Este é um cenário propício para que se perca a essência do foco do ministério de Jesus, que também é nosso: as pessoas. Não raro percebo um desvio do foco do trabalho apologético nas mais diversas formas: debates em listas de discussão, no Orkut, em programas de rádio ou de TV, em sites focados no tema ou não. Tristemente acompanho debates que são verdadeiras batalhas entre egos, cujo objetivo é ganhar a disputa, ainda que não sirva para mais nada além disso.
Minha experiência como participante de debates levou-me a uma triste constatação: não me recordo de ter visto nenhum debatedor, ainda que vencido pelos argumentos de outrem, converter-se genuinamente à fé cristã por conta do debate.
As pessoas que são enganadas por seitas pseudocristãs têm em seu coração o desejo sincero de seguir a Cristo e creem agir assim. É importante observarmos que todo o ministério de Cristo foi pautado pela apologética. Com extrema habilidade e autoridade Jesus defendeu a fé genuína que havia sido vilipendiada pelos fariseus e escribas: “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque fechais aos homens o reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que entrariam permitis entrar” (Mt 23.13). Este era o tratamento “amoroso” que Jesus dispensava aos líderes religiosos da época. Em contrapartida, o povo que era conduzido pelos fariseus ao engano religioso era tratado de forma muito distinta: “Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?” (Mt 6.26).
Esta era a apologética que Jesus usava com o povo: a Apologética da Compaixão. Da mesma forma é assim que devemos agir com os enganados e oprimidos por sistemas religiosos corrompidos em seus princípios e em sua moral, que arrogam para si o título de igreja verdadeira de Jesus Cristo, mas que estão distantes de Cristo e, consequentemente, da verdade.
Para “pelejar pela fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (Jd 1.3b) é necessário não somente conhecimento, mas principalmente sabedoria e discernimento sobre como comunicar esta fé de forma a ser compreendida. C. S. Lewis escreveu certa vez: “Deus nunca se faz de filósofo diante de uma lavadeira”. Nosso Senhor sempre se comunica de forma totalmente inteligível com seus filhos e também com os que deseja alcançar. “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). O mundo não tem ideia do que seja teologia, hermenêutica ou exegese, mas compreende muito bem o amor e a compaixão. Palavras bonitas são apenas palavras bonitas se não resplandecerem o amor de Deus e palavras difíceis não passam de empecilho para comunicar a verdade bíblica.
É hora de revermos conceitos de como atuar na defesa da fé de forma satisfatória, que efetivamente conduza os perdidos e enganados ao caminho da salvação e não seja simplesmente mais um artigo escrito com anseio acadêmico.
Existem cristãos que se encontram frustrados, cansados e abatidos, pois defendem a fé cristã há anos ou até décadas e nenhuma alma ainda se converteu como resultado de sua pregação e ensino. O que talvez eles não percebam é que estão totalmente fora de sintonia com o mundo em que vivem e estão oferecendo respostas a perguntas que ninguém mais faz.
A Apologética da Compaixão exercida por Jesus é universal e atemporal. Serviu de forma eficiente durante seu ministério terreno e continua a servir de forma eficientíssima nos tempos atuais.
Brennan Manning relata que o homem natural busca segurança, prazer e poder. O mundo pode oferecer tais benefícios, porém é limitado em sua forma, conteúdo e duração. Por mais segurança que se possa contratar, ninguém está imune a ter uma arma apontada para a cabeça durante um assalto. Por mais prazer que se possa encontrar, vai durar só um momento. Por mais poder que se possa acumular, uma virada na economia mundial ou um golpe de Estado podem reduzir tal poder a nada. Comunicar ao perdido a segurança infinita que só há na salvação em Cristo, e nem mesmo um tiro fatal pode tirá-la, que não há prazer terreno que se compare a estar eternamente na presença de Deus na Jerusalém celestial e que o poder de Deus habita e atua em nós de forma inequívoca, e não podemos perdê-lo por conta dos acontecimentos, é exercitar a Apologética da Compaixão. É correto o pensamento de Blaise Pascal que diz que o homem tem um vazio infinito dentro de si que só pode ser preenchido pelo infinito de Deus.
“A benignidade do Senhor jamais acaba, as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.22-23). As misericórdias de Deus provêm de seu amor incondicional e tem como resultado a compaixão.
Observo pessoas que se compadecem dos cachorros abandonados nas ruas. Dão-lhes em primeiro lugar um sinal de afeto, de amor e só depois oferecem água e comida. Por vezes tais pessoas vão além e passam a cuidar desses animais. É interessante observar que, mesmo a partir de uma demonstração de amor, muitos são arredios e desconfiados, vão se aproximando devagar e a qualquer movimento ou barulho diferente já se esquivam e se distanciam, talvez temerosos pelas inúmeras vezes que foram agredidos, maltratados e ignorados. Por conta disso passam a agir defensivamente por instinto, por esperarem sempre o pior vindo dos homens.
De forma um tanto grotesca podemos fazer uma analogia entre esses cachorros de rua e os perdidos. Estes também agem de forma defensiva, instintivamente, pelas várias vezes que já foram machucados pelo mundo ou por “igrejas” que se dizem cristãs. Por isso são arredios à Palavra de Deus e a qualquer coisa relacionada a religião. Ficar falando e falando para elas sobre o amor de Deus sem nenhuma atitude é como apenas contar para o cachorro abandonado como é uma tigela de água ou um prato de ração. Não será na primeira vez que ele permitirá um banho ou o cuidado com uma orelha machucada e infeccionada. Mas depois de demonstrado o amor, o carinho e o cuidado o animal não sairá correndo em disparada ao ser tratado, ainda que sinta dor.
Os homens que estão afastados de Deus sofrem espiritualmente das mesmas mazelas e, pior ainda, muitas vezes refletidas em seu corpo.
A Apologética da Compaixão não vai tentar limpar e curar sem antes demonstrar o amor do Deus que limpa e cura. Quando servimos a Cristo de forma sincera e permitimos que o Espírito Santo de Deus nos guie sem restrições, manifestamos o mesmo amor de Deus pelas almas perdidas, que sofrem e padecem por estarem afastadas deste amor.
Neste mundo corrompido precisamos ser a voz profética que anuncia a verdade cristã e defende as pessoas do engano lançado pela astúcia do inimigo de nossa alma, não combatendo contra a carne e o sangue, não combatendo as pessoas que estão neste engano, mas, ao contrário, demonstrando a elas com toda mansidão e doutrina a razão da nossa esperança em Cristo Jesus, amando-as como Cristo nos ama, sendo misericordiosos como nosso Deus é conosco e, movidos de íntima compaixão, conduzi-las ao entendimento da crença em Cristo e crer na ação do Espírito Santo para convencê-las do pecado, do juízo e da justiça.
Autor: Giuliano Barcelos
Fonte: http://www.revistaapologetica.com.br