NOTA: O texto abaixo foi extraído de um PDF do livro “Contra o Calvinismo” de Roger Olson e por causa disso temos muitas lacunas no texto, e também tivemos que tirar as nota de rodapé. Nossa intenção é apenas aguçá-lo para adquiri o livro. Boa leitura.
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FREQUENTEI UMA ASSOCIAÇÃO profissional de teólogos cristãos na qual um acadêmico calvinista preeminente e teólogo reformado leu uma dissertação acerca da teologia calvinista. Em nenhum lugar ele mencionou as doutrinas da providência meticulosa (de que Deus controla todos os acontecimentos incluindo 0 pecado e o mal) ou a predestinação. Na verdade, todo o esquema da TULIP estava completamente ausente de sua descrição da teologia de Calvino. A ênfase estava preferivelmente na gratidão para com Deus como o grande tema de Calvino. Durante 0 período de discussão que se seguiu eu perguntei ao acadêmico por que ele não havia dito nada concernente à doutrina de Calvino da soberania divina absoluta e toda abrangente. Ele respondeu quase que condescendentemente que tal faceta não é parte essencial da teologia de Calvino ou da teologia reformada. Essa resposta surpreenderia a muitos calvinistas jovens, incansáveis e reformados! Minha experiência é a de que a maioria deles se especializa nesta doutrina; ela é para eles a doutrina de grande conforto e o motivo pelo qual eles, em primeiro lugar, abraçaram 0 calvinismo. Alguém me disse que ele teve uma segunda conversão — sendo esta segunda conversão ao calvinismo em razão de uma repentina e impressionante experiência de conforto e de acreditar que a salvação é um ato plenamente de Deus e que não tem nenhuma relação com suas decisões, exceto 0 fato de Deus lhe conceder o dom da fé para crer em Jesus Cristo. Para outros jovens calvinistas (e outros) a forte doutrina da soberania de Deus permite ao mundo caótico fazer sentido — tudo faz parte do desenrolar de um plano mestre divino.
Em suma, a maioria dos participantes no movimento do novo calvinismo acredita firmemente que a soberania absoluta de Deus, que exclui a contingência e 0 livre-arbítrio, é central a sua recém-descoberta fé reformada. Será um choque para eles descobrir que “reformado” é essencialmente um conceito contestado. O que eles estão chamando de “reformado” não é a única versão da tradição reformada e é ainda mais debatível se o que eles estão chamando de calvinismo era acreditado em sua totalidade por Calvino.
Antes de mergulhar em minha crítica ao calvinismo, cabe a mim explicar com a maior cautela e acurácia possíveis qual calvinismo estou criticando e qual teologia reformada eu sou contra. Mas as próprias categorias são utilizadas de maneiras tão diferentes por diferentes teólogos e historiadores que é difícil tratar estes termos como caixas (pacotes)— categorias fechadas na qual cada crença ou se encaixa plenamente ou não se encaixa. Há muita fluidez e ambiguidade nestes termos e os fenômenos que eles descrevem. Comparo a situação a tentar separar conceitos tais como “liberal” e “conservador” na vida política estadunidense. Dizem que os republicanos são conservadores. Entretanto, historicamente, muitos dos primeiros republicanos eram radicais. Abraham Lincoln foi um dos primeiros republicanos dos Estados Unidos e foi um infame iconoclasta e destruidor do status quo. Por conseguinte, ele foi tudo exceto conservador em qualquer sentido comum da palavra. Durante a década de 60 vários políticos republicanos preeminentes eram notáveis liberais política e socialmente. Nelson Rockefeller (1908 – 1997) foi vice-presidente de Gerald R. Ford e foi famoso por ser, de certa forma, liberal. Entretanto, ele foi 0 líder do partido republicano. Também durante as décadas de 60 e 70 muitos democratas, principalmente do sul, eram arquiconservadores política e socialmente. Eram chamados de “Dixie Democrats”* e, às