A Soberania de Deus em Romanos 9

segura-na-mao-de-deus

1- O TEMA DE ROMANOS 9 NÃO É ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO GERAL, MAS DE ISRAEL

2- O ÁPICE DA PROBLEMÁTICA DO CAPÍTULO 9, 10 E 11 GIRA EM TORNO DOS ISRAELITAS NA CARNE, E NÃO DOS ESPIRITUAIS

3- O OBJETIVO EM ROMANOS 9 NÃO É DEFENDER O ENSINO DA DUPLA PREDESTINAÇÃO INCONDICIONAL, MAS SALIENTAR A AUTORIDADE DIVINA NA ESCOLHA SALVÍFICA POR CRITÉRIOS SOBERANOS, E NÃO JUDAIZANTES

4- A ILUSTRAÇÃO DE JACÓ E ESAÚ NÃO VEM ADVOGAR A ELEIÇÃO E REJEIÇÃO INCONDICIONAL, MAS ENSINA QUE AS PROMESSAS ESTÃO FIDELIZADAS NO PACTO DIVINO, NÃO SUBORDINAM-SE AOS CRITÉRIOS DOS JUDAIZANTES

5- A ILUSTRAÇÃO DE FARAÓ NÃO VEM ADVOGAR COERÇÃO DIVINA PARA A PRÁTICA DE PECADO, MAS SALIENTA A SOBERANIA DE USAR QUEM QUISER, IMPLICITANDO O DIREITO MORAL DIVINO DE PERMITIR O PECADO E PODER REDUNDÁ-LO EM GLORIFICAÇÃO DA JUSTIÇA DIVINA

6- A ILUSTRAÇÃO DOS VASOS NÃO ADVOGA QUE DEUS CRIA SERES MORAIS OBJETIVAMENTE ESTRUTURADOS E PROGRAMADOS PARA SEREM INCRÉDULOS, MAS ILUSTRA QUE FOI DEUS QUEM FORMOU A NAÇÃO DE ISRAEL, PORÉM PERMITIU QUE JUDEUS PUDESSEM DESONRAR O PACTO PREESTABELECIDO

INTRODUÇÃO

Como a Bíblia não é um livro de cunho científico e sistemático, porque foi escrita com objetivo final de alcançar o povão, por isso não é tão simples interpretar exatamente de acordo com que cada autor quis transmitir, como muitos imaginam. Quem escreveu o livro de Romanos foi o Apóstolo Paulo, e este escritor sacro tem um estilo escriturário de difícil compreensão para aqueles que não conhecem as causas que levaram escrever cada tópico e os propósitos que pretendia alcançar; e quando não se faz a análise do discurso e a correta aplicação das regras hermenêuticas ocasiona erros teológicos e heresias. Como o Apóstolo Pedro bem advertiu: “e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; como faz também em todas as suas epístolas, nelas falando acerca destas coisas, nas quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, como o fazem também com as outras Escrituras, para sua própria perdição” (2Pe 3.15, 16).

A regra máster da hermenêutica é: “a Bíblia explica a Bíblia”, isto significando que os textos da Bíblia não podem ser interpretados isolados do contexto do restante da Bíblia. Há um provérbio teológico que diz que “texto sem contexto é pretexto para heresias”. Romanos 9 não é uma perícope independente, ela está diretamente atrelada aos capítulos 10 e 11. O tema paulino para os capítulos 9, 10 e 11 é “a eleição e a reprovação dos israelitas”.

O ponto distintivo e esclarecedor é que a eleição dos israelitas, a princípio, não objetivava terminantemente a salvação eterna deles, mas era uma eleição e predestinação específica para obra; até porque a Bíblia afirma, tanto quanto Paulo, que os israelitas que não se converteram serão condenados juntamente com os demais incrédulos (Rm 3.20, 28; Mt 11.20-24; Gl 2.15, 16). Deus havia elegido Israel para a tríplice missão: demonstrar o poder de Deus ao mundo, revelar a palavra de Deus ao mundo e revelar o Messias ao mundo.

O foco da argumentação de Paulo, nestes capítulos supracitados, não está direcionado a salvação ou condenação eterna de toda humanidade, mas para alguns critérios do pacto da eleição e rejeição das pessoas dos israelitas segundo a aliança abraâmica. A dúvida que queria aloja-se em alguns da igreja em Roma que o apóstolo tentava solucionar neste capítulo era: como Deus pode rejeitar israelitas que não aceitaram a Jesus Cristo sem quebrar as promessas que Ele fez aos patriarcas e à nação de Israel? Observem que os romanos imaginavam que o pacto abraâmico automaticamente predestinava, de tabela por direito incondicional, os israelitas para salvação. Dessa forma não precisariam nem crer em Jesus para serem salvos. Então Paulo, no cap. 9, declara através do VT por exemplos históricos que, a princípio, Deus é soberano para escolher e usar quem Ele quiser, tem liberdade pra se agradar de quem Ele quiser  e tem direito de rejeitar o judeu que Ele quiser sem, no entanto, quebrar as promessas feitas. No cap. 10 Paulo revela qual critério desclassifica os israelitas da promessa da salvação, é que os judeus é quem quebraram o pacto pela incredulidade. No cap. 11 o apóstolo declara que Deus por misericórdia irá restaurar novamente a nação israelita no futuro.

