A tolerância na Igreja

Uma das mais importantes cidades do mundo enquanto lugar de religiosidade é, sem sombra de dúvidas, Jerusalém. Jerusalém é centro das três princi­pais religiões monoteístas. Há séculos, judeus, muçulmanos e cristãos, pre­gam as suas doutrinas, propondo o bem – estar dos seres humanos. Lamen­tavelmente, Jerusalém vem se tornando a capital mundial da intolerância, deixando o mundo perplexo com o fanatismo de muitos religiosos.

O exemplo mencionado não é um caso isolado, mas integra uma men­talidade crescente que domina muitas civilizações. Se não bastassem as discriminações religiosas e raciais que perduram por séculos, o mundo con­tinua a ouvir relatos de atos de vandalismo, mortes, sacrifícios e torturas humanas etc., que são frutos de uma cultura de intolerância que cresce em nossa sociedade.

O pior de tudo é perceber que, até mesmo a Igreja Cristã, não se encon­tra imune a posturas de intolerância que terminam por afastar muita gente (para sempre!) do seu meio. Aliás, a intolerância religiosa pode ser a pior de todas as intolerâncias, pois, para muitos, passa a ser fruto de uma convicção que precisa ser aplicada custe o que custar, doa a quem doer.

Como muitas igrejas, a comunidade estabelecida em Roma era bastan­te heterogênea, comportando pessoas com diferentes tendências. Várias questões geravam desentendimento entre cristãos, principalmente judeus e gentios convertidos que confundiam a fé com os usos e costumes de sua cultura.

O choque cultural era inevitável. Infelizmente, a intolerância de alguns comprometia a comunhão de toda a Igreja. O apóstolo toma conhecimento do problema e passa a orientar os cristãos sobre o assunto. As instruções de Paulo continuam atuais e são necessárias à Igreja em todas as épocas. Ao invés de atacar os intolerantes, o apóstolo aborda a questão, a partir de alguns recursos que inculcarão nos cristãos o espírito de tolerância.

  1. A TOLERÂNCIA É SINAL EVIDENTE DA ESPIRITUALIDADE

Inicialmente, o apóstolo menciona a necessidade de tolerância como fruto da genuína espiritualidade interior. Os romanos, equivocadamente, es­timulavam a religiosidade aparente, dependente de determinados hábitos, usos e costumes. Paulo ensina que ninguém pode ser julgado, nem tampouco condenado por causa de comida, bebida, dia santo etc. – isto é problema individual, de foro íntimo, que diz respeito a cada um.

Medir a espiritualidade das pessoas, ou julga-las, através dos pesos e medidas da aparên­cia, é desprezar a espiritualidade do coração, que é íntima e pessoal. Muita gente preocupa-se excessivamente com as formas e ignora o conteúdo. Cuidado! Por trás de um frasco bonito pode haver um veneno mortífero. Aliás, muita gente se esconde na aparência de hábitos religiosos, ostentando uma (falsa) espiritualidade, que encobre até mesmo pecados secretos. 0 apóstolo mostra que a intolerância encobre a falsa espiritualidade. Uma canção diz: “olhar com simpatia os erros de um irmão, cuidando de ajudá-lo com branda compaixão”. Ser tolerante não é ser conivente com os erros ou pecados das pessoas; mas sim, amá-las e aceitá-las, apesar de suas limitações e fraquezas. É saber que, como nós, os nossos irmãos também erram e precisam ser ajudados para evitar erros futuros. A intolerância impede a prática do perdão por parte da Igreja, impossibilitando o crescimento do faltoso, que passa a carregar consigo a marca do erro.

Ao lidar com a pecadora surpreendida em adultério, Jesus oferece uma preciosa lição aos intolerantes: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire a primeira pedra” (Jo 8.7). 0 único que não tinha pecado, diz à pecadora: “ninguém te condenou? (…) Nem eu tampouco te condeno; vai, e não peques mais” (Jo 8.19,11). Na cruz, Ele orou em favor dos seus acusadores: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34).

Um outro exemplo instrutivo é o do apóstolo Pedro, uma pessoa intolerante (At 10.9-16); que, em seu preconceito religioso, separava alimentos puros e impuros. Deus lhe concedeu a visão de um lençol com todo tipo de alimento. Após se recusar a comer “impurezas”, Pedro ouviu do Senhor: “não consideres impuro o que Deus purificou”. Aquela experiência abriu a mente de Pedro e depois foi útil ao crescimento da Igreja (At 15).

  1. A TOLERÂNCIA É CAPAZ DE CONVIVER COM DIFERENÇAS

Somos criados à imagem e semelhança de Deus, mas profundamente marcados pela nossa individualidade. Neste aspecto, cada pessoa é única, distinta, insubstituível, inimitável. Felizmente, não fomos fundidos em um mesmo molde. Devemos aprender a conviver e a nos deleitar com as diferenças, aprendendo a canalizá-las construtivamente.

