Uma crítica dos livros “Beleza Em Vez de Cinzas” e “Approval Addiction”
Joyce Meyer ficou muito popular através de suas pregações e dos vários livros que escreveu. Embora não seja psicóloga, seus textos freqüentemente fazem referência aos abusos que sofreu na infância, e seus ensinos são parecidos com a “sabedoria” psicológica popular sobre os efeitos do abuso infantil. Esta crítica faz a resenha de dois de seus livros: Beleza em vez de cinzas: Recebendo cura emocional (BC), 2006, e Approval Addiction: Overcoming Your Need to Please Everyone (AA) [O Vício da Aprovação: Superando sua necessidade de agradar todo mundo, em tradução livre; não editado no Brasil], 2005. Com certeza existe alguma verdade nesses livros, mas ela está tão terrivelmente emaranhada com erros de psicologia, que todo cuidado é pouco.
É muito importante enfatizar que o abuso de crianças é um pecado horrível e um problema real na nossa sociedade. Os cristãos precisam demonstrar sua compaixão, compreensão e esperança. O propósito desta crítica não é minimizar a ofensa sofrida ou a gravidade do problema, mas, sim, levar tanto o praticante quanto a vítima desse pecado a buscarem a Deus e à Sua Palavra, e a se afastarem das teorias e métodos falhos da psicoterapia moderna, que parecem ser úteis, mas mantêm as pessoas na escravidão.
A infância conturbada de Meyer serve de cenário para grande parte de seu ensino. Em Beleza Em Vez de Cinzas, Meyer ressalta os abusos que sofreu na infância e expressa sua crença de que muitas pessoas que parecem “íntegras” são, na verdade, extremamente perturbadas interiormente:
Existem muitas, muitas pessoas que parecem ser todas certinhas por fora, mas por dentro são um desastre. Esta era a minha situação antes de aprender que a principal preocupação do Senhor é a minha vida interior. Mateus 6.33 afirma que devemos buscar primeiro o reino (lembre-se, ele está dentro de você) e a sua justiça, e então essas outras coisas nos serão acrescentadas. Sofri abusos sexuais, físicos, verbais e emocionais desde quando consigo me lembrar até o dia em que finalmente saí de casa, aos dezoito anos.
Existe uma mentalidade de vítima que aflora em todos os textos dela.
Mentalidade de Vítima
Um dos problemas mais graves com a psicoterapia moderna, tanto a secular quanto a “cristã”, é a tendência de considerar os indivíduos como vítimas e não como pecadores. Esta mentalidade de vítima está presente em todos os textos de Meyer, como neste exemplo: “Tendo sido ferida e ainda não conhecendo o modo como Deus age, acabei magoando meus próprios filhos”.
O aspecto mais perturbador e antibíblico é esse suposto elo causal entre os abusos sofridos na infância (os pecados dos outros) e os pecados que o próprio indivíduo vem a cometer mais tarde, na vida adulta. Meyer faz afirmações radicais sobre essa relação causal:
Começar a vida enraizados num sentimento de rejeição é o mesmo que ter uma rachadura no alicerce da nossa casa (AA, p. 186).
Meu único sistema de referência era o modo como fui criada. Eu tinha raízes podres, doentes e, portanto, meus frutos eram maus (AA, p. 190).
Meyer propõe uma cadeia de causalidade que atinge uma geração após a outra:
Freqüentemente, pessoas problemáticas se casam com pessoas problemáticas. Depois de destruírem uma à outra, seus problemas são transferidos aos filhos, que por sua vez se transformam na próxima geração de pessoas problemáticas e atormentadas. Se retrocedermos o suficiente ao longo dessa cadeia causal, chegaremos a Adão e Eva, que não tinham pais terrenos a quem responsabilizar – mas tentaram botar a culpa em Deus.
A teoria de Meyer sobre a ira mostra muito bem a direção em que esse caminho nos leva. A Escritura tem muito a dizer sobre a ira pecaminosa (veja, por exemplo, Provérbios 15.1, Efésios 4.25-31, Colossenses 3.8, Gálatas 5.19-20), mas Meyer a atribui aos pecados de outras pessoas, e não ao coração da própria pessoa irada:
[…] quando examinamos a questão da raiva excessiva, verificamos que sua raiz geralmente está em problemas do passado (AA, p. 143).
Pessoas que foram feridas não ficam apenas com raiva, mas muitas vezes procuram também uma compensação pelas injustiças que sofreram (AA, p. 147).
Seguindo o raciocínio de Meyer, chegamos à conclusão de que quando uma pessoa irada procura vingança, a culpa, na verdade, é de uma outra pessoa. Rebelião, pobreza, “vício em aprovação”, incapacidade de manter bons relacionamentos, sentimentos de rejeição, auto-imagem ruim, vergonha internalizada, mas também realizações positivas, supostamente têm origem no que outras pessoas fizeram no passado:
A raiz da rebelião freqüentemente é a rejeição. Pessoas rebeldes passaram pelo sofrimento de serem rejeitadas. Essas pessoas são agressivas, e sua agressividade é uma raiva interna que se manifesta como rebeldia (AA, p. 197).