A ortodoxia tem a finalidade de mostrar as mais evidentes e essenciais doutrinas da Bíblia, como a Trindade, a perfeição dos atributos morais divinos, a imutabilidade divina, a divindade de Cristo, a redenção pela encarnação, morte e ressurreição de Jesus, a salvação pela graça por meio da fé em Cristo e etc., para que o crente tenha critérios firmes para analisar as interpretações, as teses e as teorias, se são mesmos bíblicas e ortodoxas, ou não. É a aceitação às doutrinas mais essenciais da Bíblia que caracteriza uma teoria teológica como ortodoxa; como também é a quebra das doutrinas  mais essenciais da Bíblia que caracteriza uma teoria ou tese teológica como liberal. Portanto, toda teoria que interprete o capítulo 9 de Romanos como afirmando que Deus deseja que o reprovado peque, que Deus concorre moralmente com a prática de cada pecado, que Deus só conhece cada ato de pecado previamente porque preordenou esses atos, que Deus por Sua vontade objetiva e imediata causa cada pecado, que predestinou alguns homens  para perdição, não pelas obras deles, mas pelo Seu absolutismo (predestinação incondicional), todas estas são de cunho liberal, pois quebram, necessariamente, a imutabilidade e perfeição do caráter e atributos morais de Deus. Todas estas teses são infâmias e blasfêmias contra o perfeito Criador de todas as coisas. Elas podem ser consideradas até conservadoras se conservam o ensino de algum teólogo do passado, porém não podem ser consideradas ortodoxas, porque quebram pilares da ortodoxia; por isso devem ser consideradas anátemas!

Se Paulo estivesse querendo dizer no cap. 9 que é Deus quem incondicionalmente predestina alguns homens para pecar, conclui-se inevitavelmente que Deus seria um ser antinomista em si mesmo (porque ignora os princípios morais eternos), Deus apenas teria amor, mas não seria o próprio amor (porque sentia satisfação em fazer sofrer eternamente quem não podia evitar sua programação fatal), seria maquiavélico porque dava a Lei para que obedecesse, mas usava de malícia para que não pudesse obedecer, Deus seria injusto (porque condenaria com penas eternas a quem Ele mesmo programou, inelutavelmente, para uma vida de impiedade). Poderíamos dizer, pela análise desta teoria calvinista, que Deus seria tão imperfeito moralmente quanto o homem.

INTERPRETAÇÃO DE ROMANOS 9 À LUZ DA ORTODOXIA

1- O TEMA DE ROMANOS 9 NÃO É ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO GERAL, MAS DE ISRAEL

Os capitulos 9, 10 e 11 estão atrelados a um só tema, Paulo fala sobre “a eleição e reprovação da nação de Israel”. Agora, como é possível achar o tema principal destes três capítulos? A resposta é verificando os assuntos de cada perícope nesses capitulos. Os assuntos principais de cada perícope chamamos de epígrafes. No entanto, devemos atentar para as epígrafes de cada capítulo, pois harmonizando suas idéias podemos detectar o tema principal. Prefiro usar fontes calvinistas de que minhas próprias ou de qualquer outro arminiano para que o leitor, que tenha uma visão oposta, não possa rejeitar por puro preconceito; por isso apresento as epígrafes de Romanos 9, 10 e 11 expostas na única Bíblia de estudo calvinista: a Bíblia de Estudo de Genebra:

Bíblia de Estudo de Genebra

Rm 9.1-5 Paulo e a incredulidade dos JUDEUS

Rm 9.6-13 A rejeição de ISRAEL não é incompatível com as promessas de Deus

Rm 9.14-18 A rejeição de ISRAEL não é incompatível com a justiça de Deus

Rm 9.19-29 A soberania de Deus

Rm 9.30-33 ISRAEL é responsável pela sua rejeição

Rm 10.1-15 Os JUDEUS rejeitam a justiça de Deus

Rm 10.16-21 ISRAEL não pode alegar falta de oportunidade

Rm 11.1-10 O futuro de ISRAEL

Rm 11.11-24 A rejeição de ISRAEL não é final

Rm 11.25-32 O ultimo desígnio de Deus é misericórdia para com todos

Rm 11.33-36 A maravilhosa sabedoria dos desígnios divinos

Observa-se no capítulo 9 o Apóstolo Paulo salientando a soberania do Criador para usar as pessoas que Ele quiser, escolher e rejeitar quem Ele quiser. Percebe-se que das onze epígrafes que a Bíblia de Genebra sugestiona para os capítulos 9, 10 e 11, apenas três não apresentam o nome ISRAEL ou JUDEUS, então se conclui necessariamente que a nação de Israel ou a etnia judaica é o objeto de discussão dos capítulos 9, 10 e 11. Porém, não é difícil descobrir que também estas três perícopes que as supracitadas epígrafes sugestionam fazem igualmente referência à nação de Israel; a primeira é Rm 9.19-29 que registra uma vez a palavra JUDEUS e duas vezes a palavra ISRAEL. A segunda é Rm 11.25-32 que registra duas vezes a palavra ISRAEL, uma vez a palavra SIÃO referindo-se a pátria israelita, uma vez a palavra JACÓ e três a palavra ELES, uma a palavra DELES e uma ESTES, todas, nove ao total, referindo-se aos israelitas. Já a terceira epígrafe que a Bíblia de Genebra não expõe o nome Israel ou judeus é a de Rm 11.33-36, que sendo a conclusão dos três capítulos nada mais é que uma exclamação diante da sabedoria e justiça de Deus quanto à eleição e rejeição dejudeus e a inclusão de alguns gentios pelo ministério da graça.

