A responsabilidade missionária de Israel

MISSAO

No primeiro capítulo, destacamos dois aspectos de missões no relato bíblico da criação. Em primeiro lugar, observamos, através do relato da criação do mundo, que nada menos do que o universo inteiro objetiva a preocupação de Deus com o alvo da redenção, e, como consequência, o mundo é definido como o palco de missões. Em segundo lugar, observamos, através do relato da criação do homem, seu papel como em­baixador-missionário, isto é, como representante (rei, com r minúsculo) de Deus (Rei, com R maiúsculo) e seu enviado (este é o significado da palavra missionário) para anunciar o reino de Deus e até participar da ordenação e do domínio deste reinado em todo o mundo. Reparamos ainda que, depois da queda, esta imagem de Deus no homem corrompeu-se, restando a salvação de Cristo Jesus a fim de restaurar o homem ao estado pretendido por Deus desde o início.

Entretanto, pode-se pensar que, se Deus tem, desde o início, uma preocupação universal, por que o Antigo Testamento dá tanta ênfase somente a uma nação — Israel?

Vejamos os capítulos 3-12 de Gênesis. A partir de Adão, o relacionamento entre Deus e o homem piorou. Neste trecho das Escrituras lemos a respeito de queda e rebelião. Por fim, Deus diz: “Chega! Vou acabar com toda a raça humana e começar tudo de novo com uma só família”. Deus efetivamente fez isto, destruindo a humanidade toda com exceção da família de Noé.

Ora, são fascinantes as palavras de Deus a Noé e seus filhos, depois do dilúvio: “Sede fecundos, multi­plicai-vos e enchei a terra” (Gn 9.1). O mandamento de Deus para Adão continua o mesmo para Noé e sua família. Eles deveriam ser os novos embaixadores-missionários de Deus por todo o mundo. Enfatizamos, de acordo com Gênesis, que esta aliança se fez entre Deus, Noé e seus filhos. Somente um dos filhos de Noé, Sem, seria o antecedente dos povos semitas, como Israel, por exemplo. Todos os filhos, porém, representavam toda a humanidade de novo.

Infelizmente a história continuou inalterada. Mais uma vez houve rebelião e tudo piorou e se agravou até a construção da torre de Babel:

“Ora em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do oriente, deram com uma planície na terra de Sinear; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos, e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade, e uma torre cujo topo chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra” (Gn 11.1-4).

A torre de Babel foi construída para ser um símbolo de unidade, um lugar onde as pessoas pudessem se reunir. Buscava-se segurança com essa união, tendo em vista os perigos desconhecidos da terra despovoada. Eles disseram: “Não queremos nos espalhar por toda a terra. Não vamos obedecer ao primeiro mandamento de Deus e espalhar seu domínio por todo o mundo”.

Mas Deus os forçou a isto, confundindo-lhes as línguas, exigindo, assim, a separação entre povos e nações. Mais tarde, quando Deus teve um povo remido pelo sangue de Jesus, ele reverteu o processo de confundir as línguas para dar expansão à obra missionária da igreja (At 1.8). Ao mesmo tempo, continuou a permitir a dispersão forçada de seu povo, a fim de promover seu reino por todo o mundo (At 8.1, 4).

Até este ponto do relato de Gênesis, vemos como Deus quis usar a humanidade, a fim de promover a ordem e seu domínio. Observamos que o foco manteve-se universal. Gênesis 1-11 conta a história do mundo e de toda a humanidade.

A partir do capítulo 12, contudo, e até o final do Antigo Testamento, a ênfase recai na história não universal, mas particular do povo de Israel. Esta nação seria o instrumento de Deus para atingir seu alvo, que continuaria a ser o mundo todo.

Veremos agora que no período dos patriarcas, como no dos reis e dos profetas, embora muito se relate sobre um povo só, Israel, o propósito de Deus alcança todas as nações.

 

NO PERÍODO DOS PATRIARCAS

Quando Deus chamou Abraão, concentrou-se em um só homem, por meio de quem constituiria uma família e, depois, uma nação, cuja influência atingiria todos os povos do mundo: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Esta passagem chave influenciou todo o resto da Bíblia!

Abraão tornou-se um grande missionário. Deus o chamou, e ele respondeu com fé. Deixou sua vida anterior e iniciou sua peregrinação. Foi chamado pai da fé. Entretanto, sua fé serviu como meio para alcançar um fim, sendo este uma missão. A fé sozinha não tem conteúdo. Na vida de Abraão, a fé lhe foi exigida, porque em sua missão encontrou, muitas vezes, dificuldades que seriam vencidas apenas pela fé em Deus, que dá origem à missão.

Este chamado de Abraão repetiu-se para seus descendentes: “… a tua descendência possuirá a cidade dos seus inimigos, nela serão benditas todas as nações da terra” (Gn 22.17-18). Esta “descendência” refere-se a três entidades. Em primeiro lugar, ao povo de Israel. A missão de Abraão passou também a seus descendentes, pois o chamado à missão repetiu-se tanto para Isaque (Gn 26.2-4) quanto para Jacó (Gn 28.13-14) e José (Gn 49.22).

