Criacionismo e suas correntes

Os recentes acontecimentos em torno da introdução do ensi­no do criacionismo nas esco­las do Rio de Janeiro reacenderam o debate sobre as origens. Imediatamente, evolucionistas vieram à cera, indignados, alegando que essa de­cisão era um retrocesso no processo edu­cacional, uma volta aos tempos de obscu­ridade.

Essa discussão não é nova e nos acompanha desde os tempos de Charles Darwin e da publicação de seu livro A Origem das Espécies, em 1859. Até então, o mundo civilizado vivia sob forte influ­ência do cristianismo e a Teologia era con­siderada a “rainha” das ciências. Cristãos eram criacionistas que jamais ousavam pôr em dúvida as Escrituras.

Em um universo de ideias tão fecha­do, não foi fácil a escalada evolucionista, pois não se admitia outra forma de pensar que não fosse compatível com a narrativa bíblica da criação. Gradualmente, porém, após a publicação do livro de Darwin, a opinião pública começou a mudar. Pri­meiro foram os círculos científicos, depois o sistema educacional, as rodas intelectuais, e então, indistintamente, todas as ca­madas sociais.

Desde então, a filosofia dominante tem sido a evolucionista. Em escolas e universidades, em jornais e revistas, o evo­lucionismo é apresentado, não como uma hipótese, mas como fato cientificamente comprovado, impenetrável a qualquer outra forma de pensamento. Apesar dis­so, nas últimas décadas, alguns cientistas têm corajosamente feito oposição ao evo­lucionismo e afirmam poder sustentar ci­entificamente o conceito de criação, em oposição ao evolucionismo.

Temos, portanto, dois modelos das origens, o criacionista e o evolucionista, que se propõem a explicar o surgimento da vida, a diversidade de formas em que esta se apresenta, a origem do sistema solar, das galáxias, do universo como um todo. Na prática, porém, esses dois modelos se subdividem em algumas variantes.

Entretanto, é preciso que se diga que, originalmente, uma das diferenças entre esses dois modelos estava concen­trada na questão do tempo: criacionistas, pela forma como entendiam o texto bíbli­co, pensavam em termos de uma Terra jovem, enquanto que o pensamento evo­lucionista demandava um planeta velho, com bilhões de anos.

Na verdade, são muitas as teorias pro­postas no contexto da ciência para expli­car nossas origens, praticamente todas de natureza evolucionista e algumas difíceis de serem compreendidas pelos mais leigos. Neste artigo, nos concentraremos naquelas variantes que se origi­naram do esforço para compatibilizar conceitos evolucionis­tas com o texto bíblico. Na época, houve quem trocasse a fé cristã pela evolução, mas houve também quem não arredasse pé um milímetro de sua fé no Deus cria­dor, sem fazer qualquer concessão à filo­sofia evolucionista. Entre uma e outra des­sas posições, consideradas extremas, nas­ceram vários modelos que, de um modo ou de outro, mesclavam conceitos do cri­acionismo com os do evolucionismo. Vamos examinar aqui as principais correntes inclusas nesse contexto:

EVOLUCIONISMO TEÍSTA

Depois que Darwin sistematizou a teoria da evolução e a apresentou de forma racional ao mundo cientifico, o criacionismo começo a ficar em segundo plano. Sem argumentos, mas não pretendendo renunciar a sua fé, alguns cristãos procuraram conciliá-la com a evolução. Isso deu origem a um sistema de pensamento, evolucionista em sua essência, mas que inclui a presença de um Criador que teria dado origem à matéria e que atua no universo através do processo da evolução.

