como Josué 24, estão todos baseados em um modelo de aliança encontrado nas antigas civilizações que contém:

1. Um preâmbulo no qual o suserano (o autor) é identificado (conf. Êxodo 20.2);

2. Um prólogo histórico que descreve a relação anterior entre as partes (conf. Êxodo 19);

3. Estipulações básicas e detalhadas; as condições e as exigências do suserano (conf. capítulo 21 em diante);

4. Depósito de uma cópia do pacto no santuário do vassalo (conf. Êxodo 40.21);

5. Leitura pública periódica dos termos do pacto diante do povo (conf. Deuteronômio 30.9-13);

6. Juramento de lealdade acompanhado de maldições e bênçãos invocadas sobre o vassalo, isto é, a ratificação da aliança (conf. Deuteronômio nos capítulos 27 e 28.)

7. Testemunhas e direcionamento para que se cumpra o acordo (conf.Deuteronômio 4.26, 31.26, Josué 24.22).

Diz ainda algumas autoridades que “Quase todos os tratados dos séculos 14 e 13 a.C., de que se tem notícia seguiam esse padrão bem de perto.” (Mcdowell). Outro erudito completa: “É perfeitamente possível que aquele marcado caráter de estatuto de aliança tenha sido impresso no decálogo…sob inspiração daqueles tratados.” (Deissler).

“Todo este procedimento pactual provê o contexto cultural em que o relacionamento de Deus com seu povo é formulado” (Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento).

É notadamente marcante o exemplo histórico que temos quanto a isto. Escavações arqueológicas tem demonstrado que o Código de Hamurabi escrito na época de Abraão seguia bem de perto esta forma. Este código foi escrito em uma pedra negra com cerca de 2,40 m, e contêm 82 seções sobre diversas leis. Muitas leis contidas nesta pedra revelam inúmeras similaridades com as leis do Pentateuco, quanto a castigo de crimes, imposição de multas contra delitos leves e quebras de contratos. No extremo superior desta pedra há um baixo relevo que mostra Shamash, o deus sol, no ato de dar as leis ao rei Hamurabi. Também os tabletes de Ras Shamra que datam cerca de 1400 a.C. registram várias leis similares às do livro do levítico como ofertas queimadas, os holocaustos, as ofertas de culpa e as ofertas pacíficas (Mcdowell).

Como vimos, não há nada que indique a fantasiosa e ingênua diferença erigida pelos adventistas ao dizer que os dez mandamentos eram superiores simplesmente porque Deus os escreveu em pedras. Fica provado que a forma do pacto Israelita era baseado nos pactos das civilizações do antigo Oriente. Não cabe aqui descrever todos os documentos antigos escritos em pedras encontrados pela arqueologia (como por exemplo a “Pedra Roseta”) que depõe gritantemente a favor do fato de que escrever os Dez mandamentos em pedras, não passava de um costume da época. Por fim concluímos que:

1. Era costume dos povos antigos alegarem que recebiam as leis das mãos do seu deus (exemplo de Hamurabi);

2. Era costume dos povos da época gravar estas leis em pedras;

3. Todas essas leis de certa maneira, em seus múltiplos aspectos, qual seja, cerimonial, moral e civil estava contida no código dessas civilizações.

3. Os Dez mandamentos foram ditos por Deus enquanto os mandamentos do livro foram ditos por Moisés.

Quanto ao terceiro argumento, iremos demonstrar de modo sobejo que as alegações adventistas não passam de má interpretação do texto.

Urgi relembrar que um dos motivos de Deus escrever o decálogo é porque o povo ficou com medo e não quiseram ouvir a voz de Deus, pois que era terrível:

“Ora, todo o povo presenciava os trovões, e os relâmpagos, e o sonido da buzina, e o monte a fumegar; e o povo, vendo isso, estremeceu e pôs-se de longe. E disseram a Moisés: Fala-nos tu mesmo, e ouviremos; mas não fale Deus conosco, para que não morramos ” (Êxodo 20:17-19).

