CONHEÇA A GÊNESE DA ANGELOLATRIA E A VERDADEIRA FUNÇÃO DOS ANJOS
Nos últimos anos, os anjos se infiltraram fortemente na cultura popular. Isso se deve, obviamente, à forte onda do movimento Nova Era, que se ergueu no final do século 20.
Em 1993, quando os ensinos novaerenses estavam em alta, a revista Newsweek chegou a colocar em destaque em uma de suas edições uma matéria intitulada: “Anjos estão aparecendo em todos os lugares da América”. Essa matéria foi um marco da angelomania que tomava conta dos Estados Unidos na época. Na reportagem, pessoas de todas as partes do país garantiam ver constantemente anjos, conversar com eles e até pô-los em contato com outras pessoas. Era o auge da febre dos anjos.
Com essa onda, a Nova Era passou a popularizar a concepção de que a ideia do Deus cristão estava falida. Para eles, o Deus dos cristãos era duro e antipático, enquanto os anjos eram dóceis e simpáticos. Assim, as pessoas passaram a conversar com seus “anjos da guarda”, a dirigir-lhes lacrimosas orações e a atribuir qualquer sucesso na vida a esses seres, e não mais à misericórdia divina.
A escritora norte-americana Sophy Burnham, adepta da Nova Era, foi uma das fomentadoras dessa substituição de Deus pelos anjos na mente das pessoas. Em seu livro A book of angels, ela diz que a corrente popularidade dos anjos se deve ao fato de “termos criado este conceito de Deus como punitivo, judicioso e ciumento, enquanto os anjos nunca o são.
Eles são completamente compassivos.” Em entrevista à revista Time nos anos 90, Burnham afirmou ainda que “para aqueles que se sentem sufocados facilmente por Deus e suas regras, os anjos são a concessão fácil, a ausência de julgamento; são todos fofos e suspiros. E estão disponíveis a todos, como aspirina”.
BATALHA ESPIRITUAL
Essa febre, infelizmente, acabou atingindo também as igrejas. O escritor evangélico Ron Rhodes acredita que os primeiros indícios da angelomania no meio evangélico surgiram após o sucesso, nos anos 70, do livro Anjos: agentes secretos de Deus, de Billy Graham. Não que o livro do famoso evangelista trouxesse heresias em seu bojo, mas, nas palavras de Rhodes, “muitos receberam um impactante direcionamento para esse fascinante assunto pela leitura do livro de Graham.”
Segundo Rhodes, um dos mais fortes incentivadores da moda dos anjos no meio cristão foi, na verdade, o mega best-seller de ficção Este mundo tenebroso, de Frank Peretti. Basta lembrar a exacerbação em torno do tema batalha espiritual após o sucesso do livro. Seminários e mais seminários eram feitos sobre o assunto, e muitos deles foram os grandes criadores de modismos e conceitos absurdos sobre a vida cristã e o mundo espiritual.
Especialmente no meio pentecostal, os anjos passaram a ganhar uma notoriedade que nunca deveriam ter. A doutrina bíblica sobre os anjos, que é esposada pelas igrejas pentecostais tradicionais, como a Assembleia de Deus, é veementemente contra essa relevância bizarra que se tem dado aos seres angelicais. No entanto, influenciados por novas igrejas (que por ainda não terem se cristalizado convivem, na sua maioria, com uma teologia inexata, sempre a caminho), muitos crentes acabam tomando-se angelomaníacos. São aqueles que veem anjos a todo instante e não fazem nada sem a orientação angelical. Muitos afirmam ter audiências diárias com os arcanjos Gabriel ou Miguel (sic).
A exacerbação da ideia de batalha espiritual é um dos modismos neopentecostais que promoveram os anjos a uma posição acima do normal. Essa distorção teológica é na verdade um retrocesso, pois lança as igrejas de volta à teologia medieval anterior à Reforma Protestante.
