A evidência apresentada por Penton, na carta1 que enviou à Sociedade Torre de Vigia em 11 de agosto de 1995 (três anos antes de sair aDespertai! de 8 de julho de 19982) sobre Balzereit era irrefutável, por isso a Sociedade não pôde continuar a fazer de Balzereit um bode expiatório.
Porém, as razões por detrás da mudança na atitude da Sociedade Torre de Vigia em relação a Balzereit talvez tenham sido outras: se eles continuassem a dizer que Balzereit tinha alterado (ou deturpado) o conteúdo da Declaração para agradar aos nazis, isso seria admitir que de fato havia na Declaração frases especialmente escritas para agradar aos nazis! É obvio que isso não convém à estratégia de vitimização das Testemunhas de Jeová, de se fazerem passar por uns mártires coitadinhos. Portanto a Sociedade Torre de Vigia agora adotou uma nova estratégia (muito mais inteligente): ilibar Balzereit de toda a culpa (coisa fácil de fazer, especialmente porque a Sociedade Torre de Vigia não assume que o difamou3) e dizer que a Declaração não tinha absolutamente nada de mal e até era bem intencionada!
O historiador M. James Penton cita a transcrição da gravação das conferências sobre a história das Testemunhas de Jeová na Alemanha, dadas em 1976 na República Federal da Alemanha por Konrad Franke, que foi o superintendente da filial da Torre de Vigia na Alemanha entre 1955 e 1969:4
“[…] quando a reunião começou, foi precedida por uma canção que nós já não cantávamos há muitos anos, especialmente na Alemanha,”5 [tal como em todas as citações nesta página, ênfase acrescentada]
Porque é que Rutherford escolheu precisamente para esta reunião um cântico que os Estudantes da Bíblia já não cantavam há muitos anos? Vejamos o que Franke diz a seguir:
“devido à melodia. Embora não houvesse problema com a letra — bem, os músicos que estão aqui reconhecerão que as notas eram [retiradas] da melodia de “Deutschland, Deutschland, über alles”!”6 [“Alemanha, Alemanha, acima de tudo.” Era o hino nacional alemão.]
Eis a razão por que eles já não cantavam há muitos anos essa canção: toda a gente a reconhecia como tendo exatamente a mesma melodia do hino alemão! A própria Despertai! reconhece isso na página 13 da edição de 8 de julho de 19987, ao dizer que eles “talvez relutassem em cantar” aquele cântico porque “a melodia” do cântico “era a mesma que a do hino nacional” alemão.
Voltemos ao relato de Franke:
“Conseguem imaginar como nos sentimos? Muitos não podiam cantar; era exatamente como se alguém os estivesse a estrangular. Que espécie de líderes tínhamos nós, que nos trouxeram [para] tais perigos — e o perigo de hesitar ou balbuciar nestas circunstâncias — em vez de nos ajudarem e apoiarem, de modo que pudéssemos tomar uma posição destemida [contra o Nazismo]. Que todos os anciãos que estão aqui entre nós [a escutar esta conferência] possam aprender alguma coisa destes exemplos, e que reconheçam as suas responsabilidades em tais assuntos no futuro próximo.”8
Porque é que eles haviam de ter essa curiosa reação ao cântico se, conforme diz a Despertai! (p. 13): “os Estudantes da Bíblia na Alemanha ocasionalmente ainda cantavam o cântico 64”?9
Será que era porque até eles reconheciam que aquilo era uma mascarada ao hino alemão, para ganhar as boas graças dos nazis?
Essa declaração da Despertai! também é contrariada pela afirmação do ex-diretor da filial alemã, Franke, que diz que aquela era “uma canção que nós já não cantávamos há muitos anos, especialmente na Alemanha”, conforme citado acima.
Outro ponto em que a Despertai! é pouco honesta é ao dar esta desculpa (p. 13):
“Realmente, o congresso começou com “A Gloriosa Esperança de Sião”, Cântico 64 do cancioneiro religioso das Testemunhas de Jeová. A letra desse cântico foi adaptada à música composta por Joseph Haydn em 1797. O Cântico 64 já estava no cancioneiro dos Estudantes da Bíblia pelo menos desde 1905. Em 1922, o governo alemão adotou a melodia de Haydn com a letra de Hoffmann von Fallersleben como hino nacional.”10
Aqui a Sociedade Torre de Vigia está a ser pouco honesta. Vejamos porquê:
Ponto 1: O cancioneiro que os Estudantes da Bíblia usavam em 1933 não era o cancioneiro de 1905
Aquela reunião, onde foi adotada a resolução e se cantou o “Cântico 64”, ocorreu em 1933.11 Nesta altura as Testemunhas de Jeová usavam um cancioneiro que tinha sido lançado em 1928 (veja o livro Proclamadores, página 241), portanto seis anos depois de a Alemanha ter escolhido aquela melodia de Haydn para hino alemão!
É irônico que o livro Proclamadores diga:
“1928: “Cânticos de Louvor a Jeová” (337 cânticos, uma mistura de hinos novos, escritos pelos Estudantes da Bíblia, e de outros mais antigos. Na letra, fez-se esforço especial de afastar-se de sentimentos da religião falsa e da adoração de criaturas.)”12
Porque é que — seis anos depois de a Alemanha estar a usar aquela melodia como hino nacional — os Estudantes da Bíblia decidiram manter no seu cancioneiro essa melodia que estava inconfundivelmente ligada a um hino nacional que glorificava a “Alemanha acima de tudo” (“Deutschland, über alles”)?
