Por walson Sales
A relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana pelo pecado é um tema de intenso debate na teologia cristã, especialmente no Calvinismo. R.C. Sproul, um dos mais respeitados apologistas calvinistas, defende em seu livro Eleitos de Deus que Deus preordenou todos os eventos, inclusive o pecado, e que a permissão divina para o mal é, em certo sentido, “boa”. Contudo, esse ponto de vista enfrenta críticas consideráveis de teólogos e filósofos cristãos como William Lane Craig, que argumentam que essa perspectiva transforma Deus em autor do pecado e levanta dúvidas quanto à responsabilidade humana.
Este artigo examina essa questão à luz das Escrituras, baseando-se nas afirmações de Sproul e na crítica de Craig, e explora se o determinismo é compatível com a santidade e justiça de Deus e com a responsabilidade moral humana.
I. A Soberania Divina e o Decreto do Pecado
R.C. Sproul, ao comentar a Confissão de Fé de Westminster em Eleitos de Deus (p. 22), afirma que Deus decretou todos os eventos, incluindo o pecado, e que a permissão divina para o mal é boa em si, embora o pecado seja mau. Essa afirmação traz uma questão desafiadora: se Deus é perfeitamente santo, como Ele poderia decretar o mal? Salmos 5:4 declara: “Porque tu não és um Deus que tenha prazer na iniquidade, nem contigo habitará o mal.” Esse versículo indica a pureza absoluta de Deus, e parece contradizer a ideia de que Ele possa decretar algo pecaminoso.
Tiago 1:13 também reforça essa questão: “Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta.” Esse versículo apresenta uma imagem de Deus que não incita o pecado, o que dificulta a aceitação da lógica calvinista de que Deus ordenaria o mal sem comprometer Sua própria santidade.
II. A Crítica de William Lane Craig ao Determinismo Calvinista
William Lane Craig, em sua crítica ao determinismo calvinista, argumenta que tal visão torna Deus o “autor do pecado” e elimina a responsabilidade humana. Ele descreve que, se Deus controla até o movimento da vontade humana, então as pessoas não fazem escolhas genuínas e não podem ser responsabilizadas moralmente. Craig sugere que o determinismo é incompatível com a bondade de Deus, pois, segundo essa visão, Deus não apenas permitiria, mas seria a causa direta do mal. Em Four Views on Divine Providence (GRUNDY & JOWERS, eds.), Craig afirma que, se constranger alguém a cometer o mal é moralmente errado, então seria “absurdo” atribuir esse papel a Deus.
Craig argumenta também que, ao negar a liberdade humana genuína, o determinismo calvinista compromete a responsabilidade moral das ações humanas. Sem escolhas reais, o ser humano não pode ser considerado culpado pelos pecados, e as ações de obediência ou desobediência perdem valor moral, já que tudo seria determinado por Deus.
III. A Soberania e a Permissão Divina à Luz das Escrituras
Diversos textos bíblicos apontam para um Deus que, embora soberano, respeita a liberdade humana e oferece escape diante do pecado. Em 1 Coríntios 10:13, Paulo declara: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.” Esse versículo mostra que Deus age para que o pecado não seja inevitável, e que Ele proporciona uma saída para que o crente possa resistir à tentação.
Essa perspectiva contradiz a ideia de um Deus que preordena o pecado, pois sugere que Ele é um provedor de livramento e força, não um instigador do mal. Em Deuteronômio 32:4, Deus é descrito como “a Rocha, cuja obra é perfeita, porque todos os teus caminhos são justos. Deus é a Verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é.” Esse texto reforça que a justiça divina é absoluta e incompatível com a ideia de que Ele seria a origem do pecado.
IV. Implicações Teológicas e Filosóficas: Justiça e Responsabilidade Humana
O determinismo calvinista, ao implicar que Deus preordenou o pecado, gera um paradoxo teológico que desafia a compreensão da justiça divina. Se o ser humano não tem liberdade genuína e se suas escolhas são determinadas por Deus, é difícil afirmar que ele seja realmente responsável por suas ações. Essa perspectiva também questiona a noção de um Deus justo e santo, que se comprometeria ao decretar o pecado e, ainda assim, responsabilizaria o ser humano por isso.
A Bíblia oferece uma visão em que o ser humano é livre para escolher entre obedecer e desobedecer a Deus e é responsável por suas escolhas. Essa liberdade é essencial para a moralidade e para o julgamento divino justo. Assim, sistemas teológicos como o Arminianismo, o Molinismo, o Provisionismo, e outros que rejeitam o determinismo calvinista buscam preservar a liberdade humana e a santidade divina, oferecendo uma alternativa à ideia de que Deus seria a causa do mal.
