Cuidado com a Bíblia na boca do diabo

O salmista nos ensina que devemos reter as sagradas letras em nossos corações para não pecarmos contra o Senhor (SI 119.11). Um conselho simples de enten­der e, talvez, não tão simples de praticar, mas que, reconhecidamente, pode nos assegurar uma vida cristã aprazível diante de Deus. E por isso que todo cristão tributa reverência à Palavra de Deus, pois identifica sua divina inspiração e sabe que ela é “lâmpada para os seus pés” (SI 119.105). Que outra “isca” poderia desfrutar de tamanha atratividade e autoridade entre os crentes? O diabo, conhecedor dessa primazia, utiliza-se com eficácia da Bíblia para ludibriar as pessoas. Ele se vale da “lâmpada” que deveria iluminar os caminhos da humanidade para escurecê-los, conduzindo a todos quanto pode às trevas do abismo (I Pe 5.8).

Na verdade, esta é uma estratégia tão lógica quanto antiga e foi pretensiosamente empregada pelo diabo ao próprio Filho de Deus. Leiamos o texto bíblico selecionado: “Então foi con­duzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo […] Então o diabo o transportou à cidade santa, e colocou-o sobre o pináculo do templo, e disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, e tomar-te-ão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra [citação do SI 91.10- 12], Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Se­nhor teu Deus [citação de Dt 6.16] ” (Mt 4.1,2,5-7).

“Está escrito”. Estas são palavras que abrem caminhos para o diálogo inter-religioso. Porventura não é isso que dizem aqueles que vêm às nossas portas todos os domingos matinais? Não é isso que prega a grande maioria das seitas? Aliás, não é isso que nós mesmos afirmamos ao apresentarmos o evange­lho a alguém? Está escrito! Acertadamente ou erroneamente, o fato é que muitos utilizam a mesma moeda.

Perceba a forma sorrateira como as coisas ocorrem. Até mesmo os grupos que defendem crenças esotéricas orientais não resistem ao apelo dessa tática, pois, por mais rudimentar e óbvia que pareça, ela é funcional. E funcional porque muitos não conhecem a Palavra de Deus de forma satisfatória. E fun­cional porque muitas escolas bíblicas dominicais estão vazias. E funcional porque poucos líderes incentivam os membros de sua igreja ao desenvolvimento de um curso teológico. E funcional porque culto de ensino não dá quórum. Enquanto outros elementos (também importantes) do culto são supervalorizados, o ensino é menosprezado. Perseguimos a graça, abandonamos o conhecimento (2Pe 3.18), e, como consequência, nos tomamos crentes sem equilíbrio entre estes “polos”.

Mas nesse ínterim alguém poderia objetar entendendo que esta é uma colocação imprópria, pois, na verdade, não se tra­ta de polos, mas de elementos que se complementam. Mas, lamentavelmente, é assim que eles são verificados na prática, como polos, como se fossem um a oposição do outro. Qual é a implicação dessa conduta?

Vulnerabilidade. Esta palavra resume a situação do crente que não conhece e não se importa em aprender as doutrinas bíblicas. E vulnerável. Está suscetível à persuasão por meio dos argumentos mais banais. Mas, considere, na maioria dos casos não o são, pois há muitos peritos na invenção de estra­nhas interpretações bíblicas capazes de fazer hesitar até mes­mo os mais preparados. O caminho desses crentes é vacilante porque não possuem alicerces. E, por conta disso, crente as­sim é alguém que corre risco de morte, e morte eterna. Basta um prosélito dizer “está escrito” e suas convicções estreme­cem, a apostasia dá início ao seu processo e sua concepção toma-se uma questão de tempo, pouco tempo. Lembre-se, a distorção do texto bíblico por meio de acréscimos ou decrésci­mos sempre será evidente entre as seitas, embora alguns não enxerguem isso tão claramente.

Discernindo as coisas desta forma, podemos classificar a ignorância das doutrinas bíblicas como uma enfermidade, for­te indício de imaturidade da fé. O escritor aos hebreus censura os crentes que deveriam possuir grande cabedal de conheci­mentos, mas ainda permaneciam na condição de principian­tes: “Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda neces­sitais de que se vos tome a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino” (Hb 5.12,13).

Como Jesus se comportou diante das palavras do diabo? Ele empregou a interpretação da Bíblia pela Bíblia: Scriture sacre suiipsius interpres, ou seja, “a Sagrada Escritura se interpreta a si própria”. Respondeu ao “está escrito” do diabo com um “também está escrito”, igualmente contido nas Escri­turas Sagradas. Será que temos tal habilidade? Talvez a res­posta seja “não”. Mas o que estamos fazendo para mudar este estado? Se a resposta permanecer negativa, então a situação é grave e precisa ser remediada com emergência. O que farí­amos se nos deparássemos com “a Bíblia na boca do diabo?” Uma citação bíblica distorcida só pode ser respondida com co­nhecimento integral das Escrituras. Até quando trocaremos “o sólido mantimento” pelo “leite da infância”? Cuidado, esta não é uma situação que pode ser sustentada por longo tempo!

 ———————

FONTE: REVISTA “DEFESA DA FÉ” ANO 10 – N°75

Sair da versão mobile