Um lema dos deterministas – tanto dos rígidos como dos moderados – é que atos autocausados são impossíveis, pois tem que existir sempre uma causa e efeito. Isso decorre de uma má interpretação do que entendemos pelo termo “autocausado”. Com isso, não estamos dizendo que os atos surgem do nada, se autocausando, ou seja, que atos causem atos. Estamos simplesmente dizendo que atos são causados pelo próprio agente, isto é, pela própria pessoa. Portanto, a pessoa é a causa e os atos são os efeitos. Isso é que são atos “autocausados”.
Os atos precisam ser autocausados para explicar a origem do pecado e do mal. Se atos autocausados são impossíveis, então é Deus quem coloca o desejo pelo pecado e que causa o ato pecaminoso. Mas “se a inclinação má que levou Adão a pecar veio dele mesmo, de maneira autônoma, tal seria uma enorme concessão ao arminianismo”[1] (e também Wesleyanismo). Seria dizer que atos autocausados são possíveis, e que, de fato, já existiram. Mais do que isso, negar que possam existir atos autocausados é o mesmo que dizer que a rebelião de Satanás partiu de Deus.
Norman Geisler aborda isso, dizendo:
“Se as ações autocausadas não são possíveis, então não há nenhuma explicação para o pecado de Lúcifer. Porque, novamente, um Deus impecável não poderia ter causado o pecado em Lúcifer (Tg 1.13). Visto que Lúcifer foi o primeiro a pecar, a sua ação deve ter sido autocausada, ou ele nunca teria sido capaz de pecar. Segue-se que as ações autocausadas são possíveis”[2]
Ele também diz:
“Isso não explica a origem do desejo de pecar de Lúcifer. Se esse desejo não veio de Deus, então deve ter vindo dele mesmo. Nesse caso, seu ato original maligno foi autocausado, isto é, gerado pelo próprio Satanás – exatamente a idéia de livre-arbítrio do ser humano que o calvinista radical rejeita”[3]
A alegação fatalista de que deve haver uma causa irresistível externa para causar os atos é falha, porque, se essa objeção fosse levada a sério, nem Deus poderia criar o mundo ou fazer qualquer coisa, visto que deveria ter alguma causa externa que determinasse seus atos. Mas se os atos de Deus são autocausados, então atos autocausados são possíveis. Geisler diz:
“As ações autocausadas não são impossíveis. Se fossem, então Deus, que não pode fazer o que é impossível (v. tb. Hb 6.18), não teria sido capaz de criar o mundo, porque não havia ninguém ou nada mais para causar a existência do mundo antes de o mundo existir, exceto o próprio Deus. Se o ato da criação não foi autocausado por Deus, não poderia ter acontecido, visto que Deus, a Causa não-causada, é o único que poderia ter realizado aquela ação”[4]
Explicar as razões que levam o homem a tomar certa decisão pode ser tão difícil quanto explicar o que levou Deus a criar o mundo ou a fazer qualquer coisa, mas inferir que os atos do homem não podem ser autocausados por causa disso é simplesmente um non sequitur, uma vez que fatalista nenhum sabe o que fez com que Deus causasse o Universo, e mesmo assim crê que os atos de Deus foram autocausados. Sobre isso, Geisler afirma:
“Se este raciocínio estiver certo, nem mesmo Deus poderia agir livremente. Não há condições causais suficientes, além de Sua vontade, para Suas decisões. Contudo, Feinberg admite que Deus pode agir livremente. Portanto, a perspectiva de Feinberg é inconsistente”[5]
Em resumo, atos autocausados são possíveis. Esta é a única forma de explicar a Queda de Adão, a rebelião de Satanás e o pecado do homem. É também a única forma de responsabilizar o homem e de torná-lo livre. As objeções calvinistas com base na filosofia falham em desconsiderar que, se não é possível tomar uma decisão a não ser que essa decisão seja externamente determinada, então nem Deus poderia determinar nada, visto que ninguém determina as escolhas de Deus – elas são autocausadas. Portanto, atos autocausados são possíveis.
Adaptado do livro Calvinismo X Arminianismo cedido pela comunidade de arminianos do Facebook
[1] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p. 149.
[2] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 28.
[3] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 23.
[4] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 28.
[5] GEISLER, Norman. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 64.