Diante desses burburinhos, o CACP entrou em contato com o CERN (A Organização Européia para a Investigação Nuclear), que prontamente nos atendeu e nos indicou um dos físicos brasileiros envolvidos com o projeto. Esse é o Dr. Denis Damázio, que muito gentilmente se prontificou em esclarecer qualquer dúvida.
CACP: Dr. Denis Damázio fale-nos um pouco sobre a sua formação e seus projetos de vida.
Dr. Denis: Estudei Engenharia Eletrônica na Universidade Federal do Rio de Janeiro de 1993 ate 1998. Durante o último período da faculdade, comecei no mestrado na COPPE com a intenção de aplicar as técnicas de engenharia na física de altas energias. Acabei passando direto ao doutorado na mesma área e vim fazer uma parte do desenvolvimento da minha tese num dos subdetectores do ATLAS. ATLAS é um dos principais detectores de partículas que estuda as colisões produzidas pelo LHC. Também antes de sair do Brasil (ainda no tempo do mestrado – 1998/1999) trabalhei numa colaboração da UFRJ com a marinha Brasileira para o desenvolvimento de uma metodologia baseada em inteligência artificial para classificação de navios pelo seu som num sonar). Já no CERN (2000/2001), eu trabalhei também na aplicação de técnicas de inteligência artificial para classificação de partículas. Esse trabalho me rendeu varias publicações cientificas e a tese, defendida no final de 2002. Em 2003, fui trabalhar no Laboratório Nacional de Brookhaven nos Estados Unidos num sistema de detecção de raios cósmicos por ondas de rádio. O mesmo grupo tinha um envolvimento com ATLAS, e como eu havia trabalhado previamente no mesmo experimento, eles resolveram me enviar de volta ao CERN para trabalhar na montagem e manutenção do experimento. Nesse meio tempo, eu pude voltar ao projeto que mais me interessa, o sistema de seleção de eventos do ATLAS, o qual, atualmente sou um dos principais desenvolvedores de software.
Sou casado desde outubro de 1999 e nosso primeiro filho chegou a dois anos atrás. Uma segunda esta programada pra março do ano que vem.
CACP: Dr. Denis, como tem sido o envolvimento do Brasil nesse projeto tão grandioso?
Dr. Denis: O Brasil tem sido um grande colaborador apesar dos recursos disponíveis limitados. No ATLAS a colaboração é tão antiga que nem eu mesmo sei quando exatamente começou. O meu orientador de tese, o professor Jose Manoel de Seixas da UFRJ já estava no CERN em 1993, se eu não me engano. Atualmente, temos pesquisadores nas áreas de engenharia (especialmente da computação ou eletrônica) e física trabalhando no desenvolvimento do detector ou na parte de fenomenologia física do ATLAS. Pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora e de São Paulo juntaram-se recentemente ao ATLAS. A UERJ tem uma colaboração forte com o experimento CMS assim como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF – no Rio) tem uma colaboração com o experimento LHCb. Finalmente, a um ou dois anos atrás apareceu um grupo de Campinas trabalhando no experimento ALICE (mas pra ser sincero, não sei se essa colaboração continuou). Recentemente, foi criada a Rede Nacional de Física de Altas Energias (RENAFAE) com o objetivo de organizar um pouco esses diferentes esforços. Ainda não me parece muito claro o resultado deste instituto, mas a criação do mesmo é, por si só, um passo importante pra pesquisa brasileira.
CACP: Então a pergunta que não quer se calar – O LHC pode destruir o nosso Planeta como alguns acreditam? Seria o fim do mundo?
Dr. Denis: De forma alguma. Se o tipo de evento que nos vamos criar de forma artificial fosse perigoso, se, por exemplo, criasse um buraco negro que engolisse todo o planeta, o planeta já tinha desaparecido muito antes. Os eventos que nos vamos criar atingiram, se atingir, a energia de 14 x 10^12 eV (electron-Volts, uma medida de energia da física de altas energias). Ora, todos os anos muitas partículas com energia muito superior a esta (10^19 eV, ou seja, 10 milhões de vezes mais) atingem a nossa atmosfera (cerca de 1 partícula por Km2 da superfície terrestre por ano). A única diferença e que fazendo esses experimentos de forma controlada, podemos estudar seus subprodutos em maior detalhe (o que é impossível de se fazer na atmosfera…). Assim sendo, se ocorre na natureza, não ha razão para maior preocupação da população em geral.