A abundancia de referências à nação e ao povo  judeu nas perícopes de Romanos 9, 10 e 11 e confirmadas nas epígrafes da Bíblia de Genebra, torna inquestionável que a eleição e reprovação de Israel aduzidos desses capítulos é o tema principal deles. Quanto ao capítulo 9 nem mesmo Calvino pôde negar que seu tema estava intrinsecamente ligado à reprovação dos judeus, ou mesmo, a rejeição de uma parte da nação de Israel. Vejamos o que Calvino comentou:

“1. Digo a verdade em Cristo – uma vez suposto pela maioria que Paulo se declarara inimigo de sua própria nação, de maneira que de alguma forma se fizera suspeito – até mesmo para os próprios domésticos da fé – de ensiná-los a apostatarem de Moisés, então ele prepara a mente de seus leitores, à guisa de preâmbulo, antes de entrar na discussão do seu tema proposto. Neste preâmbulo, ele se desvencilha da falsa suspeita de ser hostil para com os judeus. Visto que o tema carecia de apoio de juramento…”. “2. Que tenho grande tristeza. É bastante habilidosa a interrupção que o apóstolo faz de seu discurso antes de declarar o tema. Não era ainda oportuno mencionar abertamente a destruição da nação judaica.” (João Calvino, Romanos. Edições Paracletos, p. 322, 323).

O tema proposto por Paulo, tão melindroso de Paulo falar pros judeus, no comentário de Calvino era “a destruição da nação judaica”. Portanto, a análise desse discurso de Paulo no capítulo 9 de Romanos, baseando-se nas fontes calvinistas, epígrafes da Bíblia de Genebra e comentário de Calvino, infere, necessariamente, que o tema principal desse capítulo fala da rejeição de uma parte da nação de Israel, ou da reprovação de alguns judeus na carne, e não da humanidade ou dos homens em geral. Sendo assim, é absolutamente infundado e absurdo o argumento que Romanos 9 trata da eleição e reprovação absolutista individual de todos os homens em geral.

2- O ÁPICE DA PROBLEMÁTICA DO CAPÍTULO 9, 10 E 11 GIRA EM TORNO DOS ISRAELITAS NA CARNE, E NÃO DOS ESPIRITUAIS

O versiculo “6” é o texto chave do cap. 9, porque realmente ele faz uma perfeita conecção entre a introdução e o desenvolvimento do capítulo.  Sei que é verdade que os fiéis da terra, que compõem a igreja invisível, pode até ser chamada de israelitas, porém as evidências contextuais mostram que os “verdadeiros israelitas” de Rm 9.6 não inclui os gentios, mas se refere somente aos fiéis da nação de Israel. Vejamos: “Não que a palavra de Deus haja falhado. Porque nem todos os que são de Israel são israelitas” (Rm 9.6).

a) Quem era o objeto da preocupação de Paulo no texto, os rejeitados gerais ou somente os judeus? A resposta se encontra na introdução, nos versículos 2, 3: “que tenho grande tristeza e incessante dor no meu coração. Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne”.

b) Versículo 3: “Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus compatriotas segundo a carne”. Podemos observar que nos primeiros versículos deste capítulo Paulo tenta externar a sua tristeza por causa da incredulidade de Israel. Aqui no versículo 3 o apóstolo declara com firmeza que está se referindo ao Israel “segundo” (gr. katà) “a carne” (gr. sárka) e não ao Israel espiritual.

c) Versículos 4 e 5: “os quais são israelitas, de quem é a adoção, e a glória, e os pactos, e a entrega da lei, e o culto, e as promessas; de quem são os patriarcas; e de quem descende o Cristo segundo a carne, o qual é sobre todas as coisas, Deus bendito eternamente. Amém”. Três fortes evidências que o apóstolo se referia ao Israel etnia podem ser apresentadas daqui: primeiramente, a frase “os quais são israelitas” está gramaticalmente e contextualmente ligada à última frase do versículo anterior: “que são meus parentes segundo a carne (sárka)”.

Segundo, os termos: “a entrega da lei” e “de quem são os patriarcas”, jamais podem ser empregada para o Israel espiritual, porque a legislação (nomothesia) foi entregue à nação de Israel, e não para os crentes gentios; terceiro, a oração: “e de quem descende o Cristo segundo a carne” declara explicitamente que Paulo se refere aos judeus, visto que Jesus não descende dos gentios, mas da sárka judaica. Mesmo a calvinista Bíblia de Genebra concorda em seu comentário que esse texto fala de judeus na carne: “9:1-5 – O apóstolo agora explica a rejeição da maioria de seus compatriotas judeus ao evangelho” (Bíblia de Estudo de Genebra. P. 1332).

d) Qual foi a palavra que Deus disse que o texto (Rm 9.6) defende que não falhou? O contexto aproximado mostra que foi uma promessa divina: “os quais são israelitas, de quem é … as promessas” (Rm 9.4), “… mas os filhos da promessa são contados como descendência” (Rm 9.8). Se referia a promessa de salvação à nação judaica, que os judaizantes imaginavam que era incondicional e fatalística para todos os descendentes de Abraão, coisa que Paulo estava refutando. Entretanto, o versículo 6 se apresenta como versículo chave para discernimento da problemática desse discurso de Paulo.