vezes, “Boll Weevil Democrats”** em virtude se suas tradições sulistas e recusa de votar a favor de reformas sociais progressivas. Categorias políticas não são nem de perto tão organizadas quanto muitas pessoas pensam. Nem os termos calvinista e reformado. Quando as pessoas me dizem que são teologicamente reformadas, eu tenho uma pequena ideia do que elas querem dizer. Entre os novos e jovens calvinistas isso geralmente significa que a pessoa é calvinista no sentido forte da crença em todo 0 sistema da TULIP de soteriologia (doutrina da salvação). Entretanto, conheço pessoas que são robustamente reformadas em suas próprias mentes e que rejeitam aspectos cruciais da TULIP. De maneira semelhante, conheço pessoas que orgulhosamente se identificam como calvinistas que não seriam consideradas reformadas por autoridades preeminentes acerca do que reformado significa. Em alguns círculos batistas, calvinista indica apenas que a pessoa acredita na doutrina da segurança eterna dos verdadeiros crentes — que uma pessoa genuinamente salva não pode se apostatar e terminar no inferno independente do que façam ou deixem de fazer. Em alguns círculos reformados (principalmente no que chamei de “reformados litúrgicos”) batistas não podem ser verdadeiramente reformados. A Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas (CMIR), um órgão ecumênico de 214 denominações em 107 países — não inclui quaisquer grupos batistas ainda que alguns batistas declarem a si mesmos e suas igrejas como “batistas reformadas” Por fim, muitos luteranos utilizam o termo reformado para designar todos os protestantes não luteranos. Se estiver confuso, não se preocupe com isso. Estes termos e as categorias que eles tentam nomear são escorregadios. Apesar da existência da CMIR não existe um magistério mundial (autoridade formal) que tenha 0 poder de decidir quem é e quem não é reformado ou calvinista. Falando em termos práticos, qualquer pessoa pode utilizar estes termos para referir-se a si mesma de qualquer forma que quiser e ninguém pode fazer nada a esse respeito (exceto rejeitar a reivindicação dela). Claro, algumas denominações, igrejas e outras organizações cristãs possuem seus próprios testes decisivos de classificação para determinar quem, dentro de tal organização, é verdadeiramente calvinista ou reformado (ou ambos). Uma abordagem tradicional é a de identificar como reformado apenas as pessoas e grupos que confessam os “três símbolos de unida- de” (declarações de fé) — Catecismo de Heidelberg, Confissão Belga e os Cânones de Dort. Mas tal abordagem exclui presbiterianos, a maioria dos quais identifica suas tradições como reformadas, e a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas (CMIR) inclui muitos grupos presbiterianos. Os presbiterianos aderem à Confissão de Fé de Westminster escrita pelos calvinistas britânicos em 1648 que foi, em grande parte, embasada nos “três símbolos de unidade” mencionados anteriormente. Em razão desta confusão de termos será útil aqui esclarecer os termos mais cuidadosamente e examinar as alegações dos novos calvinistas, muitos dos quais pertencentes a igrejas batistas ou independentes, de serem verdadeiramente representantes do calvinismo histórico e reformado e da teologia reformada. Muitos deles reivindicam que eles ou seus líderes são os genuínos portadores do verdadeiro calvinismo e da teologia reformada, e tendem a colocar o esquema da TULIP no centro do que significa ser calvinista e reformado. Quero deixar claro que não me oponho a toda a teologia reformada, assim como também não me oponho a todo o espectro da forma de vida cristã reformada. Sou contra o esquema da TULIP do calvinismo e da teologia reformada radical que 0 abraça e o força até o seu limite. Chamo isso de “teologia reformada radical” em oposição à teologia reformada moderada, que é mais inclusiva e menos enfática acerca da TULIP.
