Autenticidade de João 5:7 (1a. Parte)

Em I João 5.7,8 o Texto Recebido (Textus Receptus) nos apresenta duas tríades de testemunhas, uma no céu, a outra na terra, e declara a unidade da primeira tríade em um só ser. No texto grego revisado que fundamenta as versões modernas, tudo isto é omitido, e toda a referência a eruditos modernos e que têm implicações doutrinárias parecem minar a doutrina da Trindade, e particularmente a doutrina da deidade de Cristo. As diversas leituras nos manuscritos e versões contam-se por centenas de milhares, mas a grande maioria são insignificantes. Entre as poucas diversas leituras importantes há umas que atingem esta única doutrina – uma doutrina fortemente debatida entre crentes ortodoxos e hereges logo antes de serem escritos os três mais antigos manuscritos (cópias).

As controvérsias Ariana e Sabeliana correram ardentemente nos Séculos III e V e as cópias ora tidas com elevado valor entre eruditos, foram escritas nos séculos IV e V. A hostilidade desses documentos contra a doutrina trinitariana incita a mente à conclusão que tais omissões e alterações não são meramente os erros ocasionais dos copistas, mas a obra dum esforço deliberado. Ao lembrarmos da data do grande contesto trinitariano na Igreja, e ao compará-lo com a data atribuída a esses documentos, a nossa suspeita grandemente se sobressalta. O partido de Atanásio introduziu testemunhas espúrias no texto a fim de promover a sua doutrina trinitariana, ou o partido de Ários apagou testemunhas autênticas das cópias do texto sagrado a fim de ocultar esta doutrina?

Os alegados códices mais antigos concordam em omitir um número notável de testemunhas da divindade de Cristo assim como omissões relativas a prática e fé do Evangelho. Isto aconteceu porque esses documentos antigos representam as opiniões dos copistas que consideravam os Trinitarianos atanasianos como corruptores, ou pode ser comprovado que as omissões foram feitas propositadamente pelos Arianos para apagar as evidências escriturísticas contra o seu caso?

Todos os críticos votam contra a autenticidade de I João 5.7, mas vejamos se a questão é tão clara como acham. Os argumentos em favor de sua autenticidade conduzem elevado grau de probabilidade, e este texto é um bom exemplo do valor da evidência interna, desprezada pelos críticos modernos. Segue o texto completo com as palavras disputadas entre parênteses:

HOTI TREIS EISIN HOI MARTUROUNTES (EN TO OUTANO, HO LOGOS, KAI TO HAGION PNEUMA, KAI HOUTI HOI TREIS HEN EISI. KAI TREIS EISEN HOI MARTUROUNTES EM TE GE) TO PNEUMA, KAI TO HUDOR , KAI TO HAIMA; KAI HOI TREIS EIS TO HEN EISIN.


A evidência interna contra a omissão é a seguinte:

1. 1. o artigo, numeral e particípio masculino HOI TREIS MARTUROUNTES, são forçados a concordar diretamente com três neutros, uma dificuldade gramatical grosseira e insuperável. Se as palavras disputadas permanecem, elas concordam com dois masculinos e um substantivo neutro HO PATER, HO LOGOS, KAI TO HAGION PENUMA e, conforma a regra de sintaxe, os masculinos entre um grupo controlam o gênero do neutro ligado a eles. Desta forma a concorrência dos masculinos TREIS MARTUROUNTES no verso 8 concordando com os neutros PNEUMA, HUDOR e HAIMA podem se explicar pela força de atração, bem conhecida na sintaxe grega.

2. 2. Omitidas as palavras disputadas, o verso 8 segue logo após o 6 e faz uma repetição grosseira, esquisita e aparentemente sem nexo do testemunho do Espírito, duas vezes logo em seguida.

3. 3. Com a omissão das palavras, as palavras concludentes no final do verso 8 contém uma referência incoerente. As palavras gregas KAI HOI TREIS EIS TO HEN EISIN significam exatamente: “e estes concordam com aquele (já mencionado) Ser”. Esta versão mantém a força do artigo definido deste verso. Então o que é “Aquele” com que “estes três” concordam? Com a omissão do verso 7, “Aquele” não aparece, e por conseguinte “Aquele” do verso 8, que indica um já apresentado ao leitor, não tem antecedente na passagem. Permaneça o verso 7 e tudo fica claro, e as três testemunhas terrestres testemunham àquela unidade já mencionada que O Pai, a Palavra e o Espírito constituem.

4. 4. João declara nos 6 versos anteriores que a fé é o vínculo da nossa vida espiritual e a vitória sobre o mundo. Esta fé deve ter uma base sólida, e a verdade em que a fé se apoia é a Filiação e Divindade de Cristo. Vê os versículos 5,11,12,20. A única fé que vivifica a alma e vence o mundo é (verso 5) a crença que Jesus é o Filho de Deus, que Deus o constituiu nossa Vida, e que esta Vida é o Deus verdadeiro. O apoio de Deus para esta fé provém de :

PRIMEIRO: No verso 6, nas palavras do Espírito Santo falando através de homens inspirados;

SEGUNDO: No verso 7, nas palavras do Pai, da Palavra e do Espírito, declarando e confirmando por milagres a Filiação e unidade com o Pai;

TERCEIRO: No verso 8, pela obra do Espírito Santo ao aplicar o sangue e água do lado ferido de Cristo para nossa purificação;

QUARTO: No verso 10, na consciência espiritual do próprio crente, certificando-lhe que sente por dentro uma mudança divina.