Do ponto de vista evolucionista, po­rém, este é um modelo híbrido e inexpressivo das origens, apenas uma ten­tativa de conciliar duas ideias que pareci­am ambas razoáveis. O fato é que o evo­lucionismo explica tudo no universo sem ter que recorrer a um agente externo e, por isso, não precisa desse tipo de recur­so. Isto certamente faz, da crença na exis­tência de Deus, para quem quer que acei­te os pressupostos evolucionistas, um luxo desnecessário. Observe como Ayala, con­ceituado biólogo evolucionista se pronun­cia a este respeito:

“Darwin substituiu uma teleologia teológica por uma cientifica. A teleologia da natureza pode agora ser explicada como o resultado de leis naturais manifestadas em processos naturais, sem recurso a um Criador externo, ou a forças espirituais, ou não materiais.” F. Ayala, Philosophy of Science, Vol. 37, Março 1970, pág. 2.

Com relação ao cristianismo, a situa­ção é também difícil. Evolucionistas teístas são frequentemente obrigados a reinterpretar as Escrituras a fim de harmo­nizar a Bíblia com a teoria da evolução. É muito comum o argumento de que os ca­pítulos iniciais do livro de Gênesis não têm a intenção de esclarecer como o uni­verso veio a existir, mas apenas revelar a existência do Criador que tudo fez.

Mas se esta é a interpretação corre­ta, por que a estória dos seis dias e a descrição detalhada da criação ao longo desse período? Mas isto ainda não é tudo: o ponto principal é que a narrativa bíbli­ca descreve exatamente o mundo que temos hoje. O texto de Gênesis da espe­cial ênfase ao fato de cada animal e cada vegetal ter sido criado de modo a se re­produzir segundo suas próprias espéci­es. Isto equivale a negar a evolução e, tanto quanto tem sido observado, é uma descrição perfeita do que ocorre nos rei­nos animal e vegetal, onde gatos geram apenas gatos, coelhos geram apenas co­elhos, e assim por diante.

A verdade é que o evolucionismo teísta se vê em dificuldades ao tentar se constituir em um modelo isolado das ori­gens. De fato, entre evolucionistas, os teístas são apenas místicos; entre cristãos, péssimos intérpretes das Escrituras. Na verdade, a evolução teísta tem sido mera­mente um trampolim para a ateísta. Qua­se todos os evolucionistas ateístas um dia acreditaram na criação, em determinada fase tomaram-se teístas, e hoje creem so­mente na evolução. Além disso, todos os argumentos científicos contra a teoria da evolução, trazidos à cena pelo movimen­to criacionista, são plenamente válidos contra a evolução teísta.

CRIACIONISMO PROGRESSIVO

Este modelo é criacionista em sua essência, mas nasceu da tentativa de con­ciliar o modelo da criação com os pressu­postos da geologia histórica. Seus adeptos não aceitam a evolução das espécies mas, de algum modo, não viram como se con­trapor aos resultados da aplicação dos métodos radiométricos de datação, em que a Terra aparece como tendo cerca de 4,5 bilhões de anos e vários fósseis são tidos como tendo milhões ou mesmo bilhões de anos de idade.

Procurando conciliar esses conceitos com a narrativa bíblica da criação, o cria­cionismo progressivo introduz a possibili­dade dos seis dias da criação menciona­dos nas Escrituras serem seis longos perí­odos (eras geológicas), ao longo dos quais Deus teria criado tudo quanto existe. Al­guns dos adeptos dessa corrente admitem até a possibilidade de uma certa evolução no contexto de cada espécie, ao longo dessas eras, mas não a transmutação de uma espécie em outra.

Em outras palavras, Deus teria feito uma criação inicial e, a seguir, esperado que o tempo produzisse condições mais favoráveis, que permitissem a continuida­de dos atos criativos. O homem, por exem­plo, teria sido criado em tempos mais re­centes, na última dessas eras, e assim teríamos compatibilizados os seis dias de cri­ação com a suposta ordem em que os fósseis têm sido encontrados na natureza.

Do ponto de vista bíblico a discussão se processa em torno da interpretação da palavra “dia”, com os adeptos do criacionismo progressivo insistindo que deva ser entendida com seu significado secundário, que é o de um período de tempo. Apesar disso ser possível, o fato é que as duas primeiras utilizações dessa palavra no texto bíblico já definem o seu significando um período de 12 horas (luz), e outro de 24 horas (luz e trevas)

Há outros argumentos utilizados pelos adeptos do criacionismo progressivo, relacionados com a comparação entre a coluna geológica e a descrição dos eis dias na narrativa bíblica da criação. Tal comparação, entretanto, não tem fundamento cientifico, sendo apenas uma forma de se forçar a interpretação de conceitos da geologia e do texto bíblico para que fiquem de acordo com o modelo aqui analisado.