Pediram que Moises falasse por Deus, então Moisés escreveu tudo em um livro (24:3,4,7), mas as tábuas e o livro formavam um só concerto e uma só lei. É digno de nota também o fato de que todas as leis foram ditas por Deus e não apenas as Dez Palavras do Concerto. As Dez Palavras foram escritas por Moises no livro da lei, junto com os outros preceitos (conf. Êxodo 20 e Deuteronômio 5). Eles foram incluídos no livro da Aliança que foi borrifada com sangue, o qual o apóstolo Paulo diz que “foi cravado na cruz” e “abolido”. Deus então passou a falar os Dez Mandamentos a Moises:

“Face a face falou o Senhor conosco no monte, do meio o fogo (estava eu nesse tempo entre o Senhor e vós, para vos anunciar a palavra do Senhor; porque tivestes medo por causa do fogo, e não subistes ao monte) , dizendo ele:” Deuteronômio 5.4-5.

“Chega-te tu, e ouve tudo o que o Senhor nosso Deus falar; e tu nos dirás tudo o que ele te disser; assim o ouviremos e o cumpriremos” Deuteronômio 5.27

Moisés tanto falou os Dez Mandamentos para o Povo como as outras leis. Similarmente Deus falou não só os Dez mandamentos, mas também toda a lei. Fica assim desfeita toda e qualquer insinuação de superioridade dos Dez Mandamentos sobre os demais na base de que Deus falou os Dez Mandamentos e Moisés falou o resto da Lei. Vimos que tanto Deus como Moisés falou os Dez mandamentos e toda a lei. Não há superioridade alguma de um sobre o outro.

4. Chegamos enfim ao último argumento levantado pelos adventistas, qual seja, o episódio do dedo de Deus.

É interessante notar que as primeiras tábuas foram escritas por Deus, mas as segundas por Moisés, pelo menos é o que diz o texto de Êxodo 31.27-28. Para entendermos este episódio é preciso saber que Moisés quebrou as duas tábuas originais que foram dadas por Deus:

“acendeu-se-lhe a ira, e ele arremessou das mãos as tábuas, e as despedaçou ao pé do monte.” Êxodo 32.19

“Peguei então das duas tábuas e, arrojando-as das minhas mãos, quebrei-as diante dos vossos olhos.” Deuteronômio 9.17

Deus então mandou confeccionar outras duas (Deuteronômio 10.1), mas agora escritas por Moisés: “Disse mais o Senhor a Moisés: Escreve estas palavras; porque conforme o teor destas palavras tenho feito pacto contigo e com Israel. E Moisés esteve ali com o Senhor quarenta dias e quarenta noites; não comeu pão, nem bebeu água, e escreveu nas tábuas as palavras do pacto, os dez mandamentos.” Êxodo 34.27-28

Alguns tentam contestar esse fato dizendo que em outras partes subentende que o autor da segunda escrita foi Deus.

“Então disse o Senhor a Moisés: Lavra duas tábuas de pedra, como as primeiras; e eu escreverei nelas as palavras que estavam nas primeiras tábuas, que tu quebraste.” Êxodo 34.1.

Partindo da premissa de que a Bíblia não se contradiz, é obvio que há uma explicação sensata para esta suposta discrepância do texto em lide.

Se não levarmos em conta a mentalidade judaica nesta questão esses textos bíblicos permanecerão obscuros. No conceito religioso hebreu Deus era soberano, tudo vinha Dele, para Ele e por Ele. No contexto cultural judaico até mesmo o bem e o mal provinham de Deus. Um estudo mais perspicaz prova no entanto que muitas coisas que eram atribuídas a Deus de fato eram feitas por terceiros. Á luz de alguns exemplos tirados do AT fica fácil demonstrar isso:

Compare Por Exemplo II Samuel 24.1 com I Crônicas 21.1,

“Então Satanás se levantou contra Israel, e incitou Davi a numerar Israel.”

“A ira do Senhor tornou a acender-se contra Israel, e o Senhor incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, numera a Israel e a Judá.”

Percebeu? Quem fez isso foi Satanás, mas entretanto, a ação foi atribuída a Deus pelos escritores judeus. Contradição? Não…

Outro exemplo tirado do AT é o livro de Jó, compare Jó 1: 12 com a declaração de Jó no verso 21, e ainda Jó 2.5-7 com Jó 19.21.

Este texto dispensa qualquer esmero exegético, não precisa ser teólogo para perceber que quem tirou todos os bens de Jó foi Satanás, e não Deus, mas como a mentalidade judaica atribuía todos os feitos a Deus, Jó entendia que era o Senhor que estava tirando-lhe tudo. Da mesma maneira quem tocou em Jó foi Satanás e não Deus. No entanto, Jó atribui a Deus a sua condição enferma, veja abaixo.

“O Senhor deu, e o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21).