É verdade que algumas teorias prevêem a possibilidade de se formar minúsculos buracos negros. Os mesmos emitiriam partículas e se dissolveriam antes mesmo de poder causar qualquer dano. Uma vez mais, isso não seria nada que já não aconteça na natureza.
CACP: Se os fatos são claros quanto a impossibilidade da destruição do nosso planeta ou de alguma catástrofe, por que há cientistas afirmando o contrário e com tanta veemência?
Dr. Denis: O Laboratório americano para o qual eu trabalho sofreu o mesmo tipo de pressão quando, graças a altíssima concentração de partículas (lá o mais importante não é a velocidade ou energia da partícula, mas a quantidade de partículas num volume pequeno). Dois pesquisadores do Havaí também fizeram o mesmo alarde. A impressão que da é que são pessoas interessadas em aproveitar a “onda” de publicidade que esta acontecendo. Com relação ao LHC, graças a publicidade extra advinda do livro/filme “Anjos e Demônios”, estamos sofrendo uma pressão muito maior. Ainda mais que o livro fala em destruição causada por um “aparato” criado pelo CERN. Na verdade, esse aparato por si só não tem menor sentido. Foi criada até uma pagina no CERN para explicar para a sociedade que muitas das premissas do filme são muito interessantes na ação do filme em si, mas não tem qualquer embasamento cientifico. Quando da inauguração do experimento LEP (nos anos 80 no CERN), apenas as pessoas realmente interessadas tinham acesso a essa informação. Apesar de grandes incertezas, não houve nenhuma discussão a esse respeito na época (que eu saiba. Estava na escola nessa época!).
Outro ponto que também chama muito a atenção é o fato da partícula que estamos a procura, o Boson de Higgs, ter sido apelidado de a “partícula de Deus”. Creio que o apelido foi criado primeiro porque dada a dificuldade de encontrar a partícula (o antigo LEP já a procurava), lembra um pouco a procura do cálice sagrado ou algo do gênero. Bem, a tal partícula é difícil mesmo de se achar (e alguns acham mesmo que ela não existe), despertando a curiosidade. A segunda razão, parece-me, pode ter sido para trazer mais publicidade para o tópico. O problema é que, ao misturar ciência e religião, dadas as paixões que despertam ambos os tópicos, podemos acabar numa discussão muito além da questão exata de se encontrar ou não uma entidade com sentido físico.
CACP: O Dr. Walter L. Wagner afirma que os mini buracos negros formados no interior do LHC irão se agrupar e assim juntos formarem um grande buraco com força suficiente para engolir a Terra – teria isso alguma possibilidade?
Dr. Denis: Não conhecia o nome desse pesquisador e suas teorias. Li algumas de suas teorias da internet, aonde todas estão muito bem divulgadas e com seu nome referenciado. Não conheço toda sua obra assim, pode ser um pouco injusto julgar. Me parece, entretanto, que o argumento que tal tipo de evento acontece de forma não destrutiva na natureza sobrepõem seus argumentos para tentar achar um buraco (negro?!) na teoria. Os eventos que estaremos gerando no LHC são raríssimos (mesmo durante as mais intensas colisões as probabilidades que um evento de buraco negro ocorra é bastante baixa) e tais eventos acontecem de forma independente entre si (alguns centímetros de distancia). Assim, a possibilidade que numa mesma colisão dois buracos negros se formem de forma próxima suficiente para que eles se agrupem em escala não microscópica e que isso possa representar algum risco é realmente desprezível.
CACP: Quais os avanços que essas novas descobertas da física poderão, de maneira pragmática, trazer para a sociedade como um todo?
