Nestes dias difíceis, em que a igreja evangélica enfrenta a invasão das seitas, do ocultismo e da Nova Era, sem contar a crise de integridade, uma nova crise — de identidade —, se abate sobre o povo evangélico brasileiro.
Um dilúvio de novas teologias, fenômenos e práticas espirituais invade a comunidade evangélica, atingindo proporções tais que exigem um posicionamento definido da liderança.
O evangelho é simples, mas muitos pregadores estão ensinando as ideias da Confissão Positiva, da Saúde e da Prosperidade, Espíritos Territoriais, Maldição de Família, Cura Interior etc.
I — A NOVA TEOLOGIA DA MALDIÇÃO DE FAMÍLIA
- Este ensino diz que muitos problemas que o cristão enfrenta, sem obter solução adequada, são devidos a uma maldição que acompanha a família por causa de práticas abomináveis a Deus, como idolatria, feitiçaria, pacto satânico etc., realizadas por algum antepassado. Portanto, é necessário descobrir dentro da árvore genealógica o antepassado que tinha determinado problema.
- Existe um espírito (demônio) que acompanha a família geração após geração, trazendo desgraças como doenças, adultério, crimes, prostituição, pobreza, morte etc.
3) Eis algumas citações :
“Existe uma transmissão de heranças espirituais das gerações passadas para nós”.[1]
“…Deus tão-somente entrega aquela família ou indivíduo, a sofrer as ações dos espíritos que induziam seus antepassados àquelas práticas pecaminosas. Desta forma, as heranças espirituais são transmitidas de geração a geração, e é por isso que se cumpre o provérbio popular: ‘Tal pai… Tal filho”.[2]
“Os chamados ‘espíritos familiares’, ou maldições hereditárias, são uma terrível realidade. Mesmo após a conversão eles continuam atuando, pois Deus trata com o nosso espírito primeiro”.[3]
“Se não estamos recebendo o que de bom Deus tem para nós, se não estamos gozando a vida no seu sentido mais pleno, pode ser que por trás de tudo isso haja maldição”.[4]
“Os pecados dos pais podem passar de uma a outra geração, e assim consecutivamente. Há na sua família casos de câncer, pobreza, alcoolismo, alergia, doenças do coração, perturbações mentais e emocionais, abusos sexuais, obesidade, adultério? Estas são algumas das características que fazem parte da maldição hereditária nas famílias, CONTUDO ELAS PODEM SER QUEBRADAS”.[5]
II — O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE MALDIÇÃO DE FAMÍLIA
Muitos são os textos usados para defender esta doutrina, como Êx. 20.5; Lv. 26.39; Nm. 14.18; 23.8; Dt. 30.19. O mais conhecido, que iremos analisar é Êx. 20.5, que diz: “Não as adorarás, nem lhes darás culto, porque eu sou o SENHOR teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem”.
- O problema de Êxodo 20.4-6 estava relacionado com a nação de Israel e a idolatria.
- Os deuses egípcios: aves, crocodilos, o Rio Nilo, o sol, a lua e até insetos.
- Os deuses cananeus: serpentes, deuses da fertilidade (prostituição sagrada).
- Os babilônios e caldeus adoravam Dagon e Ishtar, entre outros.
- O contexto é idolatria e não um espírito (de alcoolismo, adultério, pornografia etc.) que acompanharia as famílias por várias gerações.
- O texto de Êxodo (assim como os demais), nada tem a ver com levar o pecado de seus antepassados, e sim com o efeito do pecado sobre aqueles que aborrecem a Deus. Filhos que repetem os pecados dos pais mostram que aborrecem a Deus. Não se trata meramente do fato de Deus amaldiçoar os filhos dos idólatras por serem seus filhos, mas por se tornarem participantes dos pecados de seus pais. Da mesma forma, Deus não abençoa automaticamente os filhos dos fieis.
- As referências bíblicas à maldição (que aparecem principalmente no AT) dizem respeito a pessoas que não desfrutavam de comunhão com Deus (Ml. 2.2). No caso dos fieis, as maldições não se cumprem: Nm. 23.8,23: Pv. 3.33; 26.2.
III — O SIGNIFICADO DE BÊNÇÃO
- Para os pregadores desta nova teologia: “Nossas palavras produzem bênçãos… nossas palavras têm poder de criar situações favoráveis”.[6]
- Bênção também seria ter um bom emprego, uma boa casa, uma saúde de ferro, um bom carro etc.
- O significado bíblico de bênção é estar em comunhão com Deus, a fonte de toda a vida.
- Abençoar é restaurar as pessoas da posição de exilados de Deus a filhos (Rm. 5.10; 10.15)”.[7]
- Abençoar é pregar o evangelho aos perdidos levando-os a experimentar o perdão de Deus.