TEOLOGIA REFORMADA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Uma maneira de lidar com a decisão de quem verdadeiramente é reformado é olhar para a CMIR. Todos apresentam certas reivindicações a ancestralidade espiritual e teológica na ala suíça da reforma do século XVI liderada por Zuínglio e Calvino. (Todavia, historicamente falando, o reformador de Estrasburgo, Martin Bucer [1491 – 1551], é comumente considerado pelos teólogos históricos um líder antigo do movimento reformado igualmente importante). A CMIR sem dúvida e, de fato, celebra a vida e pensamento de João Calvino; algo que ficou evidente durante 2009 — aniversário de quinhentos anos do nascimento de Calvino. Todavia, sua membresia inclui denominações que não particularmente exaltam Calvino ou sua teologia, mas cuja linhagem histórica, assim por dizer, remontam da Reforma Suíça, da qual Calvino fez parte. A AM1R (Aliança Mundial de Igrejas Reformadas) fundiu-se com outra organização reformada para formar a CMIR em 2010; 0 website da CMIR apresentava a seguinte descrição, que alguém pode presumir que esteja mais ou menos correta acerca da CMIR; A AMIR é uma associação de mais de 200 igrejas com raízes na Reforma do século XVI liderada por João Calvino, João Knox, Ulrico Zuínglio e muitos outros e os primeiros movimentos reformadores de João Huss e Pedro Valdes. Nossas igrejas são Congregacionais, Presbiterianas, Reformada e Unida. A maioria vive e testemunha no hemisfério sul; muitas são minorias religiosas em seus países. A Aliança é uma rede interdependente de pessoas e igrejas trabalhan- do e adorando juntos com fé na promessa de Deus de sempre estar com sua criação. A CMIR, como a AMIR antes dela, inclui a todos, desde a Igreja Protestante da Algéria (primeira igreja membro listada em ordem alfabética por país) à Igreja Presbiteriana da África do Sul. Entre as denominações membro estão a Igreja Evangélica Valdense do Rio da Prata, Uruguai, uma ramificação do movimento valdense mais amplo que remonta ao ministério do reformador italiano Pedro Waldo (1140 – 1218), que viveu bem antes de Calvino, e a Irmandade Remonstrante da Holanda — a mais antiga igreja arminiana no mundo. (Jacó Armínio [1560 – 1609] e seus seguidores, os remonstrantes, eram opositores ferrenhos de, pelo menos, os três pontos do meio do acróstico TULIP). Notadamente ausentes da lista estão todas as igrejas batistas, e, entretanto, conforme dito antes, muitos dos líderes dos jovens, incansáveis e reformados são batistas. A exclusão dos batistas da CMIR mais do que sugere que os cristãos reformados do mundo não consideram “batista reformado” um termo historicamente preciso. Claro, os batistas reformados (e outros) sempre podem dizer que a CMIR não possui autoridade de decidir quem é e quem não é reformado — e isso é verdade. Entretanto, é interessante que a CMIR exclui batistas, mas inclui muitas [outras] igrejas, tais como as igrejas valdenses e remonstrantes, que não consideram a si mesmas calvinistas! Quais igrejas são ou podem ser inclusas na CMIR? De acordo com sua constituição, pode se filiar qualquer órgão (denominação) que:• Aceita a Jesus Cristo como Senhor e Salvador.