Dr. Denis: Eu sempre respondo esse tipo de pergunta pensando no começo do século 20. Nessa época, pesquisadores como Rutherford bombardeavam finas folhas de metal (ouro) com partículas alfa vindas da decomposição de matérias radiativos, como, por exemplo, o Urânio. Na verdade, esse pesquisador estava fazendo uma das primeiras experiências tais com as que fazemos atualmente. O Urânio, ao emitir diferentes tipos de partículas durante sua desintegração, funciona como um acelerador natural de partículas. A folha de Ouro, funciona como um detector de partículas. Graças a uma experiência a principio sem muito sentido pratico direto como esta, obteve-se uma compreensão profunda do modelo atômico (um núcleo ao centro com elétrons girando a volta). Dai partiu-se para um controle maior dos elétrons em si e dai chegamos (cerca de 40 anos depois) ao transistor. Finalmente, atingimos a nossa sociedade da era da informação que temos hoje em dia. Assim sendo, a pergunta em si me parece um pouco difícil. A verdade é que todo aumento de conhecimento é benéfico, mesmo que só o seja daqui a 40, 100, 200 anos. Para não deixar, entretanto, de dar uma resposta mais concreta, posso citar algumas das pesquisas ou instrumentos desenvolvidos no CERN é que tiveram conseqüências praticas na vida de todos. O mais famoso é o sistema de paginas da internet. O WWW. Foi inventado aqui no CERN com o objetivo de facilitar a comunicação de pesquisadores dispersos no mundo todo através dos Hyper-Documentos. Não acho necessário comentar o impacto desse desenvolvimento na vida de todos. Mais diretamente ligados a pesquisa em si, saiu um artigo recente sobre a utilização de pequenos aceleradores de partículas em clinicas de tratamento de câncer. Um feixe de partículas com energias mais altas é capaz de queimar melhor e de maneira mais precisa um material. O alvo fica mais bem definido em mais alta energia.
Da parte de detectores, posso citar que as mesmas técnicas usadas para detectar partículas interessantes na grande densidade de partículas produzidas a cada colisão do LHC (por exemplo, as técnicas usadas no detector de silício do ATLAS) estão sendo usadas atualmente para realizar radiografia digital, com implicações médicas importantíssimas. O mesmo é feito pelo detector de pixels que esta sendo usado num projeto de tomografia computadorizada. Junto com técnicas de PET-scan, podem ajudar a isolar tumores facilmente e de maneira menos intrusiva. Existe ate um projeto para se criar um olho artificial que poderia ajudar deficientes visuais a voltar a enxergar.
Além de todos estes exemplos (eu realmente tentei resumir ao Máximo), a simples formação de vários pesquisadores (como eu, por exemplo), já é muito importante. Muitos vão trabalhar em pesquisa médica tecnológica e até no mercado financeiro. Essa talvez seja a contribuição de maior importância pró – experimentos: aqueles que não ficaram trabalhando no mesmo, mas levaram a experiência acumulada.
CACP: Suas considerações finais:
Dr. Denis: Espero ter ajudado a divulgar a informação importante de que a pesquisa realizada no CERN é uma pesquisa benéfica pra humanidade e livre de riscos. A nossa própria segurança (nos que estamos na linha de frente desses instrumentos de pesquisa) é um fator que não é de forma alguma negligenciado. É natural, dadas as ambições e também as esperanças depositadas nesse experimento, que certa ansiedade apareça. É também uma característica humana que o medo do desconhecido leve a atitudes extremas. Espero que o maior problema que tenhamos seja realmente algumas noticias de jornal que logo serão esquecidas quando os resultados começarem a aparecer.
Dado o longo tempo que levei pra responder estas perguntas, posso dizer que o acelerador foi finalmente ligado em fins de Novembro e embora tenha operado a baixíssima energia como previsto para o inicio da operação, já tivemos vários eventos sendo detectados pelos nossos detectores. O acelerador foi parcialmente desligado em fins de dezembro já que o CERN não funciona durante o Natal/Ano Novo. A experiência deve retornar em mais alta energia em meados de fevereiro.
Um grande abraço, Denis Damazio
O CACP agradece a sua entrevista.