Cientistas não acreditam em ETs

Cada vez que um ser humano contempla uma noite de céu estrelado, a primeira questão que lhe vem à cabeça diz respeito à existência de ETs e civilizações em outros planetas. Se há tantas galáxias no universo, por que só nós estaríamos aqui? Nos últimos anos, a curiosidade sobre o tema tornou-se quase obsessiva. O paleontólogo Peter Ward e o astrônomo Donald Brownlee, ambos da Universidade de Washington, acabam de jogar uma ducha de água fria no debate. Eles são os autores do livro Rare Earth – Why Complex Life Is Uncommon in the Universe (Terra Rara – Por que a Forma Complexa de Vida é Incomum no Universo), que alcançou o oitavo lugar entre os mais vendidos nos Estados Unidos. Com base nas descobertas científicas recentes, Ward e Brownlee sustentam que a hipótese de vida inteligente fora da Terra é quase nula. “Somos produto de um lance de sorte, uma combinação única de fatores que não se repetem em nenhum outro lugar do universo conhecido”, diz Ward. Ele explicou por que nesta entrevista a VEJA.

Veja – Por que o senhor é tão pessimista em relação à existência de vida fora da Terra? 

Ward – Primeiro é preciso esclarecer sobre que tipo de vida estamos falando. Se você estiver pensando em micróbios ou bactérias, há toda a probabilidade de que possamos encontrá-los fora da Terra, mesmo em nosso sistema solar. Acredito que existam microrganismos no subsolo de Marte ou embaixo da camada de gelo de Europa, uma das luas de Júpiter. Vida inteligente, porém, é outra história, muito mais complicada. Para chegar até ela, é preciso que os micróbios evoluam para formas de vida animal e depois desenvolvam inteligência. Tudo isso leva milhões e milhões de anos. A maior parte dos sistemas planetários hoje conhecidos não teve tempo para que isso acontecesse. Outro problema é que a manutenção de formas de vida mais complexas que uma lesma exige que um planeta atenda a uma série longa de requisitos, todos muito raros fora do sistema solar.


Veja – O astrônomo Carl Sagan, que tinha opinião contrária a sua, dizia que o fato de haver bilhões e bilhões de galáxias tornava muito provável a existência de vida inteligente em outros planetas. O senhor não leva esse dado em conta?

Ward – Não é só uma questão de probabilidade estatística. Para começar, são pouquíssimas as galáxias que podem hospedar formas superiores de vida. Tome como exemplo as de forma irregular. Elas surgem quando duas galáxias colidem. O resultado dessa colisão é um ambiente infernal. Seria impensável a existência de qualquer forma de vida num lugar desses. As galáxias elípticas também não servem, porque ali as estrelas são pobres em metais e substâncias químicas essenciais para a vida. Pequenas galáxias devem ser igualmente descartadas porque o interior delas é muito instável. Por fim, podemos esquecer as galáxias muito distantes, que são novas demais, ainda não tiveram tempo para formar planetas sólidos, como a Terra e Marte, e cuja composição química não favorece em nada a existência de vida. Então, sobra pouca coisa: apenas as galáxias em espiral, como a nossa Via Láctea.


Veja – Mesmo assim, há bilhões e bilhões de estrelas nas galáxias espirais.

Ward – Mas nem todas poderiam abrigar vida. O núcleo das galáxias é congestionado demais. A altíssima freqüência de explosões e colisões de estrelas faz dessas regiões um ambiente estéril do ponto de vista biológico. Se você pegar o lado oposto, mais próximo das bordas de uma galáxia, também não funciona. Nessas áreas, é muito baixa a concentração de elementos pesados, como carbono, ferro e sódio, todos fundamentais para a formação de planetas sólidos e para iniciar a fusão que aquece o interior desses planetas. Nossa galáxia tem um diâmetro aproximado de 85.000 anos-luz. O Sol está a cerca de 25.000 anos-luz do núcleo, na zona intermediária de um dos braços da Via Láctea. É uma combinação única, extremamente favorável à existência de formas de vida como a nossa. Tivemos muita sorte.


Veja – Por que essa combinação é única?

