“Apóstata” é um termo muito usado pelas Testemunhas de Jeová para designar ex-membros que questionam as suas doutrinas. Por vezes a literatura das Testemunhas de Jeová usa o termo “apóstata” num sentido mais abrangente, como por exemplo, na expressão “a cristandade apóstata”. O livro das Testemunhas de Jeová intitulado Estudo Perspicaz das Escrituras, vol. 1 (1990), p. 158 diz:
«Apostasia […] nas Escrituras Gregas Cristãs, [o termo “apostasia”] é usado primariamente com respeito à defecção religiosa; um afastamento ou abandono da verdadeira causa adoração e serviço de Deus, e, portanto, o abandono daquilo que a pessoa antes professava e uma deserção total de princípios ou da fé.»
Analisemos os vários significados:
1) “defecção religiosa”. Se defecção religiosa (abandono de uma religião que a pessoa tinha antes) é apostasia, então a esmagadora maioria das Testemunhas de Jeová são apóstatas (e por conseguinte não estão em posição de usar a palavra “apóstata” como termo depreciativo contra outras pessoas), pois antes de se converterem às Testemunhas de Jeová pertenciam à Igreja Católica e a outras religiões. As únicas Testemunhas de Jeová que poderiam dizer que não incorreram em “defecção religiosa” são aquelas que nunca pertenceram a outra religião além das Testemunhas de Jeová, mas mesmo estas não estão a salvo da classificação como apóstatas, conforme vamos ver a seguir no ponto 3.
2) “afastamento ou abandono da verdadeira causa, adoração e serviço de Deus”. As Testemunhas de Jeová só poderiam chamar apóstatas aos que saem da religião delas se conseguissem provar que a religião delas é a “verdadeira causa, adoração e serviço a Deus”. Mas elas não podem provar isso. O que se pode provar de forma conclusiva é que as Testemunhas de Jeová não são a “verdadeira […] adoração e serviço a Deus”. Basta ler os sites da Internet que refutam as Testemunhas de Jeová, ou os livros de Franz, Jonsson, Penton e Gruss. “A religião que ensina mentiras não pode ser verdadeira.” (A Sentinela, 1 de Dezembro de 1991, p. 7, §3)
3) “o abandono daquilo que a pessoa antes professava”. As Testemunhas de Jeová abandonaram aquilo que professavam quando estavam noutras religiões. Nos últimos 10 anos todas as Testemunhas de Jeová abandonaram o que antes professavam sobre a “geração de 1914”, sobre a proibição do serviço cívico em substituição do serviço militar, sobre a separação das ovelhas e dos cabritos, sobre componentes do sangue, etc. Se as Testemunhas de Jeová vão usar o abandono daquilo que antes se professava como critério para classificar alguém como apóstata, então têm de admitir que elas próprias são apóstatas.
4) “uma deserção total de princípios ou da fé”. Isto não se aplica a todos os ex-membros que questionam as Testemunhas de Jeová, pois muitos continuam a ter princípios e fé. As Testemunhas de Jeová chamam “apóstatas” mesmo a estes.
