No meio acadêmico, há divergências no que diz respeito à conhecida narrativa da mulher achada em adultério.
De um lado, há os que defendem que a narrativa foi acrescentada por um copista no processo de transmissão, ou seja, é uma narrativa tardia, João não a escreveu, já que não consta em alguns documentos antigos de grande importância para a reconstrução do texto original. Dentre esses estão alguns que negam até a Fidelidade de todo o Novo Testamento como o ex-cristão e pesquisador do assunto, Bart D. Ehrman [1].
Do outro lado, há os que defendem que a história, além de verdadeira, foi registrada por João no processo de inspiração, pois consta em alguns documentos antigos.
A seguir mostraremos o que temos a respeito do tema e qual a melhor conclusão a ser abraçada.
Manuscritos que “pulam” de Jo 7.52 para 8.12:
Séc III ➜ Papiro-66 e Papiro-75.
Séc IV ➜ Códices Sinaítico e Vaticano.
Séc V ➜ Códice Washingtoniano.
Manuscritos que omitem todo o capítulo 7 e 8:
Séc V ➜ Códices Alexandrino e Efraimita.
Manuscrito que contém a narrativa da mulher adúltera:
Séc V ➜ Códice Bezae.
Nos séculos sexto e sétimo a narrativa é inexistente. Todavia ela volta a aparecer no códice Basiliense do séc VIII.
De acordo com o falecido crítico textual, Bruce Metzger, há manuscritos e versões antigas do Oriente as quais não contêm a narrativa, a saber, a siríaca, a saídica, a subacmímica e boaírica. Também, segundo ele, há ausência em versões georgianas, na gótica e em muitos manuscritos da Antiga Latina. De acordo ainda com Metzger, além de serem os responsáveis por apresentarem a história da mulher adúltera e, de forma consciente a sinalizarem como uma passagem que não constava no original, os copistas a colocaram após (Jo 7.36), (Jo 7.44), (Jo 21.25) e até (Lc 21.38) [2]. Isto é, a ideia é que não havia consenso entre os copistas quanto à localidade no Texto.
No que diz respeito aos doutores da Igreja, como, por exemplo, Orígenes (187d. C), João Crisóstomo (347d.C) Cirilo de Alexandria (378d.C), os quais comentaram o Evangelho, há omissão do relato. Aliás, Metzger chegou a dizer que nenhum dos pais da Igreja fez qualquer menção até Eutímio (séc XII) quando este afirmou não haver a narrativa nas cópias corretas de João [3].
Já entre os doutores latinos, como, Paciano de Barcelona (310 d.C), Ambrósio de Milão (340d.C), Agostinho (354d.C) e Jerônimo (347d.C), há inclusão do relato[4].
Todavia, no Fragmento de Papias (70-140 d.C)[5], o qual o historiador Eusébio de Cesaréia (265 d.C) teve conhecimento, contém uma narrativa acerca de uma certa mulher acusada de pecados diante de Jesus: O mesmo escritor utiliza testemunhos tomados da primeira carta de João, e igualmente da de Pedro, e expõe também outro relato de uma mulher acusada de muitos pecados ante o Senhor, que está contida no Evangelho dos hebreus. Que conste também isto, além do que já havia exposto [6].
Seguindo ou aparentando seguir a mesma linha histórica de Papias, Dídimo, o Cego (313d.C), que era da mesma região de Cirilo de Alexandria, que não tratou da narrativa, quer dizer, era cristão grego, algo que pode contrapor a afirmação de Metzger, fez o seguinte comentário: Descobrimos então que em certos evangelhos uma mulher, diz-se, foi condenada pelos judeus por um pecado e estava sendo levada para ser apedrejada no lugar onde era costume se fazer isso. O salvador disse, quando a viu e observou que eles estavam preparados para apedrejá-la, quanto aqueles que pretendiam lançar as pedras sobre ela, ele disse, [isto é,] ‘Se alguém pensa que não pecou, após tomar uma pedra e feri-a. “E ninguém se atreveu, pois eles entendiam entre si e sabiam que eles próprios também eram culpados em algumas coisas; por isso não ousaram atacá-la. [7].
Até o momento a situação é a seguinte:
-No século II há uma citação via um pai apostólico a qual é conhecida no século III sobre uma pecadora.
-Em manuscritos bíblicos do século III ao IV há omissão do episódio da mulher adúltera.
-Dos quatro manuscritos bíblicos do século V apenas um contém o episódio.