e) Pra quem era, originalmente, a promessa referida no texto, pra todos os fiéis da terra ou somente pra os fiéis judeus? A resposta está nos versículos 3, 4 que diz: “… que são meus parentes segundo a carne; os quais são israelitas, de quem é … as promessas”.

f) Paulo escreveu o cap. 10 com o objetivo de explicar a introdução e uma parte do desenvolvimento do cap. 9. Sua epígrafe pode ser: “os judeus rejeitam a justiça de Deus”, pois explica que os atos da soberania divina estavam atrelados à genuína justiça, e não à tirania. O primeiro versículo retrata bem a introdução e revela que o assunto da salvação do cap. 9 se referia aos judeus: “Irmãos, o bom desejo do meu coração e a minha súplica a Deus por Israel é para sua salvação” (Rm 10.1).

g) O cap. 11 complementa a explicação do conteúdo do cap 9. A sua epígrafe pode ser: “os judeus, a justiça divina e a consistência da promessa fatalista de salvação deles”, pois esclarece que os atos do endurecimento divino é consequência do endurecimento voluntário deles, e revela que a consistência da promessa da salvação dos judeus é coletiva no futuro escatológico.

No primeiro versículo Paulo diz: “Pergunto, pois: Acaso rejeitou Deus ao seu povo? De modo nenhum; por que eu também sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim” (Rm 11.1). Este esclarece que quando Paulo discorria no cap. 9 sobre a rejeição pra salvação estava se preocupando em trazer uma explicação para aos judeus, e mesmo que na conclusão mostrou a inclusão dos gentios, porém seu objetivo era o assunto da eleição e reprovação da etnia de Israel, e não da humanidade.

É perceptível que o texto chave que inicia o tema do discurso paulino dos capítulos 9, 10 e 11 seja: “Não que a palavra de Deus haja falhado. Porque nem todos os que são de Israel são israelitas” (Rm 9:6), somando com  seu tema já indentificado: “A eleição e a reprovação de Israel”, acertadamente deduzido das epígrafes da Bíblia de Genebra, podemos concluir que a problemática que Paulo tenta solucionar no texto em comento consiste em: “Se as promessas que Deus fez aos patriarcas e à nação de Israel parecem indicar uma predestinação incondicional para todo israelita, então como Deus poderia condenar qualquer um desses que rejeitarem a Jesus Cristo, sem quebrar essas promessas?”. Em síntese, os argumentos de Paulo em Romanos 9, 10 e 11 giram em torno da etnia e dos indivíduos israelitas na carne, explicando que Deus não é obrigado a salvar todos, a Sua soberania e o fundamentos das Suas promessas Lhe dão o direito a eleger condicionalmente só em Cristo. Portanto, interpretar que os israelitas que Paulo se refere são todos os eleitos da terra, é um erro de particularização do texto; e texto sem contexto é pretexto para heresia!

3- O OBJETIVO DE PAULO NÃO É DEFENDER O ENSINO DA DUPLA PREDESTINAÇÃO INCONDICIONAL, MAS SALIENTAR A AUTORIDADE DIVINA NA ESCOLHA POR CRITÉRIOS SOBERANOS, E NÃO JUDAIZANTES

A começar pela análise bibliográfica do livro de Romanos vemos que seu propósito não coaduna com o ensino da predestinação fatalista incondicional; Paulo escreve a carta com o objetivo principal de esclarecer e provar aos judeus em Roma que não adiantava apenas ser descendente de Abraão, Isaque e Jacó para conseguir a salvação eterna; assim, era necessário ser “justificado pela fé em Cristo Jesus”, e não pela carne ou por obras (1.6, 16, 17; 2.1-4.25; 9.1-11.36). Portanto, pela análise bibliográfica percebemos que Paulo não usa, necessariamente, em Romanos o termo “Israel” significando, como via de regra, a igreja invisível, não. Porque ele se refere à descendência de Abraão. Quatro fortes evidencias na análise do discurso quebram a idéia que o Apóstolo queria ensinar a doutrina da predestinação fatalista incondicional em Romanos 9:

Primeiro. Após Paulo salientar a soberania divina ele esmera-se a defender que “ISRAEL é responsável pela sua rejeição”, esta é a epígrafe da Bíblia de Genebra para Rm 9.30-33. Daí, infere-se necessariamente que essa soberania divina não é tirania, ela baseia-se na justa justiça; se Israel é responsável pela sua rejeição, então a predestinação não é incondicional, é condicionada pelo conhecimento da sua rejeição a Cristo.

Segundo. Os capítulos 9, 10 e 11, que estão atrelados entre si, fixam como objeto principal de discussão a nação e o povo israelita, e não a humanidade. O apóstolo já inicia em Romanos 9.1-5 tentando inculcar nos judeus que ele cria que Deus havia elegido a nação de Israel e se condoia pela sua reprovação. O capítulo 11 de Romanos, que fecha toda essa perícope, revela que Paulo discorria sobre o pacto coletivo, quando fala de uma restauração futura de Israel, no plano escatológico (pela prensa da grande tribulação). Pois bem, a nação foi escolhida primordialmente para obra: servir de palco para a revelação do poder de Deus, da Palavra e a revelação de Cristo ao mundo. Para obra a escolha era incondicional e absolutista, porém para salvação a Bíblia já havia apresentado para os judeus que é condicional e individual: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ez 18.20).