O livro Estudo Perspicaz das Escrituras continua (na mesma página citada acima):
«Que características distinguem os apóstatas dos verdadeiros cristãos? Uma apostasia entre os professos cristãos foi predita pelo apóstolo Paulo em 2 Tessalonicenses 2:3. Ele mencionou especificamente certos apóstatas, tais como Himeneu, Alexandre e Fileto. (1Ti 1:19, 20; 2Ti 2:16-19)»
2 Timóteo 2:18 diz que Himeneu e Fileto diziam que a ressurreição já tinha ocorrido. As Testemunhas de Jeová cometeram várias vezes essa apostasia de dizer que a ressurreição para o céu já ocorreu, chegaram ao extremo de indicar anos específicos em que a ressurreição alegadamente tinha ocorrido, e alguns anos depois mudaram o ensino e passaram a dizer que a ressurreição afinal ocorreu noutro ano. Em 1877 Charles Taze Russell dizia que a ressurreição invisível dos santos tinha começado em 1875:
«A Ressurreição. Agora pretendemos mostrar que o tempo apropriado tinha chegado, e consequentemente a ressurreição começou, na primavera de 1875. Não a ressurreição da grande massa da humanidade, que será levantada na carne, com o corpo terreno, natural ou animal; mas antes a ressurreição daqueles que, “semeados um corpo natural, são levantados um corpo espiritual”; e consequentemente, tão invisíveis para nós como os anjos, ou como o próprio Cristo. É isto que entendemos ser o “segundo nascimento”, nomeadamente: uma entrada para uma segunda vida superior.» (N. H. Barbour e C. T. Russell, Three Worlds, and the Harvest of This World, 1877, p. 108, § 3)
Depois ele deitou para o caixote do lixo essa afirmação sobre a ressurreição em 1875 (afinal era uma falsidade? Era uma apostasia como a de Himeneu e Fileto?) e inventou uma nova data para a ressurreição: 1878. No volume 3 de Estudos das Escrituras ele escreveu:
«E como a ressurreição da Igreja tem de ocorrer algures durante este período do “fim” ou da “colheita” (Rev. 11:18), afirmamos que é uma inferência muito razoável, e em perfeita harmonia com todo o plano do Senhor, que na primavera de 1878 todos os santos apóstolos e outros “vencedores” da era do Evangelho que dormiam em Jesus foram levantados [como] seres espirituais, à semelhança do seu Senhor e Mestre. E embora nós, consequentemente, concluamos que a ressurreição deles é agora um facto consumado, e portanto que eles bem como o Senhor estão presentes na terra, o facto de não os vermos não é obstáculo à fé quando nos lembramos que, tal como o seu Senhor, eles são agora seres espirituais, e, como ele, invisíveis aos homens. […] o Deus do céu estabelecerá um Reino, e que o estabelecimento desse Reino na realidade tem estado em progresso desde o ano1878; que então a ressurreição de todos os mortos em Cristo tinha de acontecer; e que consequentemente, desde essa data, não só o nosso Senhor e Cabeça está invisivelmente presente no mundo, mas todos estes santos mensageiros também estão com ele. E observe, também, que esta data da ressurreição dos mortos em Cristo é paralela à data da ressurreição da Cabeça do corpo. A ressurreição do nosso Senhor ocorreu três anos e meio depois do seu advento como o Messias, em 29 A.D.; e a ressurreição do seu corpo, a Igreja, como vimos, ocorreu no ano 1878, três anos e meio depois do seu segundo advento, em Outubro de 1874.» (C. T. Russell, Studies in the Scriptures, vol. 3, Thy Kingdom Come, 1891, pp. 234, 305)
Algum tempo depois disso, as Testemunhas de Jeová deitaram para o caixote do lixo a data 1878, como antes tinham deitado para o caixote do lixo a data 1875, e inventaram uma nova data (já é a terceira!) para a ressurreição: 1918. Na Sentinela de 15 de Outubro de 1988, p. 12, § 13 lemos a nova data:
«Em harmonia com isso, e de acordo com toda a evidência, os dos ungidos que haviam falecido fiéis passaram a ser ressuscitados para o seu lugar prometido no santuário celestial a partir de 1918.»
Portanto as Testemunhas de Jeová são culpadas da mesma apostasia de Himeneu e Fileto: disseram que a ressurreição já ocorreu, e até anunciaram anos específicos.
Voltemos ao Estudo Perspicaz das Escrituras, vol. 1 (1990), p. 158:
«Entre as diversas causas da apostasia apresentadas nos avisos apostólicos achavam-se: falta de fé (He 3:12), falta de perseverança em face de perseguição (He 10:32-39), abandono dos padrões morais corretos (2Pe 2:15-22), acatar “palavras simuladas” de falsos instrutores e “desencaminhantes pronunciações inspiradas” (2Pe 2:1-3; 1Ti 4:1-3; 2Ti 2:16-19; compare isso com Pr 11:9)»
Essa parte sobre “palavras simuladas” de falsos instrutores e sobre “desencaminhantes pronunciações inspiradas” encaixa-se perfeitamente nas Testemunhas de Jeová, conforme está abundantemente documentado. Devemos então concluir que as Testemunhas de Jeová são apóstatas?
