Celibato

Durante o ano de 2003, o mundo inteiro tomou conhecimento dos últimos fatos ocorridos nas entranhas da assim chamada ‘Igreja Católica Romana’, com a notícia estampada nos principais jornais do mundo sobre o escândalo dos padres pedófilos. O homossexualismo sempre se fez presente no meio do clero regular (religiosos) e no clero secular(diocesano), mas sempre abafado pela alta hierarquia da Igreja de Roma, também não tão ‘santa’ assim.

Não é de agora que a chamada ‘Igreja Católica Romana’ é alvo das mais severas denúncias de desvios sexuais entre os componentes de seu clero. O silêncio das ‘conveniências’ tem falado mais alto em determinados momentos. Há séculos e séculos a Igreja de Roma vem mantendo ‘segredo’ sobre os casos de contínuos abusos sexuais entre padres, bispos, cardeais e, até mesmo papas, envolvendo garotos, rapazes crescidos e adolescentes. É o homossexualismo correndo solto nas clausuras, corredores das sacristias e, até mesmo, em confortáveis motéis.

O homem é um ser-no-mundo. À medida em que se ausenta do mundo torna-se infiel a si mesmo e ao Evangelho. Se estiver ausente do esforço dos outros homens na construção de sua cidade terrena, será inexistente e marginal para eles. E se quiser construir para si uma cidade diferente da deles torna-se nocivo e rejeitado. Se o homem quiser ser aceito, se quiser ser útil, se quiser existir, deve sair de si mesmo, integrar-se no mundo, no concreto, no real, no dia-a-dia. Na medida em que seu suor se misturar ao dos homens, estes o reconhecerão, lhe darão direito à vida e crerão na sua mensagem. Ora, é justamente este quadro que torna o padre católico romano um marginalizado. A formação que recebeu não lhe possibilita uma inserção real no mundo. Encontra-se fora dele. O mundo da técnica o exclui. Ignora a sua existência. É um homem à parte, indefinido, sem nome e sem profissão e também não tem família. Fora das categorias válidas e existentes. Uma espécie de parasita, que não produz e não constrói na linha da eficiência material e humana. Não tem um ‘status’ reconhecido. Seu serviço não é requerido por nenhum quadro social. Sua inserção no mesmo é mais tolerada do que aceita ou pedida. Esta é a situação de todo membro do clero romano – quer regular, quer secular.

O costume do celibato teve um desenvolvimento lento, gradual. Uma olhada nas páginas das Sagradas Escrituras seria o bastante para se verificar que o ascetismo anormal já se manifestava no tempo do apóstolo Paulo, o qual foi condenado por ele: “…alguns apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios, pela hipocrisia de homens que falam mentira e têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento, e ordenam a abstinência de alimentos…” (I Tm 4.1-3), e novamente

Paulo afirma: “Têm, na verdade, aparência de sabedoria, em culto voluntário, humildade fingida, e severidade para com o corpo, mas não têm valor algum contra a satisfação da carne.” (Col. 2.23). Tais práticas já existiam no Oriente, e eram especialmente desenvolvidas no Budismo que já possuía monges e freiras muito antes da era cristã.

Do século quatro em diante o ascetismo tomou forma e vulto e, dentro de algum tempo, apesar do vigoroso protesto, veio a se tornar regra geral no clero romano. No Concílio de Nicéia, em 325, decidiu-se que os ministros da Igreja não poderiam casar depois de ordenados. Isto, porém, não impedia a ordenação de homens que já fôssem casados. O Concílio espanhol de Elvira( ano 304) criou decretos contra o casamento do clero. Estes decretos, entretanto, foram de extensão limitada e quase nenhum esforço mais sério foi feito para pô-los em vigor. Inocêncio I, ano 417, (Albano), decretou o celibato do sacerdotes, mas não teve aceitação geral. Patrício da Irlanda, que morreu em 461, considerado ‘santo’ pela Igreja de Roma, declarou que o seu avô era padre. Mas a assim chamada ‘Igreja Católica Romana’ foi persistente na exigência de um sacerdócio celibatário, tanto que, no ano de 1079, sob a mão forte de Gregório VII – Ildebrando di Bonizio – o celibato foi novamente decretado e foi razoavelmente posto em vigor, embora aquele papa não pudesse controlar todos os abusos existentes. Os papas Urbano II (1088-1099) – Odon de Logery – e Calixto II (1119-1124) – Guide Borgonha, arcebispo de Viena – lutaram com determinação contra o concubinato do clero. O decreto do Primeiro Concílio de Latrão (1123), decretou inválido o casamento de todos aqueles que estavam nas ordens sacras, e o Concílio de Trento (1545) fez sérios pronunciamentos sobre o celibato do clero. Conforme aqueles decretos, um sacerdote romano que se casasse incorria na excomunhão e ficava impedido de todas as funções espirituais. Um homem casado que desejasse vir a ser um sacerdote, tinha que abandonar a sua esposa, e esta também tinha de assumir o voto de castidade ou ele não poderia ser ordenado padre.