“Compadecei-vos de mim, amigos meus; compadecei-vos de mim; pois a mão de Deus me tocou” (Jó 19.21).

Obs: muitos estudiosos atribuem o livro de Jó a Moisés; possivelmente escrito no deserto.

Um exemplo interessante em tudo isso tem a ver com a própria promulgação da lei e sua entrega. Moisés registra que quem deu a Lei ao povo foi Deus, no entanto, o apóstolo Paulo registra que essa Lei foi dado por anjos At. 7:38,53, Gl. 3:19 e Hebreus 2.2, veja:

“Depois disse o Senhor a Moisés: Sobe a mim ao monte, e espera ali; e dar-te-ei tábuas de pedra, e a lei, e os mandamentos que tenho escrito, para lhos ensinares.” Êxodo 24.12

“Este é o Moisés que disse aos filhos de Israel: Deus vos suscitará dentre vossos irmãos um profeta como eu. Este é o que esteve na congregação no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai, e com nossos pais, o qual recebeu palavras de vida para vo-las dar”

“Logo, para que é a lei? Foi acrescentada por causa das transgressões, até que viesse o descendente a quem a promessa tinha sido feita; e foi ordenada por meio de anjos, pela mão de um mediador.”

“Pois se a palavra falada pelos anjos permaneceu firme, e toda transgressão e desobediência recebeu justa retribuição”

Diante destes exemplos fica fácil agora entender que a escrita da segunda tábua foi atribuída a Deus, mas escrita por Moisés. Até mesmo hoje nós usamos este tipo de linguagem. Todos sabem que em época de eleições aparece uma enxurrada de obras sociais como não se via nos primeiros anos de mandato do candidato. Então, frases tais como “O governo construiu 1500 casas para os desabrigados” ou “O candidato tal construiu a ponte que liga a fronteira entre os dois estados” e coisas deste naipe vira uma verdadeira poluição visual em nossa TV. Ninguém em sã consciência ouvindo frases como essas deduziria que o governo literalmente construiu aquelas casas não é verdade? Quem as construiu foram os pedreiros, mestres de obras e serventes, mas a obra é atribuída a alguém superior, neste caso, o governo estadual.

Tomemos mais dois exemplos bíblicos para fechar de vez esse pensamento acima. Veja o verso bíblico logo abaixo:

“Quando, pois, o Senhor soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele, Jesus, fazia e batizava mais discípulos do que João” (João 4.1)

Quem lesse esse verso inadvertidamente afirmaria categoricamente que Jesus realmente batizava as pessoas.Mas para que isso não causasse confusão em seus leitores, João então passa a explicar o significado do texto que à primeira vista indicava que Jesus pessoalmente batizava seus discípulos. Observe:

“ainda que Jesus mesmo não batizava, mas os seus discípulos” (v.2)

João, prevendo que muitos poderiam interpretar mal suas palavras, explica logo em seguida o que ele realmente queria dizer.

Veja que este tipo de linguagem se encontra por toda a Bíblia. E o episódio da segunda escrita nas tábuas não foge à regra. Caso contrário os adventistas terão as seguintes opções a escolher:

1. Foi erro de um copista desatento ao transcrever o manuscrito;

2. Moisés realmente se contradisse, ou então;

3. Terão de aceitar nossa explicação dada acima.

Um outro pormenor que reforça nossa tese e ajuda a explicar mais ainda a diferença entre as duas tábuas, é o fato de que quando se fala sobre a primeira, diz claramente que era obra de Deus.

“aquelas tábuas eram obra de Deus; também a escritura era a mesma escritura de Deus, esculpida nas tábuas.” Êxodo 32.16

“Depois disse o Senhor a Moisés: Sobe a mim ao monte, e espera ali; e dar-te-ei tábuas de pedra…”

Deste dois versos podemos deduzir o seguinte:

• As primeiras tábuas eram previamente preparadas por Deus, Ele mesmo as confeccionou, Moisés ainda acentua que eram obras de Deus.

• Mas sobre as segundas tábuas, nada é dito que foram previamente confeccionadas por Deus, pelo contrário, Deus desta vez mandou o próprio Moisés as lavrar.

“Naquele mesmo tempo me disse o Senhor: Alisa duas tábuas de pedra, como as primeiras, e sobe a mim ao monte, e faze uma arca de madeira.”

