Reproduzimos abaixo a entrevista* que o prof. Paulo Cristiano concedeu à jornalista Andréa França da revista* Graça.
Recentemente o estudioso bíblico Bart Ehrman, professor na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill lançou mais um livro polêmico. Autor de títulos como: “Verdade e Ficção em o Código da Vinci”; “O que Jesus Disse? O que Jesus não Disse? Quem Mudou a Bíblia e Por quê”, agora ele está em evidência por conta de sua nova obra Jesus Interrupted (ainda sem tradução), através da qual afirma que a Bíblia não é um livro inspirado por Deus.
Pontos defendidos por Bart Ehrman:
1 – Os autores do Novo Testamento divergem constantemente sobre quem era Jesus e como funciona o processo de salvação.
2 – O Novo Testamento contém livros, cuja autoria foram atribuídas aos Apóstolos, mas, na verdade, foram escritos por cristãos muitas décadas após a vida de Cristo.
3 – Jesus, Paulo, Mateus e João representavam, cada um, uma religião diferente. O que torna cada livro singular e único com mensagens exclusivas e, muitas vezes, até contraditórias de livro para livro.
4 – As doutrinas cristãs estabelecidas, tais como: o sacrifício do Messias, a divindade de Jesus e a trindade foram inventadas por teólogos posteriores.
Andréa França: Levando em consideração o fato de a Bíblia ser composta por 66 livros redigidos por vários autores em datas diversas, há fundamento na tese defendida por Bart Ehrman de que os 27 livros do Novo Testamento devem ser lidos e interpretados de forma separada e não de forma complementar, como é o consenso entre os cristãos? O fato de os Evangelhos terem vários autores enfraquece a veracidade da Bíblia? Por quê?
Paulo Cristiano: Não acredito. Apesar de o Novo Testamento ter sido escrito por diversos autores, os escritos que eles deixaram formam uma unidade coesa quando analisados conjuntamente. A problemática com os imbróglios de Ehrman envolvendo os textos do Novo Testamento se dá pelo fato de ele já partir de um paradigma epistemológico enviesado. É por meio dele que todo o seu trabalho de crítica textual é orientado. Ehrman não se tornou um crítico do cristianismo apenas por causa das suas pesquisas acadêmicas, mas também por questões puramente filosóficas que envolvem Deus e o problema do mal.
Ele parte da hipótese de que as discrepâncias existentes nas narrativas entre os autores do Novo Testamento levariam a “diferentes pontos de vista teológicos” (sic). Mas é justamente pelo fato de os autores dos Evangelhos trazerem pormenores diferentes e ligeiras variantes na descrição de um mesmo fato que podemos confiar em tais narrativas. Isso mostra que os documentos se tornam tanto mais digno de fé, visto que mostra os escritores não terem forjado uma história.
Ehrman conclui que pelo fato de existir “versões diferentes da história” é errado acreditar que os autores neotestamentários diziam a mesma coisa. Ora, se esse raciocínio partisse de um leigo, seria até compreensível, mas de alguém que ostenta a cátedra de professor é inadmissível. Isso coloca em evidência a falta de conhecimento acadêmico sobre princípios rudimentares metodológicos de algumas áreas científicas por parte de Ehrman.
Andréa França: Segundo Ehrman, a Bíblia não é infalível e contém muitos erros, além de diferentes pontos de vista teológicos que precisam ser reconhecidos. Como estudioso bíblico, como o senhor refuta essas afirmações?
Paulo Cristiano: O foco da questão recai novamente nas especulações de Ehrman. Ele parte da premissa de que um Deus infalível teria necessariamente de preservar sua Palavra segundo os próprios padrões que ele (Ehrman) determinou. Para provar essa assertiva, sua tese foi elaborada a partir das discrepâncias existentes no texto bíblico bem como de suas inúmeras variantes textuais. Ora, discrepâncias e contradições são coisas diferentes! Nenhum estudioso sério negaria que há milhares de variantes textuais e dificuldades no Novo Testamento, mas partir deste fato para concluir que há contradições nos “pontos de vista teológicos” é laborar em erro. Ehrman pretende transformar algumas dificuldades bíblicas em contradições. Mas dificuldades não significam objeções, haja vista que problemas ainda não solucionados, não são erros.
Na entrevista concedida à revista Época, Ehrman cita dois exemplos do que ele acredita serem erros que desabonariam a Bíblia como livro inspirado. O primeiro é um contraste entre o que Cristo e Paulo afirmaram sobre o processo da salvação. Além da citação de Mateus 24 estar errada, pois o texto em apreço não menciona nada sobre salvação pelas obras, as reais declarações de Paulo e Jesus sobre fé e obras não são contraditórias, mas complementares entre si. Embora Paulo enfatize a fé, ele deixa claro que essa fé é a raiz das obras (Ef 2.8-10) e Jesus aponta as obras como fruto da crença nele.