É do contexto da ciência, entretanto, que vem a solução para este problema: o movimento criacionista dispõe de argu­mentos fulminantes contra os métodos de que os evolucionistas se valem para datar rochas e fósseis com milhões e bilhões de anos, dispondo, também, de um arsenal de evidências da natureza que nos mos­tram que a Terra é um planeta jovem. Tão jovem que elimina a necessidade de qual­quer esforço para compatibilizar concei­tos da geologia histórica, em termos de idade do planeta, com a narrativa bíblica da criação, o que faz, do criacionismo pro­gressivo, um modelo obsoleto.

TEORIA LACUNA

Este modelo surgiu a partir da mes­mo desejo de compatibilizar a questão do tempo entre os modelos da criação e da evolução. Seus adeptos não fazem qual­quer concessão ao conceito de evolução dos seres vivos, mas preferem colocar a escala geológica do tempo entre os versos 1 e 2 do primeiro capítulo de Gênesis. Segundo eles, após a criação do universo, uma catástrofe teria se abatido sobre toda a Criação, levando-a ao completo caos, em um processo que te­ria durado os bilhões de anos a que se refere a geologia histórica como o tempo desde o princípio de tudo. Decorrido esse tempo, o criador teria, então, decidido in­tervir novamente, remodelando a face da Terra, e aí teríamos a criação do homem e dos demais seres vivos em seis dias e em tempos bem recentes, como nos sugere o texto de Gênesis.

Na verdade, essa discussão é bem mais ampla do que nos permite o espaço aqui disponível, incluindo alguns argumentos de natureza linguística relacionados com o que seria a melhor tradução para a expressão hebraica “tohu e bohu”, em nossas Bíblias traduzida no verso 2 do primeiro capítulo de Gênesis como “era sem forma e vazia”, e que os adeptos da teoria lacuna preferem traduzir como “tornou-se sem forma e vazia”, abrindo espa­ço para a coluna geológica do tempo. Nenhum argumento com essas caracterís­ticas, entretanto, reúne as condições ne­cessárias para ser conclusivo, mas a argu­mentação criacionista em favor de uma Terra jovem cai também como um torpe­do sobre a teoria lacuna.

UMA PERGUNTA ESPECIAL

Será que não há mesmo meios de se conciliar os pronunciamentos da ci­ência sobre as nossas origens com os pressupostos da fé cristã? A resposta, porém, não está na mera comparação entre os enunciados da criação e da evo­lução. É preciso entender que o grande equívoco dos cientistas é pensar que tudo na natureza pode ser explicado de modo natural, o que, obviamente, não funciona em relação aos momentos em que o Criador fez uso de seu poder sobrenatural.

Pode o sobrenatural ser explicado por processos naturais? Se a resposta óbvia a esta pergunta é “não”, então também não poderem explicar a ori­gem da matéria, da vida, do universo como um todo por meio de processos naturais.

Explicações evolucionistas são esfor­ços para explicar, por processos naturais, o que só pode ser explicado sobrenaturalmente, razão pela qual não podem ex­pressar a realidade objetiva da natureza. Já a história bíblica da criação recorre ao poder sobrenatural do Criador para expli­car os resultados de seus atos.

Assim, ainda que alguns pontos pa­reçam justificar uma aproximação entre os modelos da criação e da evolução, a questão conceituai a que já nos referi­mos nos mostra que não é possível con­ciliar suas diferenças. É isso que temos mostrado com detalhes através do movimento criacionista.

EM QUE CREEM OS CRIACIONISTAS?