Nas segundas tábuas não só a escrita mas o próprio ato de confeccioná-las foi feito por Moisés e não por Deus. E desta nada é dito de que eram obras de Deus.

Junta-se a isto um fato deveras curioso de que nas segundas tábuas em Ex. 34.10-26, não são mais repetidas as dez palavras, ao invés disso, aparece um código de leis extensas, bem mais abrangentes.

Seja como for, o caso é que novamente são confeccionadas novas tábuas, novamente os mandamentos foram ditos por Deus Êxodo 34:1, mas com um pormenor: desta vez escritas por Moisés v.27,28. Foram estas tábuas escritas por Moisés que foram postas dentro da arca.

Outro pormenor que não pode passar desapercebido é sobre a alegação da perpetuidade. A alegação de que “A pedra representa perpetuidade” é no mínimo exagerada. É até irônico dizer, mas estas pedras que representavam “perpetuidade” – e que os adventistas dizem conter apenas a lei moral – foram quebradas, esmiuçadas pelas mãos de Moisés, prefigurando assim o cancelamento da primeira Aliança pela quebra do 1º e 2º mandamentos da lei, pelo povo de Israel. Com respeito a isto diz Ellen G. White:

“Para mostrar aversão pelo crime do povo, arrojou as tábuas de pedra, e elas se quebraram à vista de todos, significando com isto que, assim como haviam quebrantado seu concerto com Deus, assim Deus quebrava Seu concerto com eles.” (Patriarcas e Profetas pág.320)

Por outro lado, o livro de pergaminho, que dizem ser inferior à tábua e conter somente as tais “leis cerimoniais” não sofreu um arranhão se quer.
Em todo este episódio e particularmente na quebra das primeiras tábuas vemos algo significativo, pois mostrava quão frágeis eram os dez mandamentos para corrigir o pecado do povo.

4. Os Dez Mandamentos foram escritos pelo dedo de Deus enquanto o livro pela pena de Moisés 

O Que Significa a expressão o dedo de Deus?

É alegado pelos sabatistas que os Dez Mandamentos foram escritos com o dedo de Deus e por isso deve ser superior ao livro. Mas será que devemos entender dedo de Deus como algo físico? Dificilmente dá para imaginar Deus estendendo seu longo indicador direito e escrevendo em baixo relevo as dez palavras.

Diz Walter Martin que “…todos os teólogos do Antigo Testamento aceitam quase sem ressalva que os antropomorfismos (atribuição de características humanas a Deus) são a explicação lógica para muitos dos encontros de Deus com o homem”. E é assim que aparecem expressões como “a mão do Senhor”, “o braço do Senhor” “os olhos do Senhor”, “narinas”, “boca”, “ouvidos” e é claro o famoso “dedo de Deus”. Mas é bom esclarecer para os teólogos de primeira viagem que isto nada mais é do que metáforas literárias.

Ao analisar esta questão assim se expressou certo escritor judeu:

“Posto isso, qual é o significado das seguintes expressões encontradas na Tora; ‘Abaixo de seus pés’ (Ex. 24:10); ‘Escrito com o dedo de D..S’ (Ex. 31:18), ‘A mão de D..S(Ex. 9:3) ‘Os olhos de D..S’ (Gn 37:7), “O souvidos de D..S’ (Nm 11:1), e frases similares? Todas estas expressões são adaptadas à capacidade mental do ser humano, que tem uma percepção clara apenas do universo material. Todas essas frases são metafóricas, como a sentença: ‘Quando afiar o gume da minha espada’ (Dt. 32:41). Então D..S tem uma espada e fere com uma espada? Logicamente o termo é utilizado alegoricamente e todas aquelas frases devem ser compreendidas de modo similar”. ( “Mishné Torá” – o livro da sabedoria – Maimônides [Moshe Bem Maimon Rambam] pág.124-125 ed. Imago 1992) (ênfase acrescentada)

Vamos usar uma das mais simples regras de hermenêutica, aquela que diz que a Bíblia se explica por si usando textos correlatos. Então vejamos na Bíblia todas as passagens onde ocorre a expressão “o dedo de Deus”.