Terceiro. A tese em Rm 9.30-33 que “ISRAEL é responsável pela sua rejeição” não é um texto sem contexto, pois todo capítulo 10 de Romanos vem consubstanciá-lo; em Rm 10.1-15 Paulo declara que “os JUDEUS rejeitam a justiça de Deus”, e para não sobrar dúvidas que a soberania divina não é tirania, o apostolo ressalta em Rm 10.16-21 que “ISRAEL não pode alegar falta de oportunidade”. Essas conclusões textuais na Bíblia (calvinista) de Genebra inferem necessariamente duas coisas contrárias a ela: que se os israelitas não podem alegar falta de oportunidade é porque tinham livre-arbítrio real de escolherem a Cristo; e que a eleição e a reprovação divina individual não se baseiam em tirania, mas no amor e justiça onisciente divino: “Mas contra Israel diz: todo dia estendi as mãos a um povo rebelde e contradizente” (Rm 10.21). Paulo não se contradiz, e nem a Bíblia pode se contradizer, pois Deus não poderia estender uma mão de salvação pra todos pegar (cap. 10), e ao mesmo tempo, afastar as pessoas com a outra para que não pudessem alcançar a mão da salvação (cap. 9). Essa interpretação é um tremendo absurdo! Faz de Deus bondoso e maligno ao mesmo tempo!

Quarto. O apóstolo inicia transparecendo que a problemática que discutirá seria que a promessa para os judeus não falhou, e que nem todos os que são de Israel são israelitas. A Bíblia de Estudo de Genebra comentando Romanos 9.6, a chave da problemática do discurso de Paulo em Romanos 9, diz: “A promessa e o plano de Deus de que seria o Deus da descendência de Abraão (Gn 17.7-8) estão aqui em foco. Na era do Antigo Testamento, a descendência natural não garantia automaticamente a herança da promessa. Deus a escolhera quem a herdaria. Esse princípio é evidente na família de Isaque”. Pois bem, como a problemática discutida era que se Deus reprovasse qualquer judeu quebraria suas promessas (apesar de Calvino afirmar que o objeto da discussão em Romanos 9 era os judeus, porém fez interpretações fora do contexto), então Paulo tenta desconstruir a idéia fatalista incondicional dos judaizantes, salientando a soberania divina para poder rejeitar, pelos Seus próprios critérios (cristãos), alguns judeus. É óbvio que como ele estava refutando o determinismo incondicional, não poderia objetivar defendê-lo ao mesmo tempo, pois isso seria uma pretensão absurda!

4- A ILUSTRAÇÃO DE JACÓ E ESAÚ NÃO VEM ADVOGAR A ELEIÇÃO E REJEIÇÃO INCONDICIONAL, MAS ENSINA QUE AS PROMESSAS ESTÃO FIDELIZADAS NO PACTO, NÃO PODEM SUBORDINAR-SE AOS CRITÉRIOS DOS JUDAIZANTES

Versículos 9-14: Paulo postou aqui sem pretensão primária de figurar Esaú e Jacó como representando todos os réprobos e todos os eleitos; não há problema se o sentido for pessoal, porque as evidências corroboram que a eleição da descendência abraâmica objetivava prioritariamente obra, assim a de Jacó não era diferente disso. Porque a sentença é bem pessoal para os dois: cita a avó Sara, a mãe Rebeca e o pai Isaque. Porém, aqui não é cabível a interpretação universal espiritualizada, pois será que todos os rejeitados gentios também são descendentes de Abraão? Não tem lógica. Como também, Deus nunca disse a Abraão “Eu te escolhi só pra ti salvar”, ao contrário Ele disse-lhe: “de ti farei uma grande nação”, “… e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.2a, 3b). E sobre Jacó e Esaú Deus disse: “duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas: um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá o menor” (Gn 25.22), o que tem a ver aqui ser patriarca de um povo com ser eternamente salvo? E o que foi que Deus disse a Jacó, será que disse que ele era um predestinado para salvação? vejamos: “por cima dela estava o Senhor, que disse: Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra em que estás deitado, eu a darei a ti e à tua descendência; e a tua descendência será como o pó da terra; dilatar-te-ás para o ocidente, para o oriente, para o norte e para o sul; por meio de ti e da tua descendência serão benditas todas as famílias da terra. Eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; pois não te deixarei até que haja cumprido aquilo de que te tenho falado” (Gn 28.13, 14).

É mais que evidente que a eleição de Jacó foi apenas uma extensão do propósito de Deus de fazê-lo, do mesmo jeito que fez a Abraão e Isaque, um patriarca de uma nação escolhida para obra. Por isso Deus disse: “… não te deixarei até que haja cumprido aquilo de que te tenho falado”. Deus havia elegido Israel para a tríplice missão: demonstrar o poder de Deus ao mundo, revelar sua palavra ao mundo e revelar o Messias ao mundo. Portanto, interpretar que a escolha de Jacó foi exatamente para predestinação para salvação incondicional é um assassinato da hermenêutica e ignorância bíblica!