De acordo com a Lei Canônica, o voto do celibato é quebrado quando o padre se casa, mas não necessariamente quando este tem relações sexuais. A Igreja de Roma proíbe seus sacerdotes de casarem-se, mas não interfere na vida particular deles. Daí existirem tantos padres homossexuais declarados, exercendo o sacerdócio, normalmente. O celibato, como se pode verificar, na prática, nada tem a ver com a castidade. E o perdão para as relações sexuais – heterossexuais ou homossexuais – praticadas pelos elementos do clero, pode ser facilmente obtido a qualquer hora através da confissão auricular a qualquer outro padre seu igual, quem sabe, não muito ‘casto’ tanto quanto o penitente!

É fácil perceber por que os papas são tão insistentes no reforço da lei do celibato para os componentes do clero católico romano. Não sendo casados e nem tendo família, poderiam ser facilmente transferidos de uma paróquia para outra ou a diferentes partes do mundo. A propriedade dos clérigos, que em alguns casos é bem considerável, e que se fossem casados passariam para a família, cái automaticamente nas mãos da “santa madre igreja” ou é herdada por ela no todo ou em parte. Portanto, os motivos do celibato obrigatório adotado pela Igreja de Roma são tanto eclesiásticos como econômicos.

A lei do celibato da Igreja de Roma (latina ocidental) é, indubitavelmente, apenas eclesiástica e não de direito divino. Havendo colisão entre o direito divino da comunidade e o dever eclesiástico do padre, a solução do conflito deveria ser a seguinte: a obrigação eclesiástica deveria ceder ao direito divino. As chamadas ‘razões teológicas’ da Igreja de Roma para submeter o seu clero à absurda lei eclesiástica do dever do celibato, devem ser buscadas, de preferência, nas contradições íntimas dessa lei, que a fazem parecer questionável em si mesma, uma vez que contraria o direito divino.

A Igreja de Roma usa como base teológica de suas argumentações Mt. 19.10-12. Mas, numa exegese mais acurada, o texto mostra que não se pode exigir o celibato por lei. Na verdade o que Jesus exprime aqui é muito menos um conselho do que os pressupostos para que alguém possa escolher o celibato; “Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido” (v.11) . Os resultados da discussão sobre esta palavra do Senhor podem ser resumidos da seguinte maneira: na redação final de Mateus, a palavra do Senhor está associada a um alto e restrito padrão para o casamento que teria sido o responsável pelo desencanto dos discípulos – “não convém casar” (v.10). Daí o Senhor Jesus lhes dizer: “Nem todos podem receber esta palavra” isto é, a declaração dos discípulos. Ainda que, às vezes, o casamento possa não ser o ideal nem todos os homens são constituídos de forma a poderem se abster. Os vv. 11 e12 querem dizer que há alguns que são capazes de se conformar com a idéia dos discípulos, não se casando. E o Senhor Jesus prossegue: “ Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos, por causa do reino dos céus”. A má compreensão destas palavras, que foram tomadas literalmente nos tempos de ascetismo, motivou tragédias, de quando em quando, no decurso da história cristã. As palavras referem-se a abstenção do casamento por causa do evangelho. O NT ensina o valor do celibato. João Batista, Paulo e o próprio Senhor Jesus podem ser citados como exemplos de celibatários. Tanto Paulo (I Cor. 7.7) quanto o Senhor Jesus (Mt. 19.12) indicam que semelhante celibato é um dom de Deus, não dado a todas as pessoas. Os que recebem o dom devem abrir mão do casamento, visando maior liberdade e menor envolvimento mundano para servir a Deus. Isto não significa que casar-se é pecado, conforme Paulo indica em I Cor. 7.9, 28, 36, 38. Aliás, Paulo diz que proibir o casamento é considerado diabólico (I Tm 4.1-3). A expectativa normal é de que os líderes da igreja sejam casados e tenham uma família exemplar (I Tm 3.1-3; Tt 1.6). “Quem pode receber isto, receba-o”, disse o Senhor Jesus. Parece que o Senhor se refere à observação dos discípulos, no v. 10, e não à indissolubilidade do casamento. Este verso não glorifica a vida celibatária, mas implica que somente os que são verdadeiramente eunucos podem aceitar o pensamento dos discípulos. Aqueles que podem abandonar todo o desejo de casamento por causa do reino dos céus podem ser chamados a uma vida celibatária. Caso não possa fazer isso, o homem deve casar-se normalmente. Em Mt. 19.12 não se exorta ao pedido do dom do celibato, admoesta-se, pelo contrário, a não abraçá-lo sem o dom correspondente. O que pode estar em jogo aqui é somente reconhecer e aceitar o dom (“castraram a si mesmo”), concordar com o dom e colaborar com ele, mas não obtê-lo à força de oração, conforme declaram os asseclas papistas.