“Então disseram os magos a Faraó: Isto é o dedo de Deus. No entanto o coração de Faraó se endureceu, e não os ouvia, como o Senhor tinha dito.” Êxodo 8.19

“E deu a Moisés, quando acabou de falar com ele no monte Sinai, as duas tábuas do testemunho, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus.” Êxodo 31.18

“E o Senhor me deu as duas tábuas de pedra, escritas com o dedo de Deus; e nelas estavam escritas todas aquelas palavras que o Senhor tinha falado convosco no monte, do meio do fogo, no dia da assembléia.” Deuteronômio 31.10

“Mas, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, logo é chegado a vós o reino de Deus.” Lucas 11.20

Veja que a expressão dedo de Deus corresponde a “poder de Deus” e não um dedo literal físico. Então no máximo que esta expressão pode dizer é que as tábuas foram escritas pelo poder de Deus.

Isto posto, fica óbvio que o emprego metafórico e antropomórfico desses termos em relação a Deus são artifícios literários para transmitir idéias sobre o relacionamento Dele com o homem.

Alguns procuram levantar a objeção de que Moisés não tinha condições de escrever as tábuas, e até sarcasticamente dizem “É verdade, o texto deixa tal impressão, mas será que Moisés contava com alguma “caneta mágica” que gravava em pedra? Ou teria martelo e cinzel para gravar na pedra tais divinas instruções? Quanto tempo não levaria para cumprir tal obra de arte?!”

Mas estas mesmas pessoas ignoram que este mesmo Moisés ordenou ao seu sucessor a escrever essas mesmas leis em pedras, sem precisar, é claro, das famosas “canetas mágicas ou unhas de diamantes” veja:

A ordem – “E no dia em que passares o Jordão para a terra que o Senhor teu Deus te dá, levantarás umas pedras grandes e as caiarás. E escreverás nelas todas as palavras desta lei…..”Deuteronômio 27.2-3

O cumprimento – “Também ali, na presença dos filhos de Israel, escreveu em pedras uma cópia da lei de Moisés, a qual este escrevera.” Josué 8.32

Demais disso, as tábuas eram tão pequeninas que cabiam nas palmas das mãos de Moisés veja: “Então me virei, e desci do monte, o qual ardia em fogo; e as duas tábuas do pacto estavam nas minhas duas mãos.” Deuteronômio 9.15. Convém lembrar que o original traz literalmente “dez palavras” e não dez mandamentos.
Fica então desfeita essa suposta objeção sobre a dificuldade de Moisés escrever nas tábuas.

“Para as coisas claras não há necessidade de qualquer interpretação in claris cessat interpretatio…”

A ARCA DA ALIANÇA

Dizem os adventistas: “No Apocalipse, o povo remanescente de Deus é caracterizado como os que “guardam os mandamentos de Deus e têm a fé de Jesus” (Apo. 12:17 e 14:12). João descreve uma visão que teve do Templo de Deus, dentro do qual contemplou “a arca da aliança” (Apo. 11:19). Aqueles que conhecem sua Bíblia sabem que nessa arca foram guardados os Dez Mandamentos (Deut. 10:1-5). Por que a João foi mostrada essa “arca da aliança” num contexto claramente escatológico? É que ela representa o trono de Deus que se assenta sobre a justiça (a lei) e a misericórdia (o propiciatório).”

Ao contrário do que eles quer que acreditemos, a aparição da arca está ligada a Israel somente. É por isso que o contexto indica coisas da antiga aliança como o templo, altar, adoradores, gentios, cidade santa, testemunhas (11:1,2). Nada disso se relaciona com a igreja de Cristo. O texto parece reportar às duas testemunhas do livro de Zacarias, mas que o anjo omite o nome aqui, talvez quem sabe seja Elias e Moises pelo tipo de ministério que exercem. Seja como for, o contexto é puramente judaico. E deve-se lembrar que a arca era o símbolo da presença e proteção divina. Quando Israel saia para a guerra sempre levava a arca. Ela representava a presença protetora de Deus. Nada mais oportuno, naquela atual situação de ameaça diante do anticristo, mostrar a arca (que era completamente compreensível na mentalidade judaica) como um símbolo da presença divina e proteção. Sem falarmos no fato de que as tábuas nem foram mostradas ao apóstolo, mas somente a arca.