Como tudo isto é harmonioso ao aceitarmos o verso 7 como autêntico, mas ao omiti-lo, o fecho de arco está faltando, e fica eliminado a prova contundente que a nossa fé é divina (verso 9).

Também temos que levar em conta o tempo e as circunstâncias nas quais a passagem foi escrita. João avisa seus filhos espirituais que seu objetivo é adverti-los contra enganadores (2:26), cuja heresia era a negação da verdadeira Filiação e encarnação de Jesus Cristo (4:2). Sabemos que esses hereges eram os Cerintianos e Nicolaitanos. Irineu e outros escritores primitivos nos contam que esses todos corrompiam a doutrina da trindade. Cerinto ensinava que Jesus não nasceu milagrosamente duma virgem, e que a Palavra, Cristo, não era verdadeira e eternamente divina, mas um certo tipo de “Aion” angélico ligado com o homem natural Jesus até a sua crucificação. Os Nicolaitanos negaram que o “Aion” Cristo tivesse um corpo real, e lhe atribuíram somente um corpo e sangue fantasmagórico. É contra esses erros que João está fortalecendo os seus “filhos” e é o ponto destacado no controverso verso 7. Se permanece o verso 7, então toda ao passagem é articulada para excluir ambas as heresias. No verso 7 ele rebate o erro cerintiano declarando a unidade do Pai, da Palavra e do Espírito , e com maior precisão pelo emprego do neutro HEN EISEN a fim de concentrar o ponto em UMA substância única. Em seguida ele rebate os Nicolaitanos declarando a própria humanidade de Jesus, o real derramamento de sangue, e a aplicação pelo Espírito, daquela água e sangue dos quais ele testifica como testemunha ocular no Evangelho – 19.34,35.

Ao vermos que João em sua epístola adverte seus “filhos” contra “enganadores” que ensinavam erro sobre a verdadeira Filiação do Senhor Jesus Cristo e sobre a Sua encarnação e verdadeira humanidade, e ao vermos ainda mais João revelar estes erros nos versos 7 e 8 do capítulo 5, somos levados a reconhecer a coerência na passagem toda e que apresenta forte evidência interna em favor da autenticidade do “Texto Recebido” (Received Text).


OS MANUSCRITOS

É verdade que o verso controverso tem pouco apoio das cópias gregas e encontra-se somente em duas – o Manuscrito Montfort na Universidade de Dublin e no Códice WIZANBURGENSIS do séc. VIII. A principal autoridade nos manuscritos para I João 5:7 está nas versões latinas e ele se acha, com poucas exceções em todos os códices destas versões, tanto na Vulgata quanto no Antigo Latim. Entre os escritores antigos que fazem referência ou alusão às palavras disputadas acham-se Tertuliano e Cipriano e muitos outros subseqüentes autores latinos. A passagem é considerada verdadeira Escritura com a quase unânime concordância da Cristandade latina desde os tempos mais remotos. Deve se lembrar que o Antigo Latim foi traduzido do grego numa época bem primitiva, certamente dentro dum século da morte dos Apóstolos. As igrejas africanas não perderam os seus livros sagrados na mesma medida das igrejas gregas durante as grandes perseguições e é nos escritores africanos que encontramos as mais antigas citações do verso disputado. Um outro fato relevante é que as antigas igrejas latinas não ficaram tão atingidas pela heresia ariana, a fonte principal suspeita de tantas corrupções. No conteste contra os arianos, o Concílio de Cartago, e outros “Pais” primitivos apelaram com confiança inabalável para este verso como testemunho contundente contra eles.

Orígenes exerceu poderosa influência sobre a transmissão do texto grego no período antes de serem escritas algumas das cópias mais antigas ora existentes. Mosheim o descreve como “um composto de contradições, sábio e imprudente, inteligente e burro, entendido e sem entendimento, o inimigo da superstição e seu patrocinador; um enérgico defensor do cristianismo e seu corruptor; ativo e vacilante; um a quem a Bíblia deve muito e um do qual ela tem sofrido muito”. Ele foi o grande corruptor, e a fonte ou pelo menos o canal, de quase todos os erros especulativos que perturbaram a Igreja nas épocas sucessivas. Nolan afirma que as discrepâncias mais características entre o texto grego comum e os textos correntes na Palestina e Egito no tempo de Orígenes são identificáveis com uma fonte marcionita ou valentiniana, e que a mão de Orígenes mediou a introdução dessas corrupções nos textos subseqüentes.

É altamente relevante que textos importantes sobre a doutrina trinitariana, que aparecem no grego e latim estão faltando nos antigos manuscritos da Palestina e do Egito. Os textos disputados tinham o propósito de condenar e combater os erros dos Ebionitas e Gnósticos, Cerintianos e Nicolaitanos. Não é surpresa que a influência de Orígenes teria resultado na exclusão de algumas dessas testemunhas autênticas das cópias gregas, enquanto as cópias no Antigo Latim deveriam conservar as palavras de I João 5:7 , porque circulavam em áreas não atingidas pela influência de Orígenes.

( Sumarised from Dabney’s Discussions, published by Banner of Truth Trust.) This article no. 17 published by the Trinitarian Bible Society, Tyndale House, Dorset Road, London, SW193NN, England.

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