Se o cap. 9 de Romanos objetiva tratar universalmente dos rejeitados e dos eleitos, então quando ele fala de Jacó e Esaú estaria tratando de todos os eleitos e de todos os rejeitados universalmente pra salvação. Então vamos analizar o texto:

V. 11: “pois não tendo os gêmeos ainda nascido, nem tendo praticado bem ou mal (para que o propósito de Deus segundo a eleição permanecesse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama)”. Primeiramente, todo mundo sabe que a escolha de Abraão, Isaque e Jacó objetivava a formação do povo eleito, e não objetivava primariamente a salvação deles. Veja: “Eu farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome; e tu, sê uma bênção. Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei àquele que te amaldiçoar; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.2, 3); “por cima dela estava o Senhor, que disse: Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra em que estás deitado, eu a darei a ti e à tua descendência; e a tua descendência será como o pó da terra; dilatar-te-ás para o ocidente, para o oriente, para o norte e para o sul; por meio de ti e da tua descendência serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 28.13, 14). A Bíblia não declara em canto nenhum que escolheu Jacó especialmente para ser salvo, mas formar um povo para ser luz para os gentios (Is 49.6).

V. 12: “foi-lhe dito: O maior servirá o menor”. Se o texto tivesse falando em eleição e rejeição pessoal, esse texto que Paulo se refere estaria tratando de indivíduos. Vamos então ao texto no VT.: “Respondeu-lhe o Senhor: Duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas estranhas, e um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor” (Gn 25.23). Essa profecia jamais se cumpriu entre as pessoas de Esaú e Jacó, pois Esaú herdou todos os bens de Isaque, e jamais precisou serviu a Jacó, porém foram os descendentes de Esaú que serviram ao povo de Israel (2Sm 8.14).

V. 13: “Como está escrito: Amei a Jacó, e aborreci a Esaú”. Será que essa revelação foi dita referindo-se às pessoas de Jacó e Esaú? O único texto do VT que fala isso é Ml 1.1-4: “A palavra do Senhor a Israel, por intermédio de Malaquias. Eu vos tenho amado, diz o Senhor. Mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Acaso não era Esaú irmão de Jacó? diz o Senhor; ‘todavia amei a Jacó, e aborreci a Esaú’; e fiz dos seus montes uma desolação, e dei a sua herança aos chacais do deserto. Ainda que Edom diga: Arruinados estamos, porém tornaremos e edificaremos as ruínas; assim diz o Senhor dos exércitos: Eles edificarão, eu, porém, demolirei; e lhes chamarão: Termo de impiedade, e povo contra quem o Senhor está irado para sempre”. Nesse tempo de Malaquias, já não existiam Jacó e Esaú há muitos anos, portanto, está mais que claro que a interpretação que Jacó e Esaú em Romanos 9 ensina eleição e rejeição incondicional é forçosa e anti-bíblica, pois essa declaração quer dizer que Deus amou ao povo de Israel e aborreceu o povo de Edom.

O ponto distintivo e esclarecedor é que a eleição de Jacó e a rejeição de Esaú, como era para a missão de formar uma nação escolhida, Deus havia escolhido os descendentes de Jacó e rejeitado os descendentes de Esaú para obra: “e aborreci a Esaú; e fiz dos seus montes uma desolação, e dei a sua herança aos chacais do deserto” (Ml 1.3). Esaú já havia morrido nesse contexto, há muitos anos, então isso é uma declaração que Deus desolou os montes dos descendentes de Esaú. Então, quando Paulo diz que Deus aborreceu Esaú antes de o haver nascido, fala da sua rejeição e da sua descendência para obra e não pra salvação! Veja como a Bíblia fala de Esaú referindo-se à sua descendência: “não contendais com eles, porque não vos darei da sua terra nem sequer o que pisar a planta de um pé; porquanto a Esaú dei o monte Seir por herança” (Dt 2.5). “E a casa de Jacó será um fogo, e a casa de José uma chama, e a casa de Esaú restolho; aqueles se acenderão contra estes, e os consumirão; e ninguém mais restará da casa de Esaú; porque o Senhor o disse” (Ob 1.18). “Mas eu desnudei a Esaú, descobri os seus esconderijos, de modo que ele não se poderá esconder. E despojada a sua descendência, como também seus irmãos e seus vizinhos, e ele já não existe” (Jr 49.10). Portanto, Esaú foi rejeitado incondicionalmente para obra, e não para salvação (Hb 12.16, 17); é iníquo afirmar que Deus predestina incondicionalmente para perdição!

Como, também, quando Paulo usa a expressão em que Deus fala a Moisés que terá misericórdia de quem lhe aprouver ter misericórdia, (v.15) não quer dizer de forma alguma que a vontade divina não se submeta aos critérios da perfeição do Seu caráter moral, apenas dizia que da mesma forma que a arrogância de Moisés não dobrou os critérios divinos, não se dobrará aos critérios judaizantes que reclamava pelo direito à salvação incondicional por causa das promessas (ou seja, não necessitar aceitar a jesus Cristo).

5- A ILUSTRAÇÃO DE FARAÓ NÃO VEM ADVOGAR COERÇÃO DIVINA PARA A PRÁTICA DE PECADO, MAS SALIENTA A SOBERANIA DE USAR QUEM QUISER, IMPLICITANDO O DIREITO MORAL DIVINO DE PERMITIR O PECADO E PODER FAZER DELE UMA OBRA PARA O BEM.