O desejo de Paulo (I Cor.7.7) de que todos pudessem ser celibatários frustra-se na maneira como Deus diversifica seus dons aos crentes (I Cor. 12.4). E com efeito esta doação sobrenatural é apresentada aqui também como feita de antemão: “cada um tem (presente) de Deus o seu próprio dom, um de uma maneira e outro de outra”. Se nesta situação se pudesse mudar alguma coisa por meio da oração – como assim prega a Igreja de Roma – o desejo de Paulo seria realizável e ele não teria escrito o grande “mas”, teria, pelo contrário, exigido a oração, como o fez em I Cor. 12.31, ao falar da concessão de outros dons: “Portanto, procurai com zelo os melhores dons”. Se não o faz aqui é porque o dom (carisma) do celibato é dado de antemão, cabendo apenas reconhecê-lo e não, evidentemente, tentar conseguí-lo pela oração e atos de penitência – conforme ensina a Igreja de Roma, por lei eclesiástica. Por certo que a continência como fruto do Espírito (Gl. 5.22) pode ser pedida segundo Gl 5.23, mas ela é também necessária temporariamente às pessoas casadas ( I Cor. 7.5; Tt. 1.8) e não pode ser colocada no mesmo nível do celibato vocacional em vista do reino dos céus, o qual implica até a renúncia aos valores espirituais do casamento e da família. Das passagens de Mt 19.11 ss e I Cor 7.7 conclui-se, portanto, que o celibato, por causa do reino dos céus, não depende da livre vontade do crente e, em conseqüência, não pode ser ordenado por lei eclesiástica, mas é um dom de Deus que não é concedido a todos.

As primeiras justificações dadas no século IV para a proibição de ainda gerar filho no casamento válido de padres são marcadas, evidentemente, de ojeriza ao corpo e ao casamento. Supondo-se que o cân. 33 do Concílio de Elvira (por volta do ano 304 ou 306) não deva ser interpretado como o inverso de uma proibição da abstinência, foi este Concílio (caso contrário, o de Ancyra, ano 314) que proibiu pela primeira vez a continuação do casamento após a ordenação: “Aprouve totalmente… proibir os padres: (eles devem) conter-se e não gerar filhos” – “Placuit in totum prohibere episcopis, presbyteris et diaconibus abstinere se a coniugibus et non generare filios”. O texto é em si contraditório. Mesmo que não tenha sido indicada nenhuma fundamentação, a proibição cai sob o veredito de I Tm 4.2-3.