E porque é que, dentre os 337 (trezentos e trinta e sete!) cânticos que existiam no cancioneiro, eles tiveram logo de escolher um cântico que qualquer pessoa identificaria com o hino alemão? A Despertai! não responde a essa pergunta, mas a razão para a escolha é perfeitamente óbvia.
Ponto 2: A Despertai! oculta a origem da “melodia de Haydn”
Pela forma como a Despertai! descreve a “melodia de Haydn”, o leitor fica com a impressão que essa era apenas mais uma das melodias de Haydn. A verdade — que a Despertai! preferiu esconder dos seus leitores — é que a melodia foi desde a sua origem um Hino Imperial em honra do Kaiser Francisco II !
Essa melodia foi composta por Haydn como “um Hino Imperial (Hino do Kaiser) para Francisco II, o último Kaiser do […] ‘Santo Império Romano'”.13
Referindo-se à mesma melodia, a Encyclopedia Britannica diz que “Em 1797 Haydn deu à nação austríaca a empolgante canção “Gott erhalte Franz den Kaiser” (“Deus Salve o Imperador Francisco“).”14
A Encyclopedia Britannica, diz ainda que “a melodia [foi] originalmente composta por Joseph Haydn em 1797 como um hino imperial austríaco.”15
Num terceiro artigo, a Encyclopedia Britannica diz novamente que Haydn “tinha composto [essa melodia] em 1797 como um hino imperial austríaco“.16
Os escritores da Despertai! foram desonestos ao esconderem dos leitores que a “melodia de Haydn” era na realidade — desde a sua origem, em 1797 — um “hino imperial austríaco” com o título “Deus Salve o Imperador Francisco”.
Ponto 3: A Despertai! oculta dos seus leitores que a “melodia de Haydn” tinha sido durante mais de 100 anos o Hino da Áustria!
Essa melodia “Com várias variações no texto serviu como Hino da Áustria até ao fim do Império Austro-Húngaro em 1918 (fim da Primeira Guerra Mundial)”.17
A Encyclopedia Britannica diz que a melodia “foi usada como hino austríaco durante mais de um século“.18
A Encyclopedia Britannica diz ainda que essa canção “foi usada durante mais de um século como hino nacional da monarquia austríaca e como canção patriótica “Deutschland, Deutschland über alles” (“Alemanha, Alemanha sobre tudo”) na Alemanha“.19
Reunindo as informações recolhidas nestas últimas 3 citações, concluímos que a canção foi usada desde 1797 até 1918 como hino da Áustria! Por que é que a Despertai! esconde este fato?
Quando a Sociedade Torre de Vigia decidiu incluir a melodia no seu cancioneiro de 1905, a melodia já tinha atrás de si uma longa história demais de um século como Hino do Império Austríaco e também como “canção patriótica […] na Alemanha“, exaltando a Alemanha “acima de tudo”.
Quando a Sociedade Torre de Vigia decidiu manter a melodia no seu cancioneiro de 1928, a melodia entretanto (em 1922) tinha sido adotada como Hino da Alemanha.
Seja qual for o ângulo por que se examine a questão, a posição da Sociedade Torre de Vigia neste assunto é completamente indefensável e aDespertai! escondeu informação dos seus leitores.
Ponto 4: A Despertai! esconde dos seus leitores que a “melodia de Haydn” tinha sido um Hino não-oficial da Alemanha desde meados de 1850!
Essa melodia “tinha sido um hino nacional não oficial [da Alemanha] na segunda metade do século XIX“.20
Estes fatos mostram que a honestidade da Sociedade Torre de Vigia deixa muito a desejar e esse artigo da revista Despertai! não passa de uma desastrada tentativa de branqueamento do comportamento vergonhoso que teve naquela ocasião em 1933.
Notas
1 Carta Aberta do Historiador M. James Penton Para o Líder das Testemunhas de Jeová.
2 “Testemunhas de Jeová — Coragem diante do perigo nazista”.
3 Anuário das Testemunhas de Jeová de 1975, p. 111.
4 A Sentinela, 1.º de maio de 1997, p. 25.
5 Konrad Franke Revela Fatos Embaraçosos Para as Testemunhas de Jeová.
6 Ibid.
7 “Testemunhas de Jeová — Coragem diante do perigo nazista”.
8 Konrad Franke Revela Fatos Embaraçosos Para as Testemunhas de Jeová.
9 “Testemunhas de Jeová — Coragem diante do perigo nazista”.
10 Ibid.
11 Ibid.
12 Testemunhas de Jeová — Proclamadores do Reino de Deus (1993), p. 241.
13 Ruth Reichmann, “Das Lied der Deutschen: German National Anthem”.
14 Encyclopedia Britannica, “Haydn, Joseph”.
15 Encyclopedia Britannica, “Deutschlandlied”.
16 Encyclopedia Britannica, “Hoffmann von Fallersleben, August Heinrich”.
17 Ruth Reichmann, “Das Lied der Deutschen: German National Anthem”.
18 Encyclopedia Britannica, “Deutschlandlied”.
19 Encyclopedia Britannica, “Haydn, Joseph”.
20 Ruth Reichmann, “Das Lied der Deutschen: German National Anthem”.
Extraído do site corior.blogspot.com/ em 14/04/2014