A frase em Rm 9.18 “endurece a quem quer” jamais poderia advogar que Deus, com poder coercitivo, faz o homem  pecar ou impede que este procure amá-lo. A Bíblia não afirma só a soberania divina, mas também a perfeição do caráter moral divino. O endurecer de Deus é nada mais que Sua resposta ao coração impenitente, Deus libera-o totalmente  para o pecado (Rm 1.18-28). Então, quando o homem segue voluntariamente sua carne, torna-se mais bronco para com Deus. Godet apropriadamente escreveu: “O que não deve ser esquecido, e o que aparece claramente, de toda a narrativa em Êxodo, é que o endurecimento de Faraó, foi inicialmente um ato seu. Cinco vezes é dito dele que ele mesmo endureceu, ou tornou pesado seu coração (Êx 7.13; 7.22; 8.15; 8.32; 9.7), antes da vez quando é finalmente dito que Deus o endureceu (Êx 9.12), e mesmo depois disso é dito que ele endureceu a si mesmo (Êx 9.34). Assim ele inicialmente fechou seu próprio coração aos apelos de Deus; ficou mais firme pela resistência obstinada sob os julgamentos de Deus, até que finalmente Deus, como punição por sua rejeição obstinada do direito, entregou-o à sua louca insensatez e afastou seu julgamento”. Essas verdades provam que esse endurecimento nada mais é do que a “Lei divina das Causas e Efeitos” em plena evidência. Perceba como a Bíblia afirma isso:  “Não vos enganeis; Deus não se deixa escarnecer; pois tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7).

Deus já havia visto, pela Sua onisciência do futuro, e dito a Moisés que o rei do Egito tinha o coração obstinado e não deixaria os israelitas saírem, mas Ele faria o Faraó liberar o povo pela força das pragas: “Eu sei, porém, que o rei do Egito não vos deixará ir, a não ser por uma forte mão. Portanto estenderei a minha mão, e ferirei o Egito com todas as minhas maravilhas que farei no meio dele. Depois vos deixará ir.” (Êx 3.19, 20). Podemos ver na Bíblia, sem nenhuma agressão à hermenêutica, como o endurecer de Deus era apenas uma força de expressão pela reação natural de Faraó diante de um circunstancia contrária a seus intentos. Vejamos: “Disse o Senhor a Moisés: Fala aos filhos de Israel que se voltem e se acampem diante de Pi-Hairote, entre Migdol e o mar, diante de Baal-Zefom; em frente dele assentareis o acampamento junto ao mar. Então Faraó dirá dos filhos de Israel: Eles estão embaraçados na terra, o deserto os encerrou.  Eu endurecerei o coração de Faraó, e ele os perseguirá; glorificar-me-ei em Faraó, e em todo o seu exército; e saberão os egípcios que eu sou o Senhor. E eles fizeram assim. Quando, pois, foi anunciado ao rei do Egito que o povo havia fugido, mudou-se o coração de Faraó, e dos seus servos, contra o povo, e disseram: Que é isso que fizemos, permitindo que Israel saísse e deixasse de nos servir?” (Êx 14.1-5). Não há qualquer quebra de livre-arbítrio nesse texto. O que há é uma reação naturalíssima de Faraó diante de uma oportunidade de realizar seu intento, continuar usando o povo como escravo, pois esse trabalho saía muito barato para o Egito!

A justiça divina libera para tornar-se mais incrédulo e mais pecador todo aquele que, voluntariamente conhecendo a verdade, se faz impenitente. Era isso que o Apóstolo implicitou quando fez referencia a Faraó, pois salientava a soberania divina para permitir que alguns judeus se perdessem. Veja o que Paulo diz: “Mas pergunto: Porventura não ouviram? Sim, por certo: Por toda a terra saiu a voz deles, e as suas palavras até os confins do mundo”. “Quanto a Israel, porém, diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente” (Rm 10.18, 21). E como os judeus eram rebeldes e contradizentes o oleiro permitiu, em Seu governo universal, que a Lei da semeadura entrasse em efeito: “E Davi diz: Torne-se-lhes a sua mesa em laço, e em armadilha, e em tropeço, por justa retribuição” (Rm 11.9).

Deus, por desejar ser amado por amor livre e voluntário, e não com amor coagido pelo poder da Sua soberania, precisou dar livre arbítrio ao homem. Mas, como o livre arbítrio humano não é soberania, então Deus aplicou a essa liberdade moral à Lei das causas e efeitos, que sentencia: “O que semear a perversidade segará males…” (Pv 22.8; veja também Is 40.24); mas, também para o bem: “Semeai para vós em justiça, colhei segundo a misericórdia; lavrai o campo alqueivado; porque é tempo de buscar ao Senhor, até que venha e chova a justiça sobre vós” (Os 10.12). Portanto, em questão de interpretação bíblica, até o próprio Calvinista Charles Hodge concorda que não deve haver contradição na Bíblia: “Se as Escrituras são o que alegam ser, a palavra de Deus, são a obra de uma só mente, a mente divina. À luz desse fato, segue-se que a Escritura não pode contradizer a Escritura. Deus não pode em um lugar ensinar algo que seja inconsistente com o que Ele ensina em outro lugar. Por conseqüência, a Escritura deve explicar a Escritura. Se uma passagem admite diferentes interpretações, a única que pode ser verdadeira é aquela que concorda com que a Bíblia ensina em outros lugares sobre o mesmo tema” (Teol. Sist. C. Hodge. P. 140). Então como é que Deus endureceria o coração de alguém só para que não pudesse ser salvo? Isso contradiz as Escrituras no que diz respeito à lei da semeadura e do Seu amor universal: “Tenho eu algum prazer na morte do ímpio? diz o Senhor Deus. Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?” (Ez 18.23). Deus é soberano, mas também é santo e justo, não faz ninguém pecar!

