Uma graça limitada era exatamente aquilo que mais irritava Wesley. Ele não se conformava que um Deus de amor e misericórdia como a Bíblia o descreve fosse alguém que limitasse a sua graça e que desse oportunidade de salvação somente a uma pequena parcela da população mundial, deixando os outros com a única possibilidade do inferno. Sua frase: “a graça de Deus é livre em todos e livre para todos” foi uma das mais marcantes. Um portal metodista descreve este sentimento de Wesley, dizendo:
“Mas terá Deus distribuído a sua graça com todos os seres humanos? É aqui que Wesley se torna mais enfático. Nem mesmo as doutrinas católico-romanas provocaram-lhe tão grande ira quanto à propagada ideia ao seu tempo de que Deus havia escolhido uns quantos para a salvação, deixando a grande maioria perecer nos seus próprios pecados. A chamada doutrina da reprovação, a de que Deus não apenas não se importa com milhões, mas deliberadamente os predestinou à perdição, enchia Wesley de horror, que a considerava uma terrível blasfêmia contra Deus, pois o considerava injusto, cruel e mentiroso”[1]
O fato é que em toda a Bíblia vemos que Wesley tinha razão, e que a universalidade da graça é fortemente proclamada. Ela nunca diz que a graça de Deus é limitada a alguns poucos, mas há abundantes citações de que ela é ilimitada e se revela a todos os homens, até mesmo àqueles que a rejeitam.
Paulo, por exemplo, nos disse que “a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tt.2:11). Aqui ele obviamente não está falando de uma graça comum, mas de uma graça salvífica, que Paulo identifica como sendo uma “graça salvadora”. Ele não diz que ela se manifestou apenas para alguns poucos (os eleitos), mas a todos os homens.
Parece impossível ser mais claro que isso, mas João também repete com Paulo que “estava chegando ao mundo a verdadeira luz, que ilumina todos os homens” (Jo.1:9). João também não estava falando meramente de uma graça comum sem relação com a salvação, pois ele diz no contexto que essa graça tinha o fim “de que por meio dele todos os homens cressem” (Jo.1:7). Portanto, estamos falando de uma graça com finalidade salvífica, que é oferecida a todos os homens, mas que nem todos a recebem. Foi por isso que João disse:
“Aquele que é a Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (João 1:10,11)
Assim, vemos que:
- Deus oferece sua graça a todos os homens (v.9).
- Essa graça era uma graça salvífica, pois João diz que tinha por finalidade que todos os homens cressem (v.7).
- Porém, nem todos os homens creem. A razão para isso é explicada nos versos seguintes: porque nem todos reconhecem e recebem a Cristo – muitos rejeitam essa graça que lhes é oferecida (vs.10-11).
Sobre este texto de João, Vance observa:
“A negação tripla enfatiza o fato de que a fonte do novo nascimento é ‘de Deus’ e não do homem. E por que Deus dá a alguém o novo nascimento? Deus dá o novo nascimento a ‘tanto quantos o receberam’. O novo nascimento é obra de Deus, mas receber a Cristo é a parte do homem”[2]
A universalidade desta graça salvadora é a única coisa que explica Deus ter dito em Isaías:
“Voltem-se para mim e sejam salvos, todos vocês, confins da terra; pois eu sou Deus, e não há nenhum outro” (Isaías 45:22)
Como que todos, desde os “confins da terra”, poderiam se voltar para Deus? Logicamente, somente porque Deus derrama uma graça salvadora sobre todos os homens, desde os confins da terra, dando oportunidade real a todos. Foi por isso que Jesus disse:
“Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28)
Olson observa que “Cristo é o novo Adão (Rm 5) que é o novo líder da raça; ele não veio unicamente para salvar alguns, mas para fornecer um recomeço para todos. Uma medida de graça preveniente se estende por meio de Cristo a toda pessoa que nasce (Jo 1)”[3]. Todo este conceito é diametralmente oposto ao que Calvino ensinava, onde os não-eleitos são privados até mesmo da capacidade de ver, obedecer ou seguir a Cristo:
“Com razão se diz que ele cega, endurece, inclina àqueles a quem priva da capacidade de ver, de obedecer, de seguir retamente”[4]
Enquanto na Bíblia vemos Deus oferecendo uma graça salvífica a todos os homens e que a razão pela qual nem todos não salvos é porque nem todos aceitam esta graça, na teologia calvinista Deus não oferece a graça especial a todos, nem uma oportunidade a todos, mas decide que uma enorme parcela da população mundial seja privada de qualquer chance de obedecer a Deus. Assim, a razão pela qual um arminiano crê que um não-salvo é condenado é porque ele resistiu a Deus, enquanto o calvinista crê que a causa primeira foi porque Deus o privou, e o deixou sem chances de fazer outra coisa a não ser desobedecê-lo.
No calvinismo, todos morrem em Adão, mas apenas alguns têm oportunidade de salvação em Cristo. Deus colocou todos sob a desobediência para exercer misericórdia apenas para com alguns. Esse Deus estende suas mãos apenas para alguns – que não podem recusar o convite – e ignora a grande maioria, sem sequer estender suas mãos para eles, pois já decretou que eles devem ir para o inferno. Seria difícil compreender versículos como estes:
“Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor” (Romanos 5:20,21)
“Pois Deus colocou todos sob a desobediência, para exercer misericórdia para com todos” (Romanos 11:32)
O pecado abundou sobre todos os seres humanos, mas a graça superabundou apenas sobre alguns? Se o pecado atuou sobre todos e Paulo chama de abundante, como a graça salvadora é oferecida apenas a alguns, se ela é mais que abundante? E Deus teria colocado todos sob a desobediência para exercer misericórdia apenas para com alguns? A lógica e o bom senso nos dizem que versos como estes exigem que a graça salvadora de Deus tenha uma extensão tão grande quanto a extensão que o pecado teve – e isso abrange todo ser humano.
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[1] Metodista Remne. Graça Preveniente. Disponível em: <http://remne.metodista.org.br/conteudo.xhtml?c=9730>
[2] VANCE, Laurence M. O outro lado do calvinismo.
[3] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão: 2013, p. 43.
[4] Institutas,2.4.3.
Extraído do livro “Calvinismo X Arminianismo: Quem está com a razão?” cedido pela comunidade de arminianos do Facebook