A imprensa, de modo geral, e os ci­entistas evolucionistas têm procurado ca­racterizar o movimento criacionista como anticientífico, cujos integrantes são fa­náticos religiosos, dis­postos a tudo para fa­zer prevalecer seus pontos de vista acer­ca das origens do universo e da vida.

Recentemente, em um artigo a respeito de Darwin, o articulista afir­mou: “só os protestantes fundamentalistas, que interpretam a Bí­blia ao pé da letra e por isso não creem nas mutações, se recusam a crer nas ideias de Darwin acerca da evolução das es­pécies”.

Nada disso, porém, é verdade. To­dos sabemos que as mutações (altera­ções genéticas produzidas nos organis­mos por fatores a eles externos) são uma realidade, ocorrendo com uma certa frequência na natureza. Entretanto, tem sido comprovado, até mesmo por cientistas evolucionistas, que as mutações prejudicam os organismos no seu desempenho de sobreviver e de se reproduzir, e assim, não poderiam ser responsáveis pela evolução dos protozoários ao ho­mem, como desejariam os evolucionis­tas. Não havendo outro instrumento da natureza de que os evolucionistas pos­sam se valer para justificar a suposta evo­lução das espécies, chega ao seu ponto final, depois de passar por Lamarck e por Darwin, todo o esforço já realizado para explicar nossas origens por meios estritamente naturais.

Uma vez que os processos naturais que hoje atuam na natureza não são ca­pazes de produzir algo realmente novo, mas apenas transformar o que já existe, muitas vezes dando a impressão de estar introduzindo alguma novidade, nossa re­alidade objetiva só pode ser explicada atra­vés de processos criativos so­brenaturais, o que de­manda, portanto, a pre­sença de um agente externo ao universo e que, pelo seu poder, trouxe à existência tudo quanto existe.

Por isso, fica cla­ra a superioridade do modelo criacionista que define, no princípio, um período de criação especial, quando todos os sistemas básicos da natureza foram trazidos à existência, completos, prontos para o pleno desempenho de suas funções. Em particular, no que diz respeito à vida, foi durante esse período que o Criador trouxe à existência os principais tipos básicos de seres vivos, dos quais des­cende a presente multiplicidade de for­mas em que vida hoje se apresenta. Findo o período da criação, o Criador fez cessar todos os processos criativos, substituindo-os per processos de conservação destina­dos à preservação da sua obra.

Neste contexto, um ponto fundamen­tal é o fato do Criador ter dotado os pri­meiros seres vivos de um estoque genético inicial bastante amplo, capaz de proporcionar o surgimento de muitas variedades em cada espécie. Isto pode ser comprovado pela espécie dos cães, que hoje se subdivide em muitas raças, quase todas obtidas por seleção artificial, através de sucessivos cruzamentos e seleção características. Este é um fato que conta com o suporte da observação e da experimentação. A espécie dos cães possuía, em 1960, 200 raças a mais do que em 1700.

É nisso, então, que os criacionistas creem: do infinitesimal protozoário aos grandes mamíferos; do minúsculo áto­mo às gigantescas galáxias, o universo foi criado em perfeita ordem e to­dos os organismos vivos, incluindo o homem, estavam presentes desde o início.

Não se iluda: um evolucionista pode até crer em Deus, mas isto é absolutamente desnecessário. Eis porque, dizemos que a teoria da evolução tem conduzido milhões, se­não ao ateísmo, pelo menos a um Deus inoperante. Muitos dos pro­blemas que hoje nos afligem são, em grande parte, a consequência de uma sociedade inteiramente impregnada da filosofia evolucionista, onde cada gera­ção aprende, desde os primeiros anos da infância, ser o milagre da vida um mero produto do acaso, o Criador ape­nas um mito e a evolução a única reali­dade. Porém, a verdade sobre nossas ori­gens, não importa se do ponto de vista da ciência ou da fé. é exatamente a mes­ma: a que se encontra descrita nos capí­tulos iniciais das Escrituras.

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CHRISTIANO P. DA SILVA NETO, REVISTA “REPSOSTA FIEL” ANO 4 – N°13

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