Famosa rede de CDs deixa a Times Square e, no lugar, surgirá a loja de um coreano que lê a Bíblia e vende roupa a centavos.
O COREANO DO-WON Chang reza todos os dias, pela manhã e à noite. O capítulo que mais gosta de ler na Bíblia é João 3, versículo 16. O texto fala em vida eterna e na salvação do mundo pelas mãos do filho de Deus, Jesus Cristo. Mas Chang nada tem de um pregador religioso. Subiu na vida vendendo roupas “made in China” fabricadas por mão de obra infantil e, em vez de descansar no sétimo dia, trabalha (e coloca os empregados para trabalhar) todos os domingos no comércio de Nova York. A dura lida lhe rendeu fortuna. Chang se tornou um dos homens mais ricos do varejo de vestuário nos EUA. Em duas décadas e meia, ele e a sua mulher, Jin-Sook, criaram o templo da moda a centavos, a Forever 21, com 360 lojas, itens a partir de US$ 3,99 e receita anual em US$ 1,8 bilhão. “Nós somos o sonho americano”, disse o homem devoto numa rara entrevista ao Los Angeles Times, em 2008.
Agora, num movimento surpreendente, o casal de coreanos tornou-se o novo proprietário do imóvel de 5,5 mil metros quadrados na Time Square, em Nova York, onde funcionava a Virgin Megastore, o maior símbolo do varejo musical do planeta. Desde a madrugada do dia 30 de março, a loja localizada entre as ruas 45 e 46, na Broadway, não existe mais. No lugar do logotipo em néon vermelho e letras garrafais, surgirá o emblema minimalista da Forever 21, de aço fundido, quase imperceptível. O império da música foi criado nos anos 70 pelo empresário Richard Branson e há dois anos foi vendido por ele para dois grupos de investidores, a Related Companies e a Vornado Realty Trust. Depois da megastore, as outras cinco lojas da rede ainda existentes nos EUA devem desaparecer até setembro. Pode errar feio aquele que apontar o dedo para a crise global na busca por culpados pelo fim da Virgin.
O fato é que os novos donos da Virgin queriam ganhar mais dinheiro com o aluguel do espaço e vinham pensando nisso desde 2007, quando adquiriram a totalidade do negócio de Branson. Passou pela cabeça deles vender toda a rede e fazer dinheiro rápido. Mas optaram pelo fechamento das lojas e locação dos pontos. A Virgin transferia aos controladores, a título de aluguel, US$ 3,240 milhões ao ano pelo megaponto. Os coreanos da Forever 21 ofereceram US$ 42 milhões. Há um forte simbolismo na mudança do inquilino do ponto. A saída da megaloja de CDs revela a dramática agonia do modelo tradicional de venda de músicas no mundo.
Em seu lugar, entra uma empresa que reforça a invasão de produtos baratos de origem coreana no país – cujo sinal mais forte é a ascensão da montadora Hyundai.
É verdade que a Virgin Megastore ainda dava dinheiro, mas a situação do grupo era problemática. A rede chegou a ter 23 unidades nos EUA, mas 12 delas nunca saíram do vermelho. Após uma reorganização em 2008, sobraram seis pontos. Ainda existem mais de 70 unidades no mundo. Nas últimas semanas, só cresceram os ataques explícitos de indignação pelo fim da cadeia. “É um absurdo e eu estou desolada”, disse Amanda Barnes, 45 anos, num dos sites na internet criados sobre o assunto. A consternação se misturava a frases de apoio e celebração. “Não vejo a hora da inauguração”, retrucava Sarah Haynes, 17 anos. É esse público que a família Chang precisa trazer para a nova loja. Se depender do plano de inauguração, a abertura vai fazer barulho. Já estão contratados modelos perfomáticos, tapete vermelho e shows com DJs. Tudo para apagar a lembrança do que já se foi.
IstoÉ Dinheiro