- Abençoar é gerar a concórdia, a dignidade, inspirar outros a desejarem os mais altos ideais da verdade”.[8]
- Abençoar não é apenas dizer a um irmão: “Te abençoo em nome de Jesus” — é socorrer os irmãos nas suas dificuldades. João diz: “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (IJo. 3.18). Tiago também discorda do ensino que apenas dizer coisas positivas faz com que as pessoas sejam abençoadas: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa, e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser. Ide em paz, aquecei-vos, e fartai-vos, sem, contudo, lhes dardes o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” (Tg. 2.15-16).
IV – O SIGNIFICADO DE MALDIÇÃO
- Dentro desse ensino, maldições hereditárias seriam palavras negativas que pronunciamos contra alguém. Seriam também ‘espíritos’ que acompanham nossas famílias, e os objetos de nossos antepassados que temos em casa trazendo todo tipo de desgraça.
- Jorge Linhares ensina que “maldição é a autorização dada ao diabo por alguém que exerce autoridade sobre outrem, para causar dano à vida do amaldiçoado… A maldição é a prova mais contundente do poder que têm as palavras”.[9]
- Já para Robson Rodovalho “maldição são espíritos que visitam as famílias trazendo morte prematura, adultério, abuso sexual, violência, enfermidade etc. Devemos até fazer nossa árvore genealógica. Como dissemos antes, herdamos e possuímos a herança genética de até dez gerações… Temos que interceder e pedir perdão por pecados que aqueles antepassados cometeram, e quebrar os pactos que fizeram”.[10]
- Biblicamente, poderíamos dizer que a origem de toda a maldição reside no pecado. Maldição é uma sentença que vem da desobediência a Deus (Gn. 3.19; Rm. 5.12). Maldição é estar longe de Deus, separado do Criador (Êx. 34.1-10; Dt. 27 e 28; 28.7-13; 29.1-10; Jr. 7.1-15; Ml. 1:8-14).
V — PERGUNTAS ORIGINADAS POR ESSA DOUTRINA
- Preciso desenhar uma árvore genealógica da família para resolver os problemas da minha vida?
R – Não produz nenhuma edificação ficar desenhando árvores genealógicas. Aliás, a Palavra de Deus condena esta prática como inútil (Itm. 1.4; Tt. 3.9). Os mórmons têm esta preocupação, pois acreditam poder salvar aqueles que partiram sem conhecer o mormonismo por intermédio do batismo pelos mortos. Se existem problemas em nossa família, precisamos discernir se são de ordem física (doença), emocional ou espiritual (pecado). Se estes problemas se relacionam ao pecado e ao afastamento de Deus, é necessárioo arrependimento e abandono do pecado. Veja Is. 59.2,12; Jr. 5.25; Ez. 18.2-4,24; Pv. 28.13.
- Tenho que saber de que maneira determinados assuntos eram ventilados em minha família violência, adultério, alcoolismo, prostituição etc.?
R – Não temos que ficar lembrando do passado, pois a Bíblia diz que somos novas criaturas: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: as cousas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (IICo. 5.17).
As coisas do passado não podem nos separar do amor de Deus, pois Ele não lembra mais dos nossos pecados. Foram todos apagados pelo sangue do Cordeiro; foram lançados no fundo do mar. Veja Is. 43.25; Mq. 7.19; IPe. 1.19; Ap. 5.1, 7.14, 12.11.
- Qual seria a relação entre meus problemas e os pecados dos meus antepassados?
R – Muitos afirmam, que se um cristão comete adultério, é porque algum antepassado também cometeu, e o “espírito de adultério” acompanha a família, e esta cadeia precisa ser quebrada. Afirmam também que a versão King James (Rei Tiago) da Bíblia diz “espíritos familiares” em Lv. 19.31; 20.6 e, portanto, este ensino é correto.
O que a Bíblia diz:
- a) A palavra hebraica ‘obh significa o “vaso” ou instrumento dos espíritos, portanto, o médium ou necromante, conforme aparece na maioria das traduções, e não os espíritos em si.
- b) Alguns acham que é mais fácil culpar os antepassados do que enfrentar seus próprios problemas. Marilyn Hickey afirma que você tem o poder de decidir o destino de seus descendentes: “Você pode decidir quanto ao destino exato da sua linhagem. Eles ou vão para Jesus, ou vão para o diabo.” 11 Entretanto, a responsabilidade é individual e você é que tem que tomar a decisão de resolvê-los com a ajuda de Deus.Veja Jo 1:12.
- c) O ensino bíblico é que eu sou responsável pelos meus própios pecados, não existe uma transmissão genética de demônios. Veja Dt. 24.16; Ez. 14.12-14; Ez. 18.1-4; Rm. 5.12; Gl. 6:7.
- Como posso quebrar uma maldição lançada sobre minha família?
R – Visto que maldição é o inverso de bênção, é estar afastado de Deus, temos que comunicar as boas novas de salvação aos nossos familiares. Veja Dt. 24.16; Nm. 23.23; Sl. 91.9-10; Rm 8.1; Cl. 3.25.
- E sobre a oração de confissão pelos pecados dos antepassados?