«e tentar “ser declarados justos por meio de lei”. (Gál 5:2-4) Os apóstatas, embora ainda professem ter fé na Palavra de Deus, talvez abandonem o serviço dele por tratar com descaso a obra de pregação e de ensino que ele designou aos seguidores de Jesus Cristo. (Lu 6:46; Mt 24:14; 28:19, 20)»
Antes de chamar “apóstatas” às ex-Testemunhas de Jeová que não vão de porta em porta vender as interpretações delirantes dos dirigentes das Testemunhas de Jeová e pedir dinheiro para a organização, convém notar que:
1) Se lermos os textos aí mencionados (Lu 6:46; Mt 24:14; 28:19, 20), verificaremos que não falam de apostasia. Esses textos não dizem em lado nenhum que os apóstatas tratam com descaso a obra de pregação. Portanto os líderes das Testemunhas de Jeová que escreveram isso estão a deturpar a Bíblia para imputarem motivações suspeitas aos que recusam participar na conversão de mais adeptos e peditório de dinheiro para a organização.
2) O método de ir de porta em porta, do jeito aplicado e ensinado pela Sociedade Torre de Vigia, não tem apoio. As Testemunhas de Jeová estão a deturpar deliberadamente os textos.
3) A mensagem que as Testemunhas de Jeová pregam não é o ensino que Jesus ordenou, é antes um ‘novo e falso evangelho’ que anuncia que o reino de Deus começou em 1914 e que devemos obedecer e acreditar em tudo o que os líderes das Testemunhas de Jeová dizem. Para uma análise do ‘novo evangelho’ que as Testemunhas de Jeová pregam, diferente do evangelho de Jesus.
Voltemos ao Estudo Perspicaz das Escrituras, vol. 1 (1990), p. 158:
«Talvez afirmem também servir a Deus, mas rejeitam os representantes dele,»
Essa frase tem subjacente duas ideias: 1) que os líderes das Testemunhas de Jeová são os “representantes” de Deus e 2) que não é possível servir a Deus e rejeitar os líderes das Testemunhas de Jeová ou, dito de forma mais explícita: as únicas pessoas que servem a Deus são as Testemunhas de Jeová. Basta estudar a história das Testemunhas de Jeová para ver que estes fulanos arrogantes e convencidos que se querem fazer passar por “representantes” de Deus são uma farsa. Os líderes das Testemunhas de Jeová auto-nomearam-se “representantes” de Deus e agora chamam apóstatas a quem não lhes obedece!
«Sua organização visível,»
«e depois passam a “espancar” seus anteriores companheiros, para impedir a obra destes. (Ju 8, 11; Núm 16:19-21; Mt 24:45-51)»
Criticar ou refutar ensinos falsos e pessoas arrogantes que se autonomearam “representantes” de Deus não é espancar!
Se isso é espancar, então as Testemunhas de Jeová também são apóstatas, porque depois de saírem de outras religiões e se converterem às Testemunhas de Jeová, passaram a “espancar” seus anteriores companheiros, criticando-os nas suas revistas e livros e de porta em porta. Se criticar é “espancar”, então Jesus e os primeiros cristãos também ‘espancavam’ os seus opositores religiosos, os seus “anteriores companheiros” do judaísmo.
O que esse texto no Estudo Perspicaz revela é que os líderes das Testemunhas de Jeová julgam-se acima das críticas. Eles acham que podem criticar vitriolicamente todas as religiões (e até os que não têm religião), mas quando alguém os critica a eles, fingem que são vítimas coitadinhas e inocentes e queixam-se, com ares indignados, que estão a ser “espancados” por “apóstatas”. Talvez as Testemunhas de Jeová precisem que lhes recordemos o que elas próprias disseram na Despertai! de 8 de Setembro de 1997, p. 6: “Não é errado a pessoa tentar refutar os ensinos e as práticas de um grupo religioso que ela julgue ser incorretos.”