HIPERCALVINISMO

CALVINISMO-MODERADO

ARMINIANISMO

QUANTO À JUSTIFICATIVA Deus faz o homem pecar, porque é absolutista (preordenação) Deus fataliza cada pecado, porque é absolutista (preordenação) Deus permite o pecado, porque deseja ser amado livremente(conhecimento prévio)
QUANTO AO SENTIMENTO DIVINO Deus deseja, decreta e opera o pecado, porque não é oposto a Ele Deus deseja que o pecado aconteça, mas odeia o pecado Deus não deseja que o pecado aconteça e odeia-o
QUANTO À CONCORRÊNCIA DIVINA O pecado acontece por ação objetiva de Deus em causas primárias irresistíveis (criando uma necessidade de pecar) (Concorrência Moral Imediata) O pecado acontece por ação objetiva divina em causas secundárias irresistíveis (motivando para que peque) (Concorrência Moral Mediata) O pecado acontece pelo decreto divino universal do livre curso natural e livre-arbítrio. (Concorrência Física Mediata)

6- A ILUSTRAÇÃO DOS VASOS NÃO ADVOGA QUE DEUS CRIA SERES MORAIS OBJETIVAMENTE ESTRUTURADOS E PROGRAMADOS PARA PECAR, MAS INSINUA QUE FOI DEUS QUEM FORMOU A NAÇÃO DE ISRAEL, PORÉM PERMITIU QUE JUDEUS PUDESSEM DESONRAR O PACTO PRESTABELECIDO.

Quando Paulo fala do direito do oleiro de fazer o barro do jeito que quiser, responde duas questões da problemática judaica: a primeira é que o criador da nação de Israel fez este povo permitindo que alguns pudessem quebrar o pacto divino; isso pode ser explicado pela Lei do livre-arbítrio (Rm 10.21; At 7.51; Mt 23.37). Segundo, Deus tem o direito de usar quem Ele quiser ou deixar de usar, sem dar explicações a ninguém. Usou Israel do mesmo modo que usou faraó para um propósito. Para obra a eleição é incondicional, para salvação a coisa muda, a condição é abraçar a Cristo.

Na questão dos vasos, é evidenciado pelo VT que o texto que Paulo usa fala sobre a promessa divina para o povo judeu (coletividade), que assim que o objeto de barro recebe a forma conferida pelo oleiro, assim também Deus iria moldar uma situação política de salvação através da Pérsia (Is 45.9-16). Perceba outras referencias acerca do assunto: “Os preciosos filhos de Sião, comparáveis a ouro puro, como são agora reputados por vasos de barro, obra das mãos de oleiro!” (Lm 4.2). “Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? diz o Senhor. Eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel” (Jr 18.6). Elas também se referem ao povo israelita (nação), e não particularmente a indivíduos. Isso indica a eleição para obra.

Agostinho (354-430 dC) acertadamente disse: “O intérprete deve consultar o verdadeiro credo ortodoxo” (Henry Virkler, Hermenéutica Avançada, p. 45). Os calvinistas só conseguem ver a soberania divina como credo ortodoxo, e esquecem que a perfeição dos atributos morais divino, quanto à Sua imutabilidade moral, também, são pilares da ortodoxia (Ml 3.6; Tg 1.17; 1Pe 1.15, 16). Dizer que Deus faz objetivamente seres morais programados para pecar por pura vontade soberana é uma blasfêmia! A isso Agostinho aconselha: “Com efeito, conceber de Deus a opinião mais excelente possível é o começo mais autêntico da piedade. E ninguém terá de Deus um alto conceito, se não crer que Ele é todo-poderoso e que não possui parte alguma de sua natureza submissa a qualquer mudança” (O Livre-Arbítrio. Paulus. P. 29).

Não se pode interpretar a Bíblia dando significados anti-bíblicos para os textos. Deus jamais pode ser tão oposto ao pecado (Hb 1) e ao mesmo tempo fazer que alguém peque. Agostinho dá a receita da hermenêutica ortodoxa: “Se o significado de um texto é obscuro, nada na passagem pode constituir-se matéria de fé ortodoxa” (Agostinho, Henry Virkler, Hermenéutica Avançada, p. 45). Portanto, toda interpretação que diz que Deus, por pura vontade, preordena Suas criaturas  para pecar, pode ser até conservadora se conserva o ensino de algum teólogo, mas não pode ser ortodoxa, pois quebra pilares da ortodoxia: a perfeição dos atributos morais divinos e Sua imutabilidade.

HIPERCALVINISMO

CALVINISMO-MODERADO

ARMINIANISMO

Deus programou fatalisticamente cada pecado no coração dos homens, antes da queda. (Determinismo – supralapsariano) Deus decretou liberdade volitiva ao homem (livre- agência), porém fatalizou cada pecado depois da queda. (Determinismo – infralapsariano) Deus decretou liberdade de volição moral (livre-arbítrio), previu, pode intervir, mas não fatalizou cada pecado. (Intervencionismo – Sublapsariano)

Nota do CACP: Nem todos os teólogos do CACP corroboram com a visão arminiana. Temos as duas visões descritas aqui no site – tanto Calvinista como Arminiana. O presente artigo é de confissão de fé Arminiano/Wesleyana e, por isso, não é a concepção oficial do CACP – que não emite oficialmente um parecer sobre tal questão.

Ebenezer José de Oliveira

é Bacharel em Teologia e Monitor da ESTEADEB-Recife

Sair da versão mobile