Talvez nisso, Ellen White tenha sido mais agraciada do que João, pois em uma de suas alegadas visões diz ter visto a arca (Vida e Ensinos, pág. 90) com os seguintes elementos:

1º) as tábuas da lei com a vara de Arão e o maná, contrariando o texto bíblico que diz que “…Nada havia na arca senão só as duas tábuas, que Moisés ali pusera junto a Horebe, quando o Senhor fez aliança com os filhos de Israel” (IICr.5:10) e;

2º) eram escritas com o dedo de Deus contrariando o texto bíblico que diz que as primeiras tábuas escritas com o dedo de Deus foram quebradas e as últimas foram escritas por Moisés. Ora, se a visão da arca implica em algum tipo de ligação com os cristãos, então a antiga aliança permanece ainda, pois a arca era o símbolo da antiga aliança, mas a Bíblia diz que o Velho Concerto foi por Cristo abolido.

Alguns tentam defender Ellen White dizendo que a sua visão era a mesma que Deus mostrou a João. “A Sra. White está se referindo a essa visão de João, pois ela mesma diz que as tábuas de pedra dos israelitas foi escondida e não se tem notícia de onde se encontram. Ela nunca disse que foram transportadas para o céu.”

Mas esta explicação deixa muito a desejar. Falando sobre a arca, o escritor adventista Lourenço Gonzáles no livro “Assim diz o Senhor” pág. 85 diz o seguinte:

“Portanto, estão no céu dentro da arca os originais da santa Lei de Deus, escritos pelo Seu próprio dedo. Isto é muito significativo, irmão. Queira ler: Êxo. 31:18; Deut. 10:5.”

Agora veja o que diz Ellen White sobre sua visão:

“Na arca estava o vaso de ouro que continha o maná, a vara florida de Arão, e as tábuas de pedra que se dobravam como um livro. Jesus as abriu e vi os dez mandamentos, nelas escritos com o dedo de Deus. Em uma tábua havia quatro e na outra seis.” (Vida e Ensinos pág. 90)

Pergunto: Deus escreveu esses dez mandamentos antes do Sinai com seu dedo? Claro que não! Mas para salvar sua profetisa do ridículo, os adventistas alegam que Ellen White não está falando aí da mesma arca do Sinai. Mas como, se estes mandamentos que ela viu são os mesmos que foram escritos pelo dedo de Deus?!

Quando estava escrevendo esta ultima parte recebi um e-mail de um adventistas me citando um capítulo inteiro do livro de Ellen White na qual ela afirma, tocante ao texto em lide, o seguinte:

“Portanto, o anúncio de que o templo de Deus se abrira no Céu, e de que fora vista a arca de Seu concerto, indica a abertura do lugar santíssimo do santuário celestial, em l844, ao entrar Cristo ali para efetuar a obra finalizadora da expiação.”

Pode haver algo mais absurdo do que isto?!Eis o tipo de exegese que se fundamenta os adventistas para interpretar esta passagem!

O texto não deixa dúvidas em mostrar que a srª. White acreditava ter visto a arca no céu com maná, a vara de Arão e as tábuas da lei que se dobravam como um livro (é claro, pois desde a época de Moisés até o século XIX, deve ter havido algum progresso tecnológico no céu: as tábuas agora eram dobráveis!!!), mas o surpreendente de tudo isso é que no mês passado um arqueólogo adventista disse ter encontrado ou pelo menos ter tido pista de onde a arca se encontrava. Que coisa hem? A arca está no céu ou está na terra? Demais disso, como ela pode ter visto o mana´ e a vara de Arão se a Bíblia diz que na arca só restou as tábuas da Aliança (II Reis 8.9)? Alguém consegue responder?

Eis algo para se pensar: Porque será que a arca desapareceu depois do reinado de Jeoaquim ? O destino último da arca é um mistério. Entrementes, o mesmo Jeremias que profetizou sobre a substituição da Antiga Aliança (31:31) também profetizou sobre o desaparecimento da arôn habberît “E quando vos tiverdes multiplicado e frutificado na terra, naqueles dias, diz o Senhor, nunca mais se dirá: A arca do pacto do Senhor; nem lhes virá ela ao pensamento; nem dela se lembrarão; nem a visitarão; nem se fará mais. Naquele tempo chamarão a Jerusalém o trono do Senhor; e todas as nações se ajuntarão a ela, em nome do Senhor, a Jerusalém; e não mais andarão obstinadamente segundo o propósito do seu coração maligno” (Jeremias 3:16-17), que continha as tábuas da lei comumente chamadas de “tábuas da aliança”. Nota bene que a velha lei desapareceu litteratim. Isso é apenas uma figura da abrogação da Aliança – os Dez Mandamentos.

Os adventistas estão tentando reavivar a mesma coisa que Deus disse que deveria ser esquecida, a ” arca do Concerto”.

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