Em segundo lugar, a descendência refere-se a Jesus. Todas as bênçãos de Deus nos vêm por meio de Jesus Cristo (Ef 1.3), tanto que Abraão era apenas um tipo de Cristo, apontando para frente, junto com os profetas e reis, para o Messias, através de quem Deus cumpriu cabalmente as promessas feitas a seus tipos.

Em terceiro lugar, assim como o chamado passou para os descendentes de Abraão, também passou para os “descendentes” de Jesus, aqueles que renascem em Cristo, os verdadeiros e atuais descendentes de Abraão (Gl 3.29). Os cristãos são chamados para serem missionários-embaixadores.

Resumindo: desde o início, o chamado de Israel como nação foi feito a fim de alcançar todas as famílias, ou seja, todas as nações da terra. O propósito de Deus no levantamento de Israel era mostrar ao mundo, mediante sua história, o caminho da salvação, e assim levar todos os povos a gozar esta bênção. O foco no mundo uma vez mais se destacou. Esta ênfase nunca se perdeu no Antigo Testamento, embora, às vezes, tenha sido obscurecida. A história de Israel é uma história de missões.

 

NA HISTÓRIA DE ISRAEL

Na história de Israel, a atuação de Deus para com seu povo visava a um propósito maior — alcançar as nações. Por exemplo, após atravessar o Mar Vermelho e o Rio Jordão, Josué afirmou:

“Porque o Senhor vosso Deus fez secar as águas do Jordão diante de vós, até que passásseis, como o Senhor vosso Deus fez ao Mar Vermelho, ao qual secou perante nós, até que passamos. Para que todos os povos da terra conheçam que a mão do Senhor é forte: a fim de que temais ao Senhor vosso Deus todos os dias” (Js 4.23-24).

Os milagres de Deus não objetivavam algo para Israel, mas eram uma forma de conduzir as nações à salvação. (Observe-se que “temer”, para o hebreu, significava a aliança que tinha quanto à sua fé, assim como, hoje em dia, o termo popularmente usado é “religião”.)

Davi compreendeu este propósito maior de Deus, quando se confrontou com Golias:

“Davi, porém, disse ao filisteu: Tu vens contra mim com espada, e com lança, e com escudo; eu, porém, vou contra ti em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado. Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão; ferir-te-ei, tirar-te-ei a cabeça, e os cadáveres do arraial dos filisteus darei hoje mesmo às aves dos céus e às bestas-feras da terra; e toda a terra saberá que há Deus em Israel” (l Sm 17.45-46).

Esta consciência missionária de Davi chegou a marcar significativamente seus salmos:

“Aclamai a Deus, toda a terra… prostra-se toda a terra perante ti… os seus olhos vigiam as noções… bendizei, ó povos, o nosso Deus” (66.1, 4, 7, 8).

“E todos os reis se prostrem perante ele; todas as nações o sirvam… nele sejam abençoados todos os homens, e as nações lhe chamem bem-aventurado” (72.11, 17).

“Todas as nações que fizeste virão, prostrar-se-ão diante de ti, senhor, e glorificarão o teu     nome” (86.9).

“Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os povos as suas maravilhas” (96.3).

“O Senhor fez notória a sua salvação; manifestou a sua justiça perante os olhos das nações… celebrai com júbilo ao Senhor, todos os confins da terra” (98.2, 4).

“Louvai ao Senhor vós todos os gentios, louvai-o todos os povos” (117.1).

Esta visão missionária também foi evidenciada pelo filho de Davi, Salomão, quando dedicou o templo a Deus, orando:

“… ouve tu nos céus, lugar da tua habitação, e faze tudo o que o estrangeiro te pedir, a fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te temerem como o teu povo Israel, e para saberem que esta casa, que eu edifiquei, é chamada pelo teu nome” (l Rs 8.43; ver também Is 56.6-8).

 

NOS PROFETAS

Os profetas chamavam o povo de Israel para voltar a essa visão universal de Deus, pois Israel tendia a ter uma perspectiva nacional e exclusivista. Jeová seria o Deus da salvação de todos: “Olhai para mim, e sede salvos, vós, todos os termos da terra” (Is 45.22); “diante de mim se dobrará todo joelho” (Is 45.23). O profeta Sofonias reconhecia esta perspectiva: “Então darei lábios puros aos povos, para que todos invoquem o nome do Senhor, e o sirvam de comum acordo”. Assim também Malaquias: “Mas desde o nascente do sol até o poente é grande entre as nações o meu nome…” (Ml 1.11). Aos estrangeiros é dado o título “povo de Deus” (Os 2.23). O anúncio do Messias que vem tem caráter universal, concretizando a promessa de Deus a Abraão de abençoar todas as nações e cumprindo a responsabilidade dada ao homem de dominar a terra.

“Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o Eufrates até as extremidades da terra” (Zc 9.10).

Assim, conforme o Antigo Testamento, desde a criação do mundo, alcançando a história de Israel e as profecias dos antigos profetas, Deus tem preparado seu povo para a grande missão de levar seu domínio a todo canto e a todos os povos da terra. Estejamos preparados dispostos!

Extraído do livro MISSÕES NA BÍBLIA, Ed. Vida Nova

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