R – Há líderes evangélicos pedindo perdão pelos pecados de José de Anchieta (massacre de índios), Paulo César Farias, Fernando Collor de Mello e bandeirantes (suas práticas de magia) etc. Há professores de seminários evangélicos que ensinam que devemos pedir perdão a todos os negros que encontrarmos pela frente por causa da escravidão no Brasil.
Também afirmam que estamos pagando caro pelos paraguaios mortos na guerra com os brasileiros. Os carros que são roubados aqui e levados para lá seriam uma forma de maldição sobre o povo brasileiro.
O ensino de que temos que confessar os pecados dos nossos pais e antepassados não tem fundamento bíblico, pois ninguém pode se arrepender por outra pessoa (Rm. 14.12). Os casos de Esdras, Neemias e Daniel precisam ser analisados no contexto das passagens de Esdras 9.6-15, Neemias 9 e Daniel 9.4-19.
- É possível uma pessoa colocar uma maldição sobre outra?
R – “Como a maldição não é um poder em si mesmo, e necessita da permissão de Deus para que se concretize”[11], precisamos entender como as pessoas acabam amaldiçoando outras:
- A maldição não é tanto pelas palavras que pronunciamos, mas pelo sentimento que nos leva a dizê-las.
- Não podemos também deixar de falar dos prejuízos que a língua causa. Com ela se pode louvar a Deus e também pronunciar blasfêmias, falsos testemunhos, mentiras, lisonjas e causar muitos males (Tg. 3.8-10a). Jesus disse que a boca fala daquilo que o coração está cheio, ou seja, aquilo que uma pessoa fala está ligado aos sentimentos do seu coração (Mt. 12.34).
“Olho gordo”, macumba etc. não podem causar a destruição de um lar cristão, como alguns pensam. Praga de mãe, pai, sogra etc. não pega no cristão. Veja Nm. 23.23; Lc. 10.19; Jo. 8.32-36; IJo. 3.8; 4.4; 5.18.
E as maldições que aparecem na Bíblia? Estas se referem ao AT e não ao NT. Porém, mesmo nos tempos do AT a maldição sem causa não pegava. No NT, a ordem de Deus é clara: “Abençoai, e não amaldiçoeis” (Rm. 12.14). Qualquer pessoa que amaldiçoar outra estará fora da vontade de Deus, e este não a cumprirá.
CONCLUSÃO
Este é um ensino que escraviza. Cristãos que antes estavam vivendo uma vida de alegria, e dando frutos na obra do Senhor, estão agora vivendo em escravidão, pois passaram a pensar que as dificuldades que enfrentam na área emocional, nas tentações ligadas ao sexo, alcoolismo, dinheiro, depressão, doenças ou qualquer outra situação adversa são resultado dos pecados dos antepassados que hoje estão afetando sua vida.
Ora, estes problemas enfrentados pelo cristão nada têm a ver com o fruto do Espírito e santificação, e não com os pecados dos antepassados. O que se atribui a espíritos de alcoolismo, prostituição, homossexualismo etc., na verdade, segundo a Bíblia, são apenas obras da carne (Gl. 5.19-21). E possível vencê-los por meio da vida no Espírito (Gl 5.16; 1Co. 6.9-11). Cristo se fez maldição por nos e os efeitos espirituais da rebelião e ódio contra Deus foram totalmente quebrados (Jo. 8.32-36; Rm. 8.33-39; IJo. 2.1-2; 3.8) e o sangue de Jesus é suficiente para libertação total. Não temos que quebrar mais nenhuma maldição (Hb. 7.25; IJo. 1.7-9; Ap. 1.5).
[1] Rodovalho, Robson. Quebrando as Maldições Hereditárias. Goiânia. Koinonia Comunidade e Edições Ltda, 1992, 3a edição, p. 10.
[2] Idem, p. 10.
[3] Souza, Autilino Batista de. Tomemos Posse. São Paulo: ABS — Edições Evangélicas, 1992, p. 33.
[4] Linhares, Jorge. Bênção e Maldição. Venda Nova. Editora Betânia, 1992,2a ed., p. 8.
[5] Hickey, Marilyn. Quebre a Cadeia da Maldição Hereditária. Rio de Janeiro: ADHONEP, 1988, contracapa.
[6] Linhares, Jorge. Idem, p. 20.
[7] Gondim, Ricardo. O Evangelho da Nova Era. São Paulo: Abba Press, 1993, p. 113.
[8] Gondim, Ricardo. O Evangelho da Nova Era. São Paulo: Abba Press, 1993, p. 113.
[9] Linhares, Jorge. Bênção e Maldição. Venda Nova. Editora Betânia, 1992,2a ed., p. 16.
[10] Rodovalho, Robson. Quebrando as Maldições Hereditárias. Goiânia. Koinonia Comunidade e Edições Ltda, 1992, 3a edição, p. 28-29.
[11] Gondim, Ricardo. O Evangelho da Nova Era. São Paulo: Abba Press, 1993, p. 111.