Há relatos de violações e de agressões. De medo causado por uma disciplina severa. O relatório sobre o que se passou desde 1936 em instituições católicas irlandesas para acolhimento de crianças era esperado há muito tempo e está a deixar a Irlanda chocada. São 2500 páginas em que se conclui que mais de 2000 crianças sofreram abusos físicos e sexuais e que líderes da Igreja Católica sabiam o que estava a acontecer.
A Comissão de Inquérito sobre o Abuso de Crianças estava há nove anos a investigar as suspeitas em várias instituições de acolhimento de crianças na Irlanda e hoje divulgou as suas conclusões: Houve abusos físicos e emocionais, houve abusos sexuais em grande parte das instituições e sobretudo nas destinadas a rapazes. Houve um regime severo, disciplina opressiva, por vezes fome.
“Os abusos sexuais foram endémicos nas instituições para os rapazes”, lê-se. “A situação nas instituições para raparigas era diferente, não era sistémica”. O documento refere-se a um período que começou em 1936 e acabou no final dos anos 90 e uma das conclusões é que “as autoridades religiosas sabiam que os abusos sexuais eram um problema constante nas instituições masculinas” da Irlanda.
Antes de 1980 viveram em reformatórios e escolas industriais ligadas à Igreja 35000 crianças – mais de 2000 disseram à comissão que tinham sido vítimas de abusos. As conclusões foram apresentadas numa conferência de imprensa para a qual foi pedida a presença da polícia.
Responsabilização
Após a divulgação do relatório, o líder da Igreja Católica na Irlanda, cardeal Sean Brady, disse “lamentar profundamente” o que é relatado no documento que denuncia o “silêncio” da Igreja. “Lamento e estou envergonhado com o facto de crianças terem sofrido desta forma terrível”, adiantou. “O relatório torna claro que foi causada muita dor a algumas das crianças mais vulneráveis”.
Também o líder da Igreja Católica na Inglaterra e no País de Gales, arcebispo Vincent Nichols, considerou que os autores da violência e abusos devem ser responsabilizados, “e não importa há quanto tempo aconteceu”.
A maioria das acusações visa instituições da congregação Irmãos Cristãos, embora outras sejam referidas. Em instituições das Irmãs da Misericórdia terão sido muito menos os abusos sexuais mas bastante frequentes os episódios de humilhação.
Ao referir as constantes violações, o relatório sublinha que “os autores dos abusos puderam continuar [a fazê-lo] durante longos períodos sem serem perturbados”. Quanto à violência física, é denunciado “um clima de medo criado por punições arbitrárias, excessivas e frequentes”. Para além disso, “os abusos sexuais por membros de ordens religiosas eram raramente divulgados ao Ministério da Educação pelas autoridades devido a uma cultura de silêncio sobre a questão”.
“Era habitual ser acordado a meio da noite por pessoas que abusavam sexualmente de mim”, recorda Tom Haynes à BBC. Agora com 60 anos, Haynes ficou órfão muito cedo e foi viver para uma escola dos Irmãos Cristãos em Limerick.
A fé às portas da escola
“Quando informávamos os Irmãos Cristãos éramos agredidos e ameaçados”, recorda. No caso de Haynes, os abusos não eram cometidos por membros da congregação, mas por monitores que vigiavam os dormitórios à noite. A sua fé, diz, “ficou às portas da escola industrial”.
Também Sadie O´Meara, agora com cerca de 70 anos, recorda os dias difíceis numa instituição das Irmãs da Caridade, mas o que mais lamenta é nunca lhe terem dito que a mãe tinha morrido, o que só veio a saber quando saiu, já tinham passado quatro anos.
O primeiro-ministro irlandês, Brian Cowen, sublinhou que o Governo pode pôr em prática medidas para proteger as crianças, mas salientou que “todos na sociedade deverem estar alertas, vigilantes em relação ao que se passa e terem a coragem de intervir quando o bem-estar das crianças for posto em risco”.
Publico/Notícias Cristãs
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