Outro exemplo fornecido por ele é a suposta divergência entre os Evangelhos de Mateus e de João. Ehrman afirma que João apresenta a divindade de Cristo, mas não sua humanidade. Ora, ele esquece que o teor do evangelho de João é apologético e como tal era uma refutação às alegações gnósticas de que Jesus não era humano, o que é refutado por João já no prólogo de seu evangelho (e também em suas epístolas). Sendo assim, uma análise crítica mais acurada desfaz toda a dúvida sobre as alegadas “contradições”.
Andréa França: De acordo com seus conhecimentos acerca da história da Bíblia, que respostas daria para os seguintes questionamentos levantados por Ehrman: Por que não temos a Bíblia original? Por que temos apenas manuscritos escritos mais tarde e que não são iguais? (Segundo ele, essas diferenças mostram que não existe um livro com inspiração divina que foi entregue a nós).
Paulo Cristiano: Não temos provas históricas de como desapareceram os autógrafos originais do Antigo e Novo Testamentos. Entretanto, o material no qual ambos foram escritos era frágil e logo se desgastava com o uso contínuo. Portanto, os textos necessitavam ser copiados constantemente. No caso do Novo Testamento, é provável que os cristãos primitivos tenham lido e relido até que se gastasse, desfazendo-se por completo. É verdade que as cópias que foram feitas dos originais possuem erros de copistas e algumas interpolações em alguns pouquíssimos pontos, todavia, não altera em lugar algum o texto. Das 250.000 (duzentos e cinqüenta mil) variantes, a maioria refere-se somente à ortografia e à disposição das palavras. Será que com todas estas variantes não ficaria prejudicada a crença de que nossos textos modernos refletem o mesmo texto do original? Segundo Hort, 7/8 do texto estão fora de discussão. As variantes que modificam o texto abrangem a milésima parte dele apenas.
Bruce Metzger, uma das maiores autoridades em grego neotestamentário (a quem Ehrman chama de “mentor e pai-doutor” em um de seus livros), afirma que as diferenças não afetam substancialmente nenhuma doutrina cristã. Isto mostra o choque entre o mestre e o aluno que não aprendeu bem as lições de casa. Norman Geisler e Willian Nix acrescentam: “O Novo Testamento, então, não apenas sobreviveu em maior número de manuscritos que qualquer outro livro da antiguidade, mas sobreviveu em forma mais pura que qualquer outro grande livro – uma forma 99,5% pura.”
Contudo, é bom frisar que nenhum manuscrito ou tradução é inspirado, apenas o original. No entanto, devido ao grande número de manuscritos existentes com datação próxima aos autógrafos originais, podemos com certeza reconstruir o texto original. Partindo desta lógica, podemos considerá-los para todos os efeitos, nas palavras de Josh Mcdowell, como “virtualmente” inspirados.
Andréa França: Segundo a declaração de Bart Ehrman na entrevista para à Época, ele tornou-se agnóstico e deixou a cristandade não por conta de seus estudos históricos da Bíblia, mas por não acreditar que poderia haver um Deus no comando deste mundo cheio de dor e sofrimento. O que o senhor espera de um teólogo cujas decisões são baseadas em experiências empíricas em detrimento de estudos bíblicos? Essa postura do autor já não compromete o teor de suas análises acerca da Bíblia?
Paulo Cristiano: É impossível começar qualquer análise sem pressuposições. A própria ciência depende de pressuposições. A questão é se tais pressuposições são válidas ou não. No caso de Bart Ehrman, ele criou um padrão pessoal baseado em um método dedutivo deficiente pelo qual submeteu a fé cristã e, por último, o próprio Deus aos caprichos de suas opiniões pessoais. Verificando que Deus não se enquadrava em seus pressupostos, ele começou a desacreditar a Bíblia sem levar em consideração as evidências históricas disponíveis. Sua abordagem exegética do Novo Testamento deixa muito a desejar, assim como seu conhecimento em algumas áreas das ciências humanas.
O ataque de Ehrman contra o cristianismo ortodoxo não possui nada de original, segue a mesma linha das escolas de pensamento do “Seminário de Jesus”, de “Dominic Crossan” e outros que tentaram desconstruir a fé cristã nestas últimas décadas por meio da “alta crítica”. É lamentável verificar que obras superficiais como as dele causem tanto alvoroço nos meios midiáticos. O sucesso de tais obras fica mais por conta da propaganda midiática empregada do que pelo mérito das obras em si.