Na carta do Papa Siríaco a Himério de Tarragona (10.02.385), há, no entanto, uma clara fundamentação da proibição: É um “crime” ainda gerar filho muito tempo depois da ordenação, mesmo “da própria esposa”; “estejam todos os padres e levitas obrigados, por uma lei indissolúvel, a consagrar-se à castidade de coração e de corpo desde o dia da ordenação”… pelo que o ato da geração é tido como impuro; sejam os transgressores “afastados do estado sacerdotal e nunca mais possam celebrar os sagrados mistérios dos quais eles mesmos se privaram, ao satisfazerem apetites obscenos”. Numa visão hodierna tal lei já não pode reclamar nenhuma validade, pois além de contestável em sua fundamentação, atinge a essência do casamento, garantido por direito divino, ao querer retirar dos sacerdotes católicos romanos “o direito ao corpo em ordem àqueles atos que são próprios da geração de filhos”( C.I.C.- Codicem Iuris Canonici), cân. 1013, $ 2). Baseado nesta premissa, direito eclesiástico não pode invalidar direito divino!É igualmente contestável a singular fundamentação que o II Concílio de Latrão (ano 1139) deu, ao estabelecer o casamento como impedimento para a ordenação sacerdotal, o que constitui a formulação decisiva e até hoje válida da lei do celibato: até hoje o celibato não é, sob o ponto de vista legal, um princípio de escolha e sim um impedimento absoluto para o casamento. O tal Concílio considera nulos casamentos de padres, os já feitos e os que se celebrem no futuro, “a fim de que a lei do celibato e a pureza agradável a Deus se difundam entre os eclesiásticos…”. Se a pureza agradável a Deus é para ser alcançada apenas fora do casamento, o Concílio está dizendo com isso, indiretamente, que é impura a doação matrimonial, o que corresponde, aliás, à doutrina teológica da Idade Média. Mas assim o Concílio contradisse sua própria doutrina sobre a ‘sacramentalidade’ de seus ‘sacramentos’, quando diz: “…aqueles que, sob a aparência de piedade, condenam o sacramento da Eucaristia, do Batismo das crianças, da ordenação sacerdotal e do matrimônio legítimos, nós os repelimos como herejes”. Portanto a lei de 1139 conflita com o dogma católico romano e ao mesmo tempo com o direito divino, ao separar casamentos tidos como válidos até então, contrariando o que diz Mt. 19.6: “Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem”, vedando, além disso, aos padres, de maneira completa, o direito divino ao casamento. Uma “ecclesiastica regula” (lei eclesiástica) – e como tal se caracteriza a lei do celibato de 1139 – não pode jamais revogar um direito divino, conforma C.I.C., cân. 6, $ 6 – “Nullum ius humanum contra ius divinum praevalet”. Em assim sendo, deve ser considerada nula!

É bom ressaltar que o Concílio de Trento (1545) não decretou nenhuma lei nova sobre o celibato, apenas confirmou o que já estava em vigor até os dias de hoje. O C.I.C. leva em conta que para o celibato é necessário um “dom e carisma particular de Deus”, o qual, segundo Mt 19.11 “nem todos têm”, mas ao contrário determina que os clérigos de ordens maiores “estão impedidos de casar-se” (cân. 1072). É a antiga proibição do casamento de 1139, umas das “obrigações” impostas por lei ao estado sacerdotal, e não um princípio de escolha somente para aqueles que receberam o dom do celibato. A Igreja de Roma reafirmou, no Concílio Vaticano II e repetidamente no sucessivo assim chamado “Magistério Pontifício”, a “firme vontade de manter a lei que exige o celibato livremente(???) escolhido e perpétuo para os candidatos à ordenação sacerdotal no rito latino” (João Pau1o II, Exort. Ap. post-sinodal Pastores dabo vobis, 29: l.c 704; cf. Conc. Ecum. Vat.II, Decr. Presbyterorum Ordinis, 16; Paulo VI, carta enc. Sacerdotalis coelibatus (24 de junho de 1967),14; C.I.C. cân. 277, $ 1).