Estima a Palavra de Deus dada nas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos como a autoridade suprema em questões de fé e vida;• Reconhece a necessidade da contínua reforma da igreja universal;• Posiciona-se em fé e evangelismo em consonância geral com as confissões reformadas históricas;• Reconhece que a tradição reformada é um ethos bíblico, reformado e doutrinário mais do que qualquer definição de fé e ordem exclusiva e reducionista. Nada é dito acerca de quais “confissões reformadas” uma denominação membro deve estar em consonância com ou o que “estar em consonância” significa. Alguém pode supor que tais sejam o Catecismo de Heidelberg, a Confissão Belga e a Confissão de Westminster ou a Declaração de Savoy (a versão congregacional da Confissão de Westminster). Todavia, em razão da pitada liberal de algumas denominações filiadas, é improvável que “consonância geral” signifique qualquer coisa próxima de adesão rígida.A AMIR parece ter considerado a teologia reformada como algo flexível; a organização acentuou o velho lema “reformado e sempre reformando” (parafraseado em sua constituição como “a contínua reforma da Igreja universal”). Uma prova disto são os escritos de um de seus líderes — o ex-secretário teológico da AMIR Alan P. F. Sell (n. 1935). Como secretário teológico, a própria abordagem de Sell à teologia reformada pode ser confiada como pertencendo à corrente principal do pensamento reformado mundial contemporâneo. Sell foi professor de doutrina cristã e filosofia da religião na United Theological College da Escócia antes de sua aposentadoria. Durante sua carreira como teólogo reformado Sell escreveu muitos livros, incluindo um volume acerca do debate soteriológico Calvinismo.
No livro ele criticou alguns aspectos do calvinismo tradicional sem tomar partido do Arminianismo. De acordo com ele, “o protesto ético arminiano [contra a doutrina da dupla predestinação] não pode ser facilmente colocada de lado” e “após consideração sentimos que é preferível uma melhora do calvinismo a uma rendição a extremos arminianos”. O contexto deixa claro que ele não tanto se opõe ao Arminianismo comum (ex. conforme o ensinado pelo próprio Armínio) quanto aos extremos racionais que foram adotados por alguns. Ele faz distinção entre “Arminianismo de coração”, que ele pensa ser muito mais aceitável, e “Arminianismo de cabeça” — uma espécie de religião racionalista e até mesmo deísta, que ele considera ser objetável. Mas 0 comentário intrigante feito pelo Sell em The Great Debate é a citação acima acerca de uma “melhora do calvinismo”. Em outras palavras, como muitos outros no movimento reformado moderno, Sell acredita que alguns aspectos do “calvinismo rígido” clássico deve ser modificado. Ele não deixa dúvida acerca de quem ele se refere quando cita o teólogo escocês presbiteriano James Orr (1844 – 1913), que criticou a ideia de Calvino da soberania de Deus porque nela “0 amor está subordinado à soberania, em vez de a soberania ao amor” 7. Como Orr e muitos outros pensadores reformados, Sell acredita que Calvino estava, em se tratando de teologia, parcialmente correto e parcialmente errado. Em um comen- tário surpreendente Sell sugere que a doutrina de Calvino da eleição deva ser reinterpretada de tal maneira que Deus chame não apenas pessoas, mas um povo para o seu louvor” (ex. eleição corporativa) 8. Isto é o que Armínio acreditava em relação a eleição; a maioria dos arminianos no decorrer da história interpretaram a eleição desta maneira.
Calvinismo de quem? Qual teologia reformada?
Em um conjunto de três volumes de uma teologia semi-sistemática com o abrangente título Doctrine and Devotion, Sell expressou uma perspectiva revisionista da teologia reformada que Calvino provavelmente não reconheceria como em continuidade com seu próprio pensamento, principalmente nas áreas da soberania de Deus na história (providência) e salvação (predestinação). Em todo os três volumes Sell rejeita qualquer forma de determinismo divino (a ideia de que Deus preordena e torna certo tudo 0 que acontece na história, sem exceção) e afirma o livre- -arbítrio limitado dos humanos. Para ser justo, deve ser dito que Sell também atribui toda a “obra” de salvação à Deus e nada aos humanos. Ele sem dúvida apontaria isso como prova de suas inclinações reformadas. Todavia, Armínio afirmou a mesma coisa, assim como todos os arminianos clássicos desde então10.Aqui eu utilizei Sell como um estudo de caso no que chamo “teologia reformada revisionista” para enfatizar que a “teologia reformada” não é, de jeito nenhum, uma estrutura monolítica ou um sistema fechado, como alguns dentro do movimento do novo calvinismo (e seus precursores e mentores) a entendem. Ela não é de forma alguma idêntica ao sistema da TULIP de soteriologia ou com uma visão determinista da soberania de Deus tanto na providência quanto na predestinação. Na verdade, muitos porta-vozes reformados preeminentes chegaram a rejeitar estes aspectos ao passo que insistiram que ainda assim eram reformados.