«Os apóstatas frequentemente procuram fazer de outros seus seguidores. (At 20:30; 2Pe 2:1, 3)»
Isto não se aplica à generalidade das ex-Testemunhas de Jeová. Aplica-se sim, e com exatidão, aos líderes das Testemunhas de Jeová: eles querem fazer de outros seus seguidores, querem que todas as pessoas obedeçam ao que eles dizem, pois acham-se os “representantes” de Deus. Eles até se referiram aos Estudantes da Bíblia como “os Seguidores do Pastor Russell” (Testemunhas de Jeová — Proclamadores do Reino de Deus, 1993, p. 69). Portanto as Testemunhas de Jeová encaixam-se perfeitamente na descrição: «Os apóstatas frequentemente procuram fazer de outros seus seguidores». O Estudo Perspicaz menciona Atos 20.30 que diz: “surgirão homens e falarão coisas deturpadas, para atrair a si os discípulos”. Isto também se aplica perfeitamente às Testemunhas de Jeová. A história delas é uma sucessão interminável de “coisas deturpadas”, muitas vezes envolvendo falsas profecias e falsas expectativas, que tiveram o efeito de “atrair a si os discípulos”.
«Os que assim deliberadamente abandonam a congregação cristã tornam-se deste modo parte do “anticristo”. (1Jo 2:18, 19)»
Se “congregação cristã” não é sinónimo de “congregação das Testemunhas de Jeová”, então toda essa diabolização é uma falácia. É absurdo chamar “anticristo” a muitas ex-Testemunhas de Jeová que crêem em Deus, em Jesus e na Bíblia. Isso é mais um sinal da incrível arrogância das Testemunhas de Jeová.
«Assim como se deu com os israelitas apóstatas, também se predisse a destruição dos que apostatam da congregação cristã. — 2Pe 2:1; He 6:4-8»
Analisemos um dos textos aí citados, 2 Pedro 2:1:
«No entanto, houve também falsos profetas entre o povo, assim como haverá falsos instrutores entre vós. Estes mesmos introduzirão quietamente seitas destrutivas e repudiarão até mesmo o dono que os comprou, trazendo sobre si mesmos uma destruição veloz.»
As expressões “falsos profetas”, “falsos instrutores” e “seitas destrutivas” aplicam-se perfeitamente às Testemunhas de Jeová.
«É evidente que há uma distinção entre uma ‘queda’ devido a uma fraqueza e o ‘desvio’ que constitui apostasia. Esse último subentende um afastamento definitivo e deliberado da vereda da justiça. (1Jo 3:4-8; 5:16, 17) Seja qual for a base aparente, quer intelectual, quer moral, quer espiritual, constitui uma rebelião contra Deus e uma rejeição de sua Palavra da verdade. — 2Te 2:3, 4»
As expressões “afastamento definitivo e deliberado da vereda da justiça” e “rebelião contra Deus e uma rejeição de sua Palavra da verdade” não se aplicam a todas as ex-Testemunhas de Jeová, portanto é errado as Testemunhas de Jeová empregarem a expressão “apóstatas” de forma indiscriminada como costumam fazer quando se referem aos ex-membros que as criticam.
Essas expressões de certeza que não se aplicam às ex-testemunhas de Jeová que continuam a acreditar na justiça, em Deus e na Bíblia. E também não se podem aplicar às ex-Testemunhas de Jeová que deixaram de crer em Deus e na Bíblia, pois não é possível rebelar-se contra algo em que não se acredita (seria tão obtuso como dizermos que as Testemunhas de Jeová se rebelaram contra Baal), e se não se acredita em Deus, também não se pode acreditar que a Bíblia é a Palavra dele, nem se pode acreditar que é verdade, portanto a expressão “rejeição de sua Palavra da verdade” não tem qualquer sentido quando aplicada a estas pessoas.
Extraído do site http://corior.blogspot.com/ em 20/03/2014