V. O Mistério da Providência e a Liberdade Humana
Embora a soberania divina seja um conceito central na teologia cristã, a liberdade humana também é enfatizada, e a relação entre ambos aspectos permanece um mistério para muitos teólogos. Arminianos, molinistas e provisionistas argumentam que Deus pode ser totalmente soberano e, ao mesmo tempo, permitir uma liberdade genuína para o ser humano, sem comprometer Sua santidade e Sua justiça. Esse equilíbrio evita a conclusão de que Deus seja o autor do pecado e, ao mesmo tempo, reafirma a responsabilidade moral do homem por suas escolhas.
Conclusão
A interpretação calvinista de que Deus preordenou o pecado, conforme defendido por R.C. Sproul em Eleitos de Deus (p. 22), apresenta um paradoxo que parece incompatível com a natureza santa e justa de Deus, conforme revelada nas Escrituras. Passagens como Salmos 5:4, Tiago 1:13 e Deuteronômio 32:4 enfatizam que Deus é santo e justo, e que o mal não pode ser parte de Sua essência ou de Suas ações diretas. A crítica de William Lane Craig, conforme exposta em Four Views on Divine Providence, questiona a coerência do determinismo calvinista, que atribui a Deus a causa última do mal, e elimina a responsabilidade humana.
Ao invés de ver Deus como autor do pecado, a perspectiva bíblica parece sugerir que Ele permite o mal, mas provê aos seres humanos o escape, como exposto em 1 Coríntios 10:13. A tensão entre soberania divina e liberdade humana, embora complexa, é um mistério que preserva a justiça divina e a responsabilidade moral humana, oferecendo uma visão equilibrada e harmoniosa do caráter santo de Deus e do valor das escolhas humanas.
Perguntas Desafiadoras para Calvinistas sobre a Autoria Divina do Pecado
1. Como você interpreta Salmos 5:4, que afirma que Deus “não tem prazer na iniquidade” e que “nem contigo habitará o mal”? Se Deus preordenou o pecado, como conciliar essa ação com um caráter santo que rejeita o mal?
2. Tiago 1:13 diz que “Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta.” Se, de acordo com o determinismo calvinista, Deus é a causa última de todas as ações, inclusive do pecado, como essa passagem se alinha com a ideia de que Ele preordena o pecado?
3. Se aceitarmos que Deus preordena o pecado, como explicar Deuteronômio 32:4, que declara: “Deus é a Verdade e não há nele injustiça”? Como harmonizar a autoria divina do pecado com a justiça perfeita de Deus?
4. William Lane Craig afirma que, no determinismo calvinista, o ser humano não teria liberdade genuína para escolher o bem ou o mal, sendo Deus o causador direto das ações humanas. Como, então, é possível responsabilizar o ser humano pelo pecado, se ele não teve escolha real? A responsabilidade humana é legítima nesse contexto?
5. Se Deus preordenou o pecado e o mal, como explicar a bondade divina em permitir a entrada do pecado no mundo? Essa permissão não comprometeria o caráter santo e reto de Deus, transformando-O em participante do mal que Ele mesmo detesta?
6. Como você entende a afirmação de 1 Coríntios 10:13 de que Deus “não vos deixará tentar acima do que podeis” e que sempre “dará também o escape”? Essa promessa indica uma participação divina em limitar e prover forças contra o pecado. Como isso se alinha com a ideia de um Deus que preordena que alguns pecados sejam inevitáveis?
7. Considerando a afirmação de R.C. Sproul de que “Deus preordenou o pecado, mas isso não significa que o pecado em si seja bom, apenas que Sua permissão para o pecado é boa” (Eleitos de Deus, p. 22), como é possível conciliar essa distinção com a declaração bíblica de que “os caminhos de Deus são todos justos e não há nele injustiça” (Deuteronômio 32:4)?
8. Na visão determinista, Deus determina até o movimento da vontade humana, incluindo as ações más. Como você responde à crítica de Craig em Four Views on Divine Providence, que aponta que essa perspectiva faz de Deus não apenas a causa do mal, mas também, por implicação, o próprio mal?
9. A soberania divina implica necessariamente em uma predestinação detalhada de cada ação humana? Existe espaço para uma soberania onde Deus permita o mal sem ser a sua causa? Como essa possibilidade seria vista na perspectiva calvinista?
10. Se o ser humano age apenas conforme o que Deus preordenou, como se explica o chamado ao arrependimento e à fé em Cristo como escolhas pessoais e voluntárias? Se as escolhas já estão determinadas, qual o papel da liberdade e da responsabilidade humana no plano da salvação?
Essas perguntas incentivam a reflexão sobre a compatibilidade da autoria divina do pecado com a santidade, a justiça e a bondade de Deus, temas que fundamentam a fé cristã e demandam um entendimento coerente à luz das Escrituras.