A Reforma Protestante foi um dos grandes catalisadores do fim da superstição da Idade Média, implementado por um catolicismo cada vez mais decadente. O mundo medieval era cheio de fantasmas, duendes, gnomos, demônios, anjos, santos, um mundo mentalmente carregado. Nesse mundo, Cristo era fraco, os demônios eram fortes e os anjos e santos importantes. Veio, então, a Reforma e centralizou tudo na cruz de Cristo, que representa a vitória para todo o que crê e serve a Deus. Infelizmente, muitas igrejas parecem querer reeditar esse hostil mundo cósmico através de uma má interpretação do tema batalha espiritual.
O PERFIL DOS ANGELÓLATRAS
O apóstolo Paulo, ao advertir os cristãos em Colossos sobre os falsos ensinamentos, definiu bem o perfil dos angelólatras: “E digo isto para que ninguém vos engane com palavras persuasivas (…) Ninguém vos domine a seu belprazer, com pretexto de humildade e culto dos anjos, metendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão, e não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus”, Cl 2.4,18-19.
Paulo afirma no texto supracitado que os falsos mestres ensinavam a necessidade de reverenciar e adorar os anjos, pois, segundo eles, os seres angelicais funcionariam como uma espécie de mediadores na comunhão do crente com Deus. O apóstolo rebate veementemente isso, lembrando que invocar anjos é fazer com que estes tomem o lugar de Jesus, que é o único mediador entre Deus e os homens e, por isso, a única e suficiente cabeça da Igreja (v 9).
Paulo também destaca que esses falsos mestres posam de humildes e santos, por causa dessa conversa de anjos, quando, muito pelo contrário, encontram-se “inchados na sua carnal compreensão”. Ainda hoje, os angelólatras se apresentam como pessoas avivadas, espirituais, santas, humildes, mas na verdade estão, como afirmou o apóstolo, embriagados por uma compreensão carnal.
Essa história de ver e conversar com anjos todo dia e o dia todo, se prostrar diante deles, ter audiências com arcanjos, ser secretariado por “Gabriel” ou “Miguel” e outras coisas do tipo não passa de uma grande tolice e blasfêmia. Sim, blasfêmia, porque valorizar mais a presença de anjos do que a do próprio Deus, se prostrar diante da criatura e não do Criador, e não poucas vezes atribuir curas, milagres e libertações não a Deus, mas às criaturas angelicais, é deixar de adorar a Deus e colocar os anjos no centro do culto.
A coisa está tão cimentada que, em muitas reuniões, lembrar que Deus está presente no ambiente de adoração não tem mais o menor significado, enquanto um simples “Há um anjo passeando neste recinto” é o suficiente para que o povo se arrepie, chore e celebre. O reflexo também se vê nos hinos, onde quem cura, batiza no Espírito Santo e transforma vidas não é mais Deus, mas os anjos. “Quer ser curado? Receba o toque do anjo! Quer ser batizado? Deixa o anjo te tocar! Quer ser transformado? Dê lugar ao anjo de Deus na sua vida!” Isso é abominável.
A VERDADE SOBRE OS ANJOS
A maioria dessas convicções equivocadas sobre anjos se deve, sem dúvida, à ignorância bíblica. Para esclarecer as confusões mais recorrentes, destaco pelo menos sete clarificações, feitas à luz das Sagradas Escrituras.
Em primeiro lugar, nem todos os anjos são bons. Paulo, escrevendo sobre os falsos apóstolos aos cristãos em Corinto, afirma: “Porque tais falsos apóstolos são obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo. E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz”, 2Co 11.14. Não é à toa que o apóstolo destacou, entre os dons espirituais que a Igreja deve manifestar, o dom de discernir espíritos (1 Co 12.10). O demônio pode manifestar-se de forma diversa da esperada para confundir até mesmo os filhos de Deus. Logo, só porque alguém teve aparentemente uma experiência positiva com um ser espiritual não significa que este seja bom. Exatamente por isso somos chamados para testar, classificar e penrar experiências (1 Ts 5.21).
Em segundo lugar, grandes experiências espirituais podem ser mal interpretadas se não houver solidez doutrinária. Às vezes a experiência é sadia, mas a forma como reagimos a ela não é. A experiência do apóstolo João em Apocalipse 22.8-9 é um grande exemplo: “E eu, João, sou aquele que vi e ouvi estas coisas. E, havendo-as ouvido e visto, prostrei-me aos pés do anjo que mas mostrava para o adorar. E disse-me: Olha, não faças tal, porque eu sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus”.