Ward – Para sustentar vida, um planeta não pode orbitar qualquer estrela. Muitas pessoas acreditam que o Sol é uma estrela comum. Isso está errado. Cerca de 95% de todas as estrelas têm massa menor que a do Sol. As mais numerosas em nossa galáxia têm apenas 10% da massa solar. São todas más candidatas a hospedar vida evoluída porque emitem pouca energia. Para conseguir calor suficiente, um planeta precisaria estar tão perto dessa estrela que entraria no que chamamos de rotação sincrônica. Um lado do planeta estaria sempre de frente para a estrela. A temperatura no lado escuro seria tão baixa que toda a atmosfera congelaria, impedindo a formação de vida animal.


Veja – E se a estrela for maior do que o Sol?

Ward – Também não serve. Nosso Sol tem o tamanho exato para ficar praticamente estável durante 10 bilhões de anos, tempo suficiente para a evolução de formas complexas de vida. Se a massa do Sol fosse apenas 50% maior, ele queimaria toda sua energia em apenas 2 bilhões de anos. No estágio final, antes de virar um gigante vermelho, seu brilho e calor aumentariam 1 milhão de vezes, incinerando os planetas mais próximos, inclusive a Terra.


Veja – Digamos que, garimpando muito bem, sobrem ainda cinco ou seis estrelas do tamanho do Sol. Apenas isso já não bastaria para derrubar sua teoria? 

Ward – Ainda não. Há uma infinidade de outros fatores que contribuem para a existência de uma forma superior de vida como a nossa. É preciso que o planeta não esteja sob bombardeio freqüente de cometas e meteoros. Isso só não acontece na Terra porque os planetas vizinhos lhe servem de escudo. O enorme campo gravitacional de Júpiter atrai boa parte da sujeira espacial que poderia destruir a Terra. Resolvido esse problema, a órbita do planeta candidato a abrigar vida precisa estar na distância correta em relação à estrela, de modo a manter água em estado líquido. A maior parte dos planetas está muito longe ou perto demais. Aqueles com pouca água não podem ter formas avançadas de vida. Os inteiramente cobertos por oceanos profundos também não são ideais.

Veja – Por que a água é tão essencial? 

Ward – O fato de haver águas rasas na Terra pode ter sido vital, em um certo momento de sua história, para o processo químico que formou grandes quantidades de calcário e retirou gás carbônico da atmosfera. Se isso não tivesse acontecido, a atmosfera de nosso planeta teria concentrações muito elevadas de gás carbônico. Como resultado, a temperatura seria excessivamente alta, acima de 100 graus Celsius. Num ambiente assim, os oceanos evaporariam e a vida na Terra terminaria de maneira catastrófica. Nosso planeta levou cerca de 2 bilhões de anos para formar oxigênio em quantidade suficiente para permitir a sobrevivência de animais. Além disso, a superfície passou por um longo período de estabilidade, que permitiu a existência contínua de água. A Terra só conseguiu desenvolver um ecossistema tão rico porque vem mantendo seus oceanos por mais de 4 bilhões de anos. E sempre em grau de acidez e salinidade que permite a formação de proteínas, a estrutura básica dos seres vivos.

Veja – Então, tudo se resume a uma questão de sorte? 

Ward – Sorte é, sem dúvida, uma razão para existirmos, mas há outros fatores. Veja o papel desempenhado pela Lua nessa história. Ela mantém um perfeito jogo de forças gravitacionais com a Terra e evita que nosso planeta oscile demasiadamente enquanto gira em torno do próprio eixo. Se não fosse pelo efeito estabilizador da Lua, não estaríamos aqui. Isso é muito raro. Em nosso sistema solar, só Terra e Plutão têm um satélite natural de bom tamanho. A diferença é que Plutão é um freezer perdido na escuridão, onde provavelmente a vida nunca florescerá.

Veja – E quanto às outras formas de vida, mais elementares, é possível haver seres não inteligentes em outros planetas? 

Ward – A respeito disso eu tenho poucas dúvidas. A forma mais antiga e abundante de vida na Terra é a microscópica. Ela surgiu há cerca de 4 bilhões de anos, tão logo o planeta resfriou e começou a apresentar as condições mínimas para a existência de vida. O fato de as primeiras bactérias terem aparecido aqui tão cedo sugere que não é difícil que elas brotem em qualquer outro lugar com a mesma facilidade.

Veja – Quais são as possibilidades de encontrarmos vida microscópica em Marte? 