A causa principal do vício em aprovação é geralmente uma ferida emocional (AA, p. 106).
Pessoas que sofreram abusos, que foram rejeitadas ou abandonadas, geralmente são inseguras […] esses indivíduos são dominados por sentimentos de vergonha e culpa, e têm uma auto-imagem muito ruim (BC).
Uma vez, ouvi dizer que 75 por cento de todos os líderes mundiais sofreram abusos e experimentaram uma forte rejeição. Quando ouvi essa estatística, fiquei assombrada. Mas isso acontece simplesmente porque os indivíduos que sofreram abusos e rejeições se esforçam mais do que a maioria das pessoas para realizar alguma coisa importante, para serem aceitos (AA, p. 198).
Como Meyer pode ter certeza de que os que foram ofendidos, mas conseguiram realizar algo importante, fizeram isso para serem aceitos pelos outros? Como ela explicaria os pecados dos que não sofreram abusos graves, dos que cresceram em lares crentes, mas se desviaram? E quanto às pessoas que realizam grandes feitos, mas não foram vítimas de abusos na infância? Onde se encaixa a responsabilidade pessoal pelo pecado neste quadro em que tantos problemas da vida são atribuídos aos pecados de terceiros?
Cura das Memórias
Esse foco nos pecados que outras pessoas cometeram no passado geralmente leva a uma ênfase na recordação desses pecados e no “tratamento” dessas lembranças:
Essas pessoas [que estão sendo curadas dos abusos] precisam sair de seu estado de negação e encarar a verdade. Pode haver coisas que elas esqueceram porque eram dolorosas demais, coisas que terão que ser recordadas e enfrentadas durante o processo de cura (BC).
Um versículo bíblico é usado fora de contexto para dar apoio a essa tese:
Pessoalmente, sempre achei que o colapso emocional de minha mãe foi o resultado dos anos de abuso que ela havia sofrido e do fato de ela se recusar a enfrentar e lidar com a verdade. Lembre-se de que, em João 8.32, nosso Senhor nos disse: “e conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará” (BC).
Essa passagem de João é citada freqüentemente por psicólogos para justificar o tema da cura das memórias, mas a verdade, no contexto desse versículo, é o evangelho, não os fatos sobre abusos passados. Não existe nenhum lugar na Escritura que nos mande relembrar, trazer à tona ou repetir os pecados cometidos contra nós no passado para que nosso processo de santificação possa avançar.
Necessidades Não-Satisfeitas
A mentalidade de vítima também tende a enfatizar as necessidades individuais não-satisfeitas, em vez do serviço a Deus e ao próximo. Como muitos outros, Meyer alega que Deus pode preencher o vazio e satisfazer essas necessidades:
[…] se enquanto você estava crescendo não recebeu tudo o que precisava para ficar forte e saudável, Jesus terá prazer em lhe dar tudo isso agora (BC, citando Efésios 3.17, Colossenses 2.7, João 15.5).
Será que Deus supre as nossas necessidades? Claro que sim! Devemos pedir-Lhe que supra nossas necessidades legítimas, segundo Suas riquezas? Sim! Entretanto, o problema está na definição dessas necessidades quando o foco é colocado no eu – aceitação, aprovação e prazer – em vez de, por exemplo, ousadia para pregar o evangelho ou recursos para servir a Deus. Além disso, Meyer (e outros) critica os que põem suas próprias necessidades em segundo plano para servir aos outros: “Pessoas que querem agradar os outros costumam abrir mão de suas próprias necessidades legítimas regularmente, e com muita facilidade” (AA).
Negligenciar necessidades realmente legítimas (por exemplo, a saúde ou o sono) para atender a propósitos ímpios de outras pessoas e obter sua aprovação pode ser um problema. No entanto, a Bíblia nos diz que devemos colocar Deus e os outros acima de nós mesmos, às vezes deixando de lado nossas próprias necessidades e desejos, por amor ao reino de Deus. Ao longo da história (e ainda hoje), houve mártires que sacrificaram a própria vida pela fé cristã. Qual seria a reação desses santos diante do ensino psicológico de que suas “necessidades” pessoais de aceitação, aprovação e prazer são mais importantes que o evangelho?
Conclusão
Joyce Meyer tornou-se uma escritora e pregadora extremamente popular, com uma longa lista de livros publicados. Essa breve resenha de dois de seus livros (publicados com um intervalo de 11 anos) mostra que os leitores não devem presumir que Joyce Meyer é tão “ungida” ao ponto de seus ensinamentos serem infalíveis. Ao contrário, muito do que ela diz é uma repetição da psicologia popular que hoje enche as prateleiras das livrarias seculares e cristãs. (Debbie Dewart, PsychoHeresy Awareness Letter – http://www.chamada.com.br)
Debbie Dewart é advogada. Ela mantém o site www.christiandiscernment.com, que oferece material esclarecedor sobre o conflito entre os ensinos bíblicos e as teorias/os métodos da psicologia moderna.
Publicado anteriormente na revista Chamada da Meia-Noite, junho de 2008.