Esse episódio ocorrido na Ilha de Patmos nos mostra que experiências espirituais podem ser esmagadoramente poderosas ao ponto de, se não tivermos uma referência sólida (a Palavra de Deus) para analisá-las, podermos interpretá-las erroneamente. Se João, o apóstolo, tão prudente, como sua história e epístolas comprovam, por pouco foi desviado, imagine um cristão sem firmeza bíblica. Sem orientação sadia, pode-se valorizar tanto uma experiência espiritual ao ponto de se desbancar para meninices e destas para heresias.
Em terceiro lugar, nunca as nossas experiências devem ser colocadas acima da autoridade da Palavra de Deus. Este é um desdobramento do ponto anterior. O que está em realce é que minhas experiências não servem como critério para estabelecer regras para a vida espiritual. Nossas regras de fé e prática estão exaradas indelevelmente nas Sagradas Escrituras.
Em quarto lugar, não devemos aceitar de nenhum anjo um “evangelho ” que seja contrário à inspiração da Palavra de Deus. Paulo repreendeu os gálatas, dizendo: “Maravilho- me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar o Evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”, Gl 1.6-8.
Os santos anjos de Deus não têm como função iniciar ou promover novas religiões ou conceder-nos revelações que contrariem as Sagradas Escrituras (Sl 103.20 e Ap 22.9). Apesar disso, infelizmente, o que mais se tem é religiões fundadas a partir de “revelações” de seres “angelicais”. Joseph Smith, o fundador do mormonismo, disse que um anjo chamado Moroni entregou-lhe placas de ouro contendo o Livro de Mórmon. Maomé reivindicou ter recebido diretamente do anjo Gabriel as revelações contendo o Alcorão.
Outras religiões que envolvem mensageiros “angelicais” são a Igreja de Nova Jerusalém, fundada por Emmanuel Swendenborg; a antroposofia, fundada por Rudolf Steiner; a Comunidade de Realização Pessoal, fundada por Paramahansa Yogananda; e a Unity School of Christianity, fundada por Charles e Myrtle Fillmore.
Em quinto lugar, anjos não são objeto da oração. Só a Deus devem ser dirigidas as nossas preces (Mt 6.9). Os anjos apenas são usados por Deus para concretizar o propósito divino, respondendo às orações dos crentes (At 12.5-10). Essa história de pedir orientação a anjos ou invocá-los é heresia.
Em sexto lugar, anjos não possuem o corpo de pessoas, como fazem os demônios. Infelizmente, há pessoas que pensam que quando um crente fala em línguas estranhas, é um anjo que está usando seus lábios para emitir aquela linguagem espiritual, porque a Bíblia fala de “língua dos anjos” (1Co 13.1). A Bíblia é clara: quem fala em línguas estranhas não é um anjo possuindo a pessoa, nem o próprio Deus na pessoa. É a própria pessoa. É o espírito do homem que fala em mistérios com Deus através da ação do Espírito Santo (At 2.4 e 1 Co 14.2,14)
Em sétimo lugar, anjos são apenas “espíritos ministradores’’ (Hb 1.14). A palavra “ministrador” no versículo citado é, no texto grego, “servo”. Anjos são espíritos servidores que concedem ajuda, e esta ajuda é dada aos herdeiros da salvação, para a realização do propósito de Deus na Terra. Mas, de que forma esse serviço é feito?
Anjos não curam ou batizam no Espírito Santo. A Bíblia nos mostra que anjos são servos cujo ministério, em prol dos filhos de Deus na Terra, envolve tão somente proteção (SI 91.11), orientação (Gn 19-17), encorajamento (Jz 6.12), livramento (At 12.7), suprimento (SI 105.40), autorização (Lc 22.43), repreensão (Nm 22.32) e proclamação do julgamento divino (At 12.23). E na maioria das vezes o serviço dos anjos é feito sem que estes sejam reconhecidos (2Rs 6.17 e Hb 13-2). O que passar disso é invenção.
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SILAS DANIEL
FONTE: REVISTA “RESPOSTA FIEL” ANO 2- N°6