Outros além de Sell poderiam ser mencionados: C. Berkouwer (1903 – 1996), um dos teólogos reformados mais influentes do século XX, lutou contra o que considerava um calvinismo rígido que insistia na soberania de Deus até o limite de afirmar o decreto de reprovação contra certas pessoas (ou seja, que Deus preordenou para o inferno alguns seres hu- manos em específico). Hendrikus Berkhof (1914 – 1995) (que não deve ser confundido com 0 teólogo calvinista Louis Berkhof [1873 – 1957], com quem ele não possuía parentesco) um teólogo reformado holandês prolífico, rejeitava radicalmente a visão calvinista tradicional da soberania de Deus, enfatizando, em seu lugar, a autolimitação de Deus e a parceria pactuai humana com Deus no reino e salvação”. Outro teólogo reformado bastante conhecido que revisou a teologia reformada afastando-a do calvinismo clássico foi James Daane, que atuou como professor de teologia e ministério no Fuller Theological Seminary por muitos anos. Sua publicação The Freedom of God: A Study of Election and Pulpit’2 é um ataque vigoroso no determinismo e, principalmente, na doutrina do decreto de Deus da dupla predestinação. Para Daane a eleição divina incondicional é somente de uma pessoa, Jesus Cristo, e, por outro lado, do povo corporativo de Deus — Israel e a igreja. E Daane rejeita absolutamente qualquer decreto de reprovação. Conclusivamente, outro teólogo reformado revisionista influente crítico do calvinismo rígido é 0 sulafricano Adrio Kónig, professor aposentado na UNISA (University of South Africa), cuja obra Here Am I! A Believer’s Reflection on God13 atacou toda versão determinista da soberania de Deus e afirmou, em seu lugar, um Deus que se autolimita, que sofre a rejeição humana e 0 mal e que convida as pessoas para um relacionamento pactuai consigo mesmo sem preordenar ou determinar suas escolhas. Novamente, assim como com Berkhof e outros teólogos reformados revisionistas aqui mencionados, a maioria dos arminianos, se não todos, assinariam de bom grado em concordância com estas visões reformadas da soberania de Deus. Estou bastante cônscio, claro, que os teólogos calvinistas reformados mais tradicionalistas e seus seguidores tratarão estes revisionistas descontrolados como desertores da tradição [reformada]. Os revisionistas provavelmente responderiam que os tradicionalistas estão esquecendo o lema reformado “reformado e sempre reformando”. Até mesmo a própria tradição reformada precisa de reforma e, de acordo com os revisionistas, ela nunca esteve tão frágil a ponto de ser incapaz de mudar. Contudo, é preciso admitir que, especialmente nos EUA nos anos recentes, com a ascensão do novo calvinismo, o termo “reformado” é mais comumente utilizado nos círculos protestantes evangélicos para o sistema soteriológico da TULIP (sem, naturalmente, excluir outros aspectos da crença reformada). Mas tal utilização é necessariamente uma definição precisa do termo reformado? Até mesmo entre os evangélicos nos EUA 0 termo “reformado” é descrito de maneiras bastante distintas.Como minha primeira testemunha eu chamo 0 conhecidíssimo e am- piamente reconhecido teólogo e historiador reformado Donald McKim, editor de um livro de referência para a editora presbiteriana Westminster John Knox Press e ex-professor de teologia em vários seminários reforma- dos e presbiterianos, incluindo 0 Memphis Theological Seminary (onde ele também atuou como reitor) e a University of Dubuque Theological Seminary. McKim formou-se bacharel pelo Westminster Theological Se- minary (um baluarte de teologia reformada conservadora) e obteve PhD pela University of Pittsburgh. Durante sua carreira ele editou e escreveu inúmeros livros sobre a teologia reformada, incluindo The Encyclopedia of the Reformed Faith, The Westminster Handbook to Reformed Theology, and Introducing the Reformed Faith.’4. Praticamente por todos os aspectos, McKim é uma autoridade confiável acerca da teologia reformada. De acordo com McKim, “cada igreja ou grupo de igrejas… tem sua própria definição do que significa ser “‘reformado’”. Em outras palavras, de acordo com este perito, “reformado” não é uma categoria monolítica ou fechada; 0 termo é, na verdade, um conceito essencialmente contestado. E ele afirma que 0 termo é uma tradição viva ainda em processo. Todavia, isso não significa que 0 termo seja vazio ou pertença a uma categoria vazia. Antes, de acordo com McKim, devemos tratar 0 termo como uma família diversificada — a “família reformada” que traça sua ancestralidade à João Calvino de Genebra e a um período ainda mais remoto. “A fé reformada…tem sua árvore genealógica”, declara McKim, e como todas as árvores genealógicas, ela é repleta de diversidade. Um aspecto desta diversidade, de acordo com McKim, pode ser visto nas diferenças entre a própria abordagem de Calvino para a teologia e a de seus seguidores. “Embora Calvino tivesse uma mente sistemática brilhante, seus sucessores no século XVII sistematizaram sua teologia ainda mais. Ela tornou-se mais detalhada e fundiu-se ao modelo chamado escolasticismo”. O restante do livro de McKim revela que não considera este desenvolvimento como algo bom. Como muitos outros acadêmicos da tradição reformada, McKim 0 descreve em termos de “semelhanças familiares” em vez de um sistema fechado. Uma semelhança familiar é 0 confessionalismo — cristãos reformados frequentemente confessam sua fé fazendo uso das dos credos históricos do cristianismo (principalmente o Credo Niceno) e as confissões reformadas históricas, tais como a Fórmula Helvética de Consenso de 167519. Entretanto, de acordo com McKim, estas confissões de fé são sempre “relativas”, “temporárias” e “provisionais” 20. Ele percebe que nem todas as pessoas reformadas concordarão e dirão: “Embora alguns órgãos reformados tenham uma tendência de se tornarem mais restritos e quase presumem que suas formulações sejam os únicos meios de se expressar a verdade de Deus, este impulso está na contramão da verdadeira força vital da fé reformada”. Um exemplo da abordagem “mais restrita” com as confissões reformadas pode ser a obra de Sproul, cujos livros, tal como O Que é Teologia Reformada? que quase trata a Confissão de Westminster como em par de igualdade, em termos de autoridade, com a própria Escritura. (Claro que Sproul negaria isso, mas ele apela à confissão com tanta frequência como se ela fosse uma autoridade incorrigível para 0 cristão e, em especial, para o pensamento reformado).O tratamento de McKim, da fé reformada ressalta seus pontos em comuns com outras ramificações do cristianismo; ele inclui capítulos acerca da Escritura como a Palavra de Deus, Trindade e a pessoa de Cristo, onde nada particularmente calvinista é encontrado. Nos capítulos acerca da providência e salvação, onde alguém esperaria encontrar uma forte ênfase nas particularidades calvinistas, McKim fornece relatos modestos da doutrina reformada. Por exemplo, ao discutir a soberania de Deus na história (providência), ele reconhece que os reformados tradicionalmente enfatizam que 0 plano e os propósitos de Deus