Há uma palavra da Escritura Sagrada que é de suma importância para a crítica da lei eclesiástica do celibato. Está em I Cor. 9.5: “Não temos nós direito de levar conosco uma esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?”. Neste versículo, que pouco ou quase nada incomoda a Igreja de Roma, Paulo fala de seu direito de apóstolo, do direito que lhe compete como aos demais apóstolos, mesmo que a ele renuncie. E na verdade trata-se aqui não somente do direito ao imposto eclesiástico (I Cor. 9.4), como o Senhor tinha dito: “… comendo e bebendo do que eles tiverem, pois digno é o obreiro de seu salário… em qualquer cidade em que entrardes, e vos receberem, comei do que vos for oferecido” (Lc. 10.7-8), mas Paulo está pensando também no direito de levar consigo uma esposa. Este direito, igualmente ao anterior, remonta ao Senhor, é, portanto jus divinum , pois nenhuma outra autoridade além do Senhor poderia atribuir aos apóstolos qualquer direito apostólico. Isso ressalta também do contexto. Em I Cor. 9.1 Paulo diz: “Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Não vi a Jesus Cristo Senhor nosso? Não sois vós a minha obra no Senhor?” e conclui, resumindo: “Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho” (I Cor. 9.14)

O conteúdo do direito do Cap. 9.5 é de ser o apóstolo acompanhado de uma esposa. Disto há uma prova de fato, uma prova de tradição e uma prova lingüística. A prova de fato: Pedro-Cefas era casado, segundo o testemunho de Mc. 1.30. Nesta passagem cita-se a sogra de Pedro que estava doente e que Jesus a curou. O irmão de Jesus, Judas Tadeu, era casado, segundo Eusébio – História da Igreja III, 20, 1-5 – pois tinha dois netos. Segundo o mesmo livro – III, 31, 2-3 – era também casado o apóstolo Filipe, pois tinha três filhas. Sabemos por I Cor. 9.5 que eles, mais tarde, “levaram” novamente consigo suas esposas, embora durante a vida de Jesus “tenham deixado tudo para segui-Lo” (Mt. 19.27). Uma outra que não a esposa não pode ter estado a acompanhar o apóstolo, pois um fato destes, ontem como hoje, só teria suscitado suspeitas! Ademais, uma outra mulher não constituiria objeto de um direito do apóstolo: só o casamento dá a um homem o direito a uma mulher; não há direito a uma servidora, nem mesmo para um apóstolo, pois o Senhor disse: “Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc. 10.45) e “Não é o discípulo mais do que o mestre, nem o servo mais do que o seu senhor” (Mt. 10.24). Entre os direitos especiais dos apóstolos conta-se aqui o direito ao casamento, porque as mulheres não somente lhes prestavam ajuda na pregação do Evangelho, mas também eles podiam utilizar os bons ofícios de suas esposas na manutenção das comunidades, o “beber e o comer” do v. 4. Em si, porém, o direito ao casamento é um direito bíblico natural e universal (Gn. 2.18-24; Mt 19.4-6). É deste direito que Paulo falara expressamente há poucos capítulos antes: “…por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (I Cor. 7.2). Estando pois estabelecido o direito fundamental, não precisava Paulo tecer maiores considerações a respeito no cap. 9.

A prova da tradição: Os mais antigos Pais da Igreja traduziram, sem exceção esposas por uxores. Só mais tarde é que se manifestam opiniões diferentes. Escrevendo por volta de 204, diz Tertuliano em De exh. Cast. 8: “Era permitido, até aos apóstolos, casar-se e levar consigo esposas”. Mais tarde, por influência do Montanismo, ele mudou de opinião. Clemente fala no Paedagogos II, 1,9 “do acompanhamento das esposas”, como de um “uso” da criação moralmente indiferente, permitido portanto, tal como o “comer e o beber” de I Cor. 9.4. Hilário de Poitiers (falecido em 367), em seu Comentário dos Salmos, interpreta o versículo da mesma maneira que Tertuliano no sentido de que está expresso aqui “o direito de os apóstolos se casarem” (portanto, não é apenas o direito de continuarem casados, se já o eram antes do chamado): “ao louvar a continência, o apóstolo não põe obstáculo ao direito de casar-se… não temos nós o direito de levar esposas?” É bom ressaltar que Hilário, além de padre é doutor da Igreja, e sua palavra tem, por conseguinte, um grande peso! Enfim, Jerônimo, escrevendo contra Helvídio em 383 (Adv. Helvidium, 11), ainda traduz, como seu adversário, por: “uxores circumducere”, “levar esposas” mas 10 anos mais tarde (393) já está sob a influência da legislação latina sobre o celibato, e em Adv. Jovinianum 1,16 a tradução “uxores” é substituída por “mulieres”, isto é, mulheres “que ficavam a serviço dos apóstolos, com a permissão deles, da mesma maneira que… teriam servido ao Senhor (Lc. 8.2-3). Neste “subterfúgio” encalhou a exegese posterior…