Ward – Muito boas. Há 4 bilhões de anos, as condições em Marte eram bem mais favoráveis à vida do que são hoje. O planeta vizinho era mais quente, tinha uma atmosfera e até mesmo água na superfície. E, uma vez que formas microscópicas de vida se formam, é difícil que desapareçam. Uma das grandes descobertas recentes é que os micróbios podem ser encontrados em camadas profundas do solo, até a 1 quilômetro abaixo da superfície. Eles conseguem viver em material rochoso, a altíssimas temperaturas, e não precisam de muita energia. Por isso, o melhor lugar para procurar vida em Marte é no subsolo. Como a temperatura lá é mais alta do que na superfície, provavelmente há uma boa quantidade de água aprisionada no interior das rochas, inclusive em estado líquido. O Pólo Sul marciano tem um bom volume de água, embora em quantidade bem menor do que na Terra, é claro.

Veja – E em Europa, a lua gelada de Júpiter, é possível haver vida lá? 
Ward – Europa tem uma superfície coberta por uma camada de gelo. Há evidência de que, no fundo dessa crosta gelada, exista um oceano, com água em estado líquido. Lá também há boas chances de se encontrar microrganismos extraterrestres. Mas é praticamente impossível existir alguma forma mais evoluída de vida. Como a superfície é inteiramente coberta de gelo, não há como a luz chegar ao oceano líquido embaixo. O brilho do Sol nas imediações de Júpiter já é muito pálido. A única fonte de calor seria a atividade vulcânica no interior da própria lua.

Veja – Ao mostrar-se tão cético em relação à vida fora da Terra, o senhor não está subestimando a capacidade dos seres vivos de se adaptar a condições hostis? 

Ward – Até hoje não se descobriu um modelo tão eficiente para gerar e sustentar a vida quanto o DNA, código genético que compõe a base de todos os seres vivos na Terra. Nem a ficção científica conseguiu imaginar uma estrutura molecular tão maravilhosa para metabolizar energia, se reproduzir e evoluir. É preciso levar em conta também a anatomia. Veja o ET do cineasta Steven Spielberg. Biologicamente, a criatura que ele inventou não faz nenhum sentido. Era um bichinho muito fofo, sem dúvida. Mas um ser com uma cabeça tão grande e um pescoço tão fino para sustentá-la não poderia sobreviver. Os ficcionistas dariam péssimos cientistas.

Veja – O que lhe vem à cabeça quando contempla um belo céu estrelado?

Ward – Eu sempre me pergunto se há alguém lá fora. Diante de um céu estrelado, é fácil entender por que tantas pessoas acreditam em ETs e discos voadores. Como cientista, porém, eu tenho de lidar com fatos e dados concretos. E todos eles até agora nos dizem que provavelmente estamos sós no universo.

Veja – Nos Estados Unidos, cientistas sérios e renomados, ligados ao Programa de Busca de Inteligência Extraterrestre, Seti, tentam escutar sinais de rádio emitidos por seres extraterrestres. É dinheiro jogado fora?

Ward – A principal característica de nossa espécie é ser otimista e explorar o desconhecido. Da mesma forma como nos dedicamos à arte e à literatura, precisamos persistir em pesquisas arriscadas, de futuro incerto. Mas é preciso definir certas prioridades. A biodiversidade da Terra nunca correu risco tão grande como hoje. Antes de gastar muito dinheiro procurando ETs, deveríamos investir prioritariamente para manter as espécies de nosso planeta. O governo americano está gastando mais de 60 milhões de dólares no Seti, além dos 100 milhões de dólares investidos pela iniciativa privada. Esse dinheiro poderia ser mais bem aplicado em projetos que ajudem a proteger as florestas tropicais e os ecossistemas ameaçados.


Veja – Como o senhor reagiria se, amanhã ou depois, o projeto Seti realmente captasse sinais de vida inteligente fora da Terra? 

Ward – Antes de tudo, eu teria de pedir desculpas ao pessoal do projeto. Além disso, acho que nossa espécie seria profundamente transformada. Poucas questões filosóficas são tão instigantes e têm implicações tão profundas quanto aquela relacionada ao nosso papel no universo. Se estamos sós, é surpreendente. Se tivermos companhia lá fora, é mais chocante ainda.

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