conduzem a criação, história humana e as vidas humanas. O Deus que conhece todas as coisas também deseja todas as coisas “. Todavia, quando volta-se para o problema de Deus e 0 mal, ele explicitamente nega 0 que muitos consideram o ponto controverso central do calvinismo rígido — que Deus até mesmo preordena e torna certo (“envia”) 0 mal: “Não falamos de Deus enviando 0 mal sobre nós ou causando tais coisas em nossas vidas que são contrários aos propósitos graciosos, amorosos e de justiça de Deus conforme vemos tais aspectos em Jesus Cristo”. Claro, a maioria dos teólogos reformados nega que Deus realmente “causa” 0 mal em qualquer sentido direto, mas como mostrarei abaixo, muitos calvinistas de fato afirmam que até mesmo 0 pecado e o mal são partes do plano divino preordenado e tornado certo por Deus para se encaixar nos propósitos de Deus para a história. McKim parece querer evitar qualquer implicação de que o mal seja parte do plano de Deus ou que Deus 0 torne certo. Sua versão da soberania de Deus é uma versão abrandada que provavelmente não deixaria muitos dos novos calvinistas e seus teólogos mentores satisfeitos. Mais surpreendente ainda, talvez, é que McKim sequer menciona a expiação limitada (o “L” na TULIP), também chamada de “redenção particular” por muitos calvinistas. Seu livro inclui um capítulo inteiro acerca da “Obra de Cristo” na qual ele discute a doutrina reformada da expiação. Mas podem procurar em vão pela expiação limitada — algo que chocaria muitos calvinistas. Em seu capítulo acerca da “Salvação: Recebendo 0 Dom de Deus”, McKim alega descrever “ênfases reformadas”, mas diz pouco acerca da eleição ou graça irresistível. Ele coloca mais ênfase na eleição corporativa para serviço do que na eleição incondicional de indivíduos, apenas mencionando resumidamente a última: “Alguns acreditam; outros não. A explicação para isso está na eterna eleição de Deus”. Por fim, próximo do final de seu livro, McKim explica de maneira clara: “Nem todos os cristãos reformados aderem [aos] ‘Cinco Pontos do Calvinismo’”. O contraste entre esta descrição da fé reformada e a de Sproul em O Que é Teologia Reformada? (e em outros livros semelhantes) é desconcertante. No livro Sproul praticamente iguala a teologia reformada ao calvinismo rígido da TULIP e com uma doutrina da soberania de Deus tão forte e tão absoluta quanto possível: “Se Deus não é soberano, então ele não é Deus. Pertence a Deus como Deus ser soberano”. O contexto deixa claro que por “soberano” Sproul quer dizer que Deus é o determinador e controlador absoluto de tudo até os mínimos detalhes. O restante do livro apresenta algo bem diferente da que é exposto por McKim; mostra a fé reformada em termos de TULIP, incluindo a dupla predestinação — o decreto de Deus de reprovação de alguns para o tormento eterno no inferno 27.Temos, portanto, dois acadêmicos renomados da tradição reformada, Donald McKim e R. C. Sproul, definindo e descrevendo-a de maneiras bem distintas. As únicas coisas que eles parecem ter em comum sáo linhagem histórica da herança reformada, incluindo, mas não exclusi- vãmente determinada por Calvino e uma ênfase na soberania divina considerada como de alguma forma ausente em teologias não reforma- das. Claro, até mesmo Sproul admitiria que “reformado” inclui mais do que apenas a TULIP (como McKim incansavelmente argumenta), mas que 0 sistema soteriológico lhe serve como a característica peculiar da teologia reformada ao passo que este mesmo sistema soteriológico não é peculiar para McKim.
