Assim, minha vivência pessoal daquilo que chamo de ” fechamento da mente muçulmana” envolveu não apenas indivíduos fundamentalistas como a irmã Aziza e Boqol Sawm(outro dos meus professores islâmicos no Quênia), eles próprios radicalizados em escolas sauditas, mas também professores “normais”, não radicais, que seriam chamados por alguns de ” moderados”. Os dois grupos desencorajavam qualquer debate significativo envolvendo o Alcorão; eles simplesmente diziam ” Faça isso” e ” Evite fazer aquilo. São determinações do Alcorão”. Não havia nenhum tipo de crítica ao texto, nenhuma reflexão sobre o motivo pelo qual deveríamos obedecer aquelas regras e nenhuma exploração de qualquer espécie de ideias de não obedecer uma das regras que foram citadas no Alcorão pelo Profeta catorze séculos atrás. Além disso a maioria das pessoas que conheci durante a infância não tinha lido o Alcorão ou o lera apenas em árabe, idioma que pouquíssimos compreendiam. Trata-se de um artefato sagrado, totalmente sagrado, até no idioma. É abordado não com um espírito inquiridor, e sim com reverência e medo.
Esse é o maior mal entendido entre muçulmanos e não muçulmanos. Quem quer que identifique a si mesmo como muçulmano acredita que o Alcorão representa a verdadeira e imutável palavra de Deus. Deve ser seguido a risca. Na verdade, numerosos muçulmanos não obedecem cada uma das muitas escrituras do Alcorão, mas acreditam que deveria fazê-lo.
Quando os não muçulmanos vem muçulmanos com roupas ocidentais – eles supõe que tais pessoas sejam moderadas. Mas essa é uma suposição incorreta, pois acredita numa distinção semelhante àquela que existe entre cristãos moderados e cristais fundamentalistas.
Os cristãos moderados são aqueles que não consideram cada palavra da Bíblia a palavra de Deus. Eles não tentam viver exatamente como Jesus Cristo e os seus discípulos. São na verdade críticos a Bíblia, que lêem no seu próprio idioma e já revisaram diversas vezes. Há trechos nos quais se inspiram, e outros que não mais consideram relevantes.
Essa descrição não corresponde a um muçulmano moderado. Um muçulmano moderado não questiona os atos de Maomé, nem rejeita ou revisa nenhum texto do Alcorão. Talvez o muçulmano moderado não pratique o Islã da mesma maneira praticada por um muçulmano fundamentalista – cobrindo-se com véus, por exemplo, ou se recusando a apertar a mão de uma mulher – mas tanto fundamentalistas como os chamados moderados , concordam quanto a autenticidade, ao caráter verdadeiro e ao valor das escrituras muçulmanas. É por isso que os fundamentalistas conseguem sem grande dificuldade, convencer muçulmanos pouco praticantes a começar seu envolvimento na luta interna, a jihad íntima.
Livro: Nômade de Ayaan Hirsi Ali ( páginas.148,149)
Via Fabiana Ribeiro