Diferimos uns dos outros sim, porque Deus nos criou com diferenças e Ele quer que estas diferenças formem uma unidade especial que seja reconhecida como obra de suas mãos. A individualidade de cada um demonstra a criatividade e originalidade do Senhor e enriquece o mundo e a Igreja, que é formada de diferentes membros, com dons e talentos distintos, que se completam mutuamente na realização dos propósitos divinos.

Ao instruir os cristãos romanos e coríntios (Rm 12.3-8; I Co 12.12-31), o apóstolo descreve a Igreja como um dinâmico e saudável corpo que goza de perfeito equilíbrio e unidade. Embora seja um organismo complexo e heterogêneo, a Igreja precisa aceitar as diferenças como uma oportunidade de crescimento. Nela são bem-vindos: negros, brancos, amarelos, vermelhos; crianças, jovens, adultos e anciãos; intelectuais e técnicos; ricos e pobres, enfim todos, indepen­dentemente de serem tradicionais ou inovadores; ou de serem politicamente de esquerda ou de direita; ou com as diversas concepções de avivamentos, serviços, ministérios etc.

É preciso acreditar que o Deus que nos fez diferentes, tem o poder de nos unir. 0 choque das gerações, os conflitos de opiniões ou de comportamento, devem dar lugar a um ambiente frater­no de convivência respeitável que tolera e celebra a diversidade. Para isto, é importante apren­der a respeitar a consciência e a opinião do próximo.

  1. A TOLERÂNCIA É ALIADA DA LIBERDADE

Como cristãos, somos chamados à liberdade. Aliás, a Igreja é a comunidade dos libertos. E onde há o Espírito, há liberdade. Dizia o reformador Martin Lutero: “O cristão é o mais livre senhor de todos, não sujeito a ninguém!”

Como comunidade da liberdade, a Igreja entende que há uma responsabilidade individual que compromete cada um diante de Deus, o único juiz, diante de quem todos nós prestaremos contas. E quando, naturalmente, muitas questões que nos incomodam serão resolvidas.

Lógico que entendemos que liberdade não é irresponsabilidade, nem tampouco libertina­gem. Recomenda o apóstolo: “Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém, não useis da liberdade para dar ocasião à carne: sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor” (Gl 5.13). A liberdade cristã sempre envolve o próximo, e o seu limite é o amor (Gl 5.13-15). Quer dizer: a obra de Cristo não pode ser destruída por questões secundárias.

Torna-se necessário aplicar a tolerância, sobretudo para com os mais fracos na fé, os mais jovens, os mais carentes. De igual modo, ser tolerante para com os que pensam diferente ou creem de outra maneira. Diz o profeta: “não por força nem por poder, mas pelo meu Espirito, diz o Senhor dos exércitos” (Zc 4.6). Conforme Lucas 9, em dois momentos distintos, Jesus ensina a respeito da tolerância: primeiro, quando os discípulos intentam proibir um homem de expelir demônios porque não andava com eles. Jesus diz: “não proibais; pois quem não é contra vós é por vós” (Lc 9.50). Depois, Tiago e João foram repreendidos por Jesus, porque queriam mandar togo do céu para consumir os samaritanos, porque não o receberam. Jesus lhes disse: “o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las” (Lc 9.56).

Em muitas igrejas, surpreendemo-nos com a intolerância cultivada por questões de menor importância. Por exemplo: o choro das crianças, a música dos jovens, as atitudes dos idosos, uma postura do pastor, levam muita gente a perder a paciência. Infelizmente, pessoas têm sido disciplinadas e afastadas da comunhão, devido à intolerância que caracteriza muitos dos intran­sigentes líderes da Igreja. Mesmo não concordando com determinadas condutas, não temos o direito de desrespeitar as pessoas.

Nem mesmo em nome da verdade podemos deixar de exercitar o nosso amor. Com carinho, respeito, oração, poderemos ajudar irmãos e irmãs que precisam de gestos simples que demonstram amor. Agir com firmeza e determinação, mas principalmente com ternura e carinho. Mas, isto pode demandar tempo, ou exigir maior tolerância de nossa parte. E entender que isto nos obriga a respeitar a liberdade do outro. Ensina o apóstolo: “…seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo…”(Et 4.15).

Por isto devemos orar: “Senhor, ajude-me a conciliar a verdade com o amor; a agir com firmeza sem perder a ternura, a ser fiel sem ser inflexível, a entender liberdade com responsabi­lidade. Enfim, ensina-me a ter a mesma tolerância do Seu Filho, Jesus, amém”.

REV. WILSON EMERICK DE SOUZA

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