Um teólogo reformado estadunidense que parece andar em uma linha entre McKim e Sproul é Richard Mouw, presidente do Fuller Theological Seminary, cujo livro Calvinism in the Las Vegas Airport é uma prazerosa viagem pela teologia reformada conforme entendida pelo autor. Mouw afirma a TULIP sem a colocar na dianteira ou centro como o “elemento mais importante e supremo” da teologia reformada; para ele a visão reformada de uma sociedade transformada parece mais importante do que uma doutrina particular da soberania de Deus. Contudo, ele diz que ele abraça as doutrinas da TULIP ao passo que admite que há um “gosto ruim acerca destas doutrinas” 29 É fácil discernir que Mouw sente-se desconfortável com a ênfase do calvinista clássico na TULIP e, em especial, com as maneiras na qual a ênfase é geralmente expressada. “Devo… dizer francamente que… vejo muitas calvinistas que carecem de mansidão e respeito. Até mesmo encontro essa ausência de qualidades nas interações de calvinistas com outros cristãos. De fato, os calvinistas não são comumente muito gentis e respeitosos ao debater pontos delicados da doutrina com colegas calvinistas”. O desconforto de Mouw com alguns pontos da TULIP é aparente em seu capítulo sobre 0 “L” da TULIP — expiação limitada ou redenção particular, ou seja, a ideia de que a morte expiatória de Cristo na cruz foi intencionada por Deus apenas para alguns pecadores (os eleitos). Ele a chama de “doutrina de prateleira”, e que com essa expressão quer dizer que ela é parte de seu sistema de crença, mas que não funciona em sua vida no seu cotidiano. Enquanto continua a afirmá-la (ainda que de certa forma revisada), Mouw deseja que a doutrina fique “em paz” e que só a “retire da prateleira” de vez em quando, e então, para colocá-la de volta à prateleira. Pode-se imaginar porque alguém gostaria de se apegar a uma “doutrina de prateleira”. O que quero dizer é que Mouw representa um terceiro tipo de teólogo reformado nos EUA (e talvez em todo o mundo). O primeiro tipo é representado por McKim, cuja teologia reformada é flexível e aberta à revisão e não considera 0 esquema da TULIP como essencial. O segundo tipo é representado por Sproul, cuja teologia reformada parece um tanto fechada e gira em torno de uma forte visão da soberania de Deus (que eu chamo de determinismo humano) e 0 esquema da TULIP. O terceiro tipo é representado por Mouw, que afirma todos os elementos históricos do calvinismo, mas que fica, de certa forma, constrangido com, no mínimo, alguns destes elementos e que não considera 0 esquema da TULIP ou a soberania divina absoluta com os temas mais importantes da fé reformada. Deste modo, 0 problema de definir “reformado” persiste e provável- mente sempre persistirá. Como disse anteriormente (e espero agora ter provado) o termo “reformado” é, em essência, um conceito contestado. Ainda assim, o termo não é vazio ou sem sentido. Abordando os recursos que mencionei até 0 momento estas são as minhas teses acerca do significado de “reformado”. Primeiro, ele é um tipo ideal de teologia protestante atrelado à ramificação histórica da reforma protestante oriunda principalmente dos esforços reformadores dos teólogos suíços Ulrico Zuínglio e João Calvino (e seus companheiros), mas também do teólogo Martin Bucer, de Estrasburgo. Tais características podem ser encontradas em denominações tão diversas quanto congregacionais e anglicanas. Segundo, a ênfase na supremacia e soberania de Deus é comum em todas as teologias reformadas, embora ela seja interpretada de maneiras diferentes. “Reformado” não é sinônimo de TULIP, embora a TULIP esteja presente dentro da tradição reformada e todos os reformados tendem a lidar com ela de certa forma (ainda que seja apenas ao rejeitá-la como a característica central de sua fé).
Terceiro, a fé reformada é confessional (conforme McKim) e tende a rememorar, de certa maneira, a certas confissões reformadas de fé, tais como 0 Catecismo de Heidelberg e a Confissão de Fé de Westminster. (Se Batistas podem ser reformados eu deixo a questão em aberto ao passo que enfatizo que muitos batistas aderem ã Confissão de Fé Batista de 1689, que foi fortemente influenciada pela Confissão de Westminster e que, por sua vez, influenciou as confissões Batistas posteriores, tal como a Confissão de Fé Batista de New Hampshire).
Quero deixar claro que, no geral, não sou contra a teologia reformada. Mas contra ao que está intimamente relacionado ao novo calvinismo do movimento dos jovens, incansáveis e reformados, 0 que eu chamo de “teologia reformada radical”, que não é representante de todos os reformados ou suas tradições teológicas.
Roger Olson