Por último, vale como prova a seguinte regra lingüistica: quando, numa construção gramatical, uma mulher está em referência de posse a um homem, significa sempre no NT a mulher casada, como entre nós, “minha mulher” é a mulher casada (por exemplo I Cor. 7.2 – “sua própria mulher”. Desta maneira, as mulheres acompanhantes de I Cor 9.5 são, no uso lingüistico do NT, eram as esposas dos apóstolos. Se, portanto, a Bíblia assegura ao apóstolo o direito de se fazer acompanhar de uma esposa, direito a que pode renunciar mas não está obrigado, a proibição eclesiástica de os padres se casarem repousa em pés de barro…

Sobre a proibição do casamento recai a sentença de I Tm 4.3: não é inspirada pelo Espírito Santo mas por demônios! O juramento de estar agindo livre e espontaneamente, conforme o atual Código de Direito Canônico, também em nada alterou a lei de 1139, porque também aqui a preocupação não é com o carisma (dom), mas em “manter a lei”. Uma lei injustificável em si mesma não pode, no entanto, ser legitimada por obediência voluntária. O Concílio Vaticano II acentuou a necessidade do carisma, mas reforçou ao mesmo tempo em “manter a lei” que “exige o celibato” a todos os clérigos ordenados. O Concílio, ou está forçando todos os clérigos católicos romanos a cumprir a lei, mesmo sem carisma, o que não é possível segundo Mt 19.11 e I Cor 7.7 ou então, contrariando afirmações do Novo Testamento de que Deus vocaciona também ao ministério pessoas casadas, quer forçar a Deus, por meio de uma lei injustificável, a dar o dom ou carisma do celibato a todos os vocacionados. Mas a Deus, que “repartindo particularmente a cada um como quer” (I Cor 12.11), ninguém pode forçar, nem mesmo por oração, a fazer aquilo a que exorto o Concílio Vaticano II.

A assim chamada ‘Sagrada Congregação para o Clero’, ao lançar para o mundo inteiro o “Diretório para o Ministério e a Vida do Presbítero” , assinado pelo Prefeito daquele Dicastério, Cardeal José T. Sanchez, na Quinta-Feira Santa de 1994, assim se expressou sobre a “motivação teológica e espiritual da disciplina eclesiástica sobre o celibato”: “Este, como dom e carisma particular de Deus, requer a observância da castidade perfeita e perpétua por amor do Reino dos céus, para que os ministros sagrados possam aderir mais facilmente a Cristo com coração indiviso e dedicar-se mais livremente ao serviço de Deus e dos homens”.

Infelizmente, não é esta a prática que recentemente veio inserida nas manchetes, em letras garrafais, das nossas revistas semanais! Hoje, o grande problema e vergonha da Igreja de Roma, o seu calvário, é, sem sombra de quaisquer dúvidas, o seu próprio clero – regular ou secular! De nade vai adiantar o Papa João Paulo II ter chamado recentemente cerca de 12 cardeais para decretar tolerância zero em suas entranhas, contra a pedofilia e homossexualismo de seus ministros, mesmo que venha adotar severas normais contra estas práticas e crimes sexuais, se a causa maior não for extirpada do seu meio: o celibato obrigatório por lei eclesiástica. Por causa destes escândalos que agora têm se tornado rotineiro nos arraiais romanistas, a decadência da Igreja de Roma é visivelmente notória, pois o censo de 2000 recentemente divulgado pelo IBGE e amplamente divulgado pela imprensa nacional, veio demonstrar o decréscimo do número de católicos no Brasil – considerado até então o maior país católico do mundo! Não dá mais para esconder ou encobrir a vergonhosa homossexualidade entre religiosos católicos com os filhos de seus paroquianos. Quanto a fatos não há contra-argumentos, diante da face oculta dos que um dia ousaram manipular os desígnios da Igreja de Cristo em usufruto próprio.

Fonte:

PR. José BARBOSA de Sena NETO. pastor batista (ex-sacerdote católico romano
missionário)

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