Militantes sinceros de certos grupos religiosos, notadamente os ecumênicos, se indignam com a facilidade e a habilidade que temos em apontar os erros doutrinários alheios. O impacto de nossas matérias promove reações que não conseguem permanecer no anonimato. Respeitamos os posicionamentos e as críticas, mas isso não significa concordância. Percebemos, na maioria das vezes, um teor emocional muito mais intenso do que o racional, o que nos fez indagar o porquê desta característica.
Alguém já disse que a verdade dói. Pegando as palavras de Jesus, diríamos que a função primária da verdade não é causar dor, antes, é libertar (Jo 8.32,36). Mas é fato que, às vezes, a libertação pode causa dor, mormente quando se trata de reconhecer nossos erros. Um ponto que merece ser destacado: o reconhecimento de nossos erros.
Espera-se, realmente, que um apologista dedicado ao estudo sistemático das doutrinas bíblicas e religiões seja hábil em censurar deslizes doutrinários. Todavia, como nos comportaríamos se o desafio fosse o inverso, ou seja, reconhecer os acertos doutrinários de tais grupos?
Acreditamos que um dos fatores que colaboram para que os sectários questionem e, às vezes, escarneçam da defesa cristã é a maneira parcial e tendenciosa com que os fatos são apresentados. Não queremos dizer com isso que as matérias que publicamos se encaixem neste perfil. Pelo contrário, acreditamos que, neste caso, as reações dos sectários atuaram como evidência cabal de um trabalho que vem dando fruto e é dirigido e mantido por Deus. Os testemunhos são muitos e variados. Apenas tomamos as reações que recebemos como ponto de partida para a nossa reflexão. Se não considerarmos a questão como ela é digna, podemos ser responsáveis por desvirtuá-la. Isto é cabível especialmente para outras frentes, em outros âmbitos, pois sabemos que nossos leitores tomam nossas publicações e as aplicam em situações de confronto doutrinário. Como será que estamos fazendo isso?
Devemos considerar a questão, pois é certo que muitos sectários fiéis enxergam na simples tentativa de imparcialidade um critério valorativo poderoso para julgar nossas verdadeiras intenções. Reconhecer as virtudes alheias é um ponto saliente que pode ser explorado como estratégia. Isto não quer dizer que devamos fazê-lo hipocritamente ou apenas sob pretexto de proselitismo. Deve ser algo natural, involuntário, e isso pelo simples fato de ser o produto do caráter de uma pessoa justa. A atenção em apresentar os fatos de forma honesta e sem manipulações deve atuar como um exercício a ser cultivado pelo apologista cristão.
A verdade bíblica é a bandeira que elevamos no julgamento das seitas. Ocorre que esta verdade pode ser parcialmente encontrada nas seitas também. É claro que isto não basta, pois ninguém pode ser “parcialmente salvo”. Mas o que queremos colocar é que nem tudo o que uma seita prega é errado ou antibíblico e é justamente esse o elemento que as torna perigosas. Será que temos a sensibilidade de enxergar as virtudes com a mesma facilidade que temos de enxergar os defeitos?
Não interprete mal a mensagem. Não estamos aqui fazendo apelo para que nossos irmãos se aprimorem em dirigir louvores às falsas religiões. Seria uma conclusão injusta diante da proposta que queremos compartilhar. Não se trata disso. Queremos, apenas, assentar que o desmerecimento deste aspecto positivo de forma integral e obsessiva pode também figurar como um erro de nossa parte. Se este for o caso, temos de admitir a verdade, reconhecer o nosso erro e mudar de atitude.
Ao desacreditar um sistema doutrinário de crenças, o apologista deve ter em mente que está colocando “ o dedo na ferida dos outros”. Não há como evitar isto. E um trabalho que precisa ser feito. Judas bem quis escrever à igreja sobre a salvação comum, mas sentiu necessidade de nos exortar a batalhar pela fé (Jd 3). Alguém tem de assumir este chamado. A questão de autoridade aqui é: qual é o nosso objetivo ao colocar o dedo na ferida alheia? Intensificar a dor? O sangramento? Aumentar o machucado? Eis a questão que só pode ser entendida com a maturidade dos apologistas cristãos.
Nosso escopo (intenção), ao tocar na ferida do sectário, deve ser somente o de cuidar, tratar, pôr o bálsamo curativo. É verdade que inicialmente quase nunca ele entenderá isso, mas que criança nunca receiou da aplicação de uma injeção e depois se beneficiou dela com a restauração de sua saúde? E um processo natural, mas que se delineia de forma delicada. Sabemos que, na prática, a realidade não é tão simples e terna, porém, temos de argumentar a nossa fé sem sermos injustos com a fé do próximo.
A analogia referida nos remete à profissão de um enfermeiro ou médico. No nosso caso, o “diploma” para exercer a profissão é a compaixão, o amor. E possível se aventurar a fazer curativos aos milhares sem deter os créditos necessários, porém, o resultado se apresentará fracassado.
Precisamos constantemente rogar a Deus para que nos sensibilize quanto a esta questão, bem mais profunda do que foi possível comentar aqui. Se nos analisarmos e detectarmos alguma falta em nós mesmos, é melhor não colocarmos o dedo na ferida dos outros. Antes, será melhor cuidarmos de cicatrizar a nossa primeiro!
ELVIS BRASSAROTO, FONTE: REVISTA “DEFESA DA FÉ” ANO 9 – N° 72