-Nos escritos dos pais da Igreja do século IV há uma considerável divergência sobretudo na mesma região, como no caso de Dídimo e Cirilo os quais eram de Alexandria, mas com uma narrativa mais detalhada do que a de Papias sobre uma pecadora via o cego, Dídimo.
Bem, não é possível, apenas com o que lemos, dizer que Papias e Dídimo estão categoricamente falando da história clássica da mulher adultera por alguns motivos:
1- Papias diz que a história da mulher está num evangelho aos hebreus. Ele pode ter se referido a um escrito não canonizado;
2- Dídimo diz que a história de uma mulher pecadora estava em certos evangelhos e, além disso, que a mulher foi levada para ser morta num lugar que era próprio para execução. Mas isso não corrobora com a narrativa clássica, pois, Jesus, estava no Templo (Jo 8:1-4) e, os apedrejamentos, ocorriam distante dos “puros” (Lv 24:14; Nm 15:32-36; At 7:58). Ademais, os certos evangelhos poderiam ser também não canonizados. Lembremos que o Canon não havia sido fechado até Atanásio (367 d.C)[8].
Por outro lado, não podemos exigir muito de alguém que era cego desde criança. Contar uma história com todos os detalhes apenas a ouvido é muito mais difícil do que a lendo ou a vivendo. Basta lembrar-se das muitas vezes em que não conseguimos citar um só versículo da Bíblia sem precisar olhar nEla.
Não podemos negar que há um rastro pela história da Igreja onde uma ou umas mulheres estiveram em situações semelhantes a da mulher adúltera. Rastro esse que, além de ser muito coincidente, antecede os papiros mais antigos anteriormente citados os quais omitem o testemunho, já que Papias era de (70 d.C).
Mas, o tema ainda carece de uma conclusão, pois ainda nos falta mostrar a evidência interna que, ao nosso olhar, nos dá uma luz esclarecedora sobre o tema. O estudioso brasileiro, Wilbur Norman Pickering, mais conhecido por Gilberto Pickering, faz um comentário de fácil entendimento e acolhimento. Pikcering diz: A evidência contra o Texto Majoritário é, aqui, menos fraca do que em qualquer dos exemplos prévios. Mas, assumindo (somente para efeito de raciocínio) que a passagem é espúria, como poderia jamais ter sido introduzida aqui, e de modo tal que é atestada por uns 85% dos MSS? Tentemos ler a passagem maior sem estes versos—temos que ir diretamente de 7.52 para 8.12. Revendo o contexto, os principais sacerdotes e fariseus tinham enviado guardas para prenderem Jesus, sem proveito; uma “discussão” resulta; Nicodemus faz uma colocação, ao que os fariseus respondem: (7.52) “És tu também da Galiléia? Examina, e verás que da Galiléia nenhum profeta surgiu.” (8.12) “Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: ‘Eu sou a luz do mundo.’ …” Qual é o antecedente de “lhes”, e qual é o significado de “outra vez” ? Pelas regras normais da gramática, se 7.53-8.11 estão faltando, então “lhes” tem que referir aos “fariseus” e “outra vez” significa que, [nesta conversação], Jesus já lhes dirigira a palavra ao menos uma vez. Mas 7:45 deixa claro que Jesus não estava lá com os fariseus. Assim, a UBS introduz uma aberração. Mesmo assim, Metzger alega que a passagem (7.53-8:11) “interrompe a sucessão de 7.52 e 8.12ss” (pag. 220)! Procurar pelos antecedentes de 8.12 em 7.37-39 não somente afronta a sintaxe, mas também colide contra 8.13 – “os fariseus” respondem à reivindicação que Jesus fez no verso 12, mas “os fariseus” estão em outro lugar, 7.45-52 (se 7:53-8:11 está ausente)[9].
Isto é, se lermos a história sem os versículos omitidos nos manuscritos e nas citações dos pais, não há qualquer coerência textual, quer dizer, ao invés de esclarecer o tema, os que entendem que a história da mulher adúltera não foi escrita por João, só dificulta as coisas sobretudo para eles mesmos.
É bem verdade que não podemos provar de forma cabal que a história constava no Evangelho de João, porque não temos o autógrafo; mas as evidências externas e internas favorecem mais a ideia de que João a escreveu do que o oposto. Digamos, o placar é de 2×1.
Diante do exposto, cremos que de fato Jesus perdoou a mulher adúltera.
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[1] Link de um debate entre Bart D Ehrman e Craig A Evans. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=ihU93BTBFDQ&t=6s>. Acesso em 27 de janeiro de 2019.
[2] A textual Commentary on the Greek New Testament. P. 187-189. Fourth Revised Edition.
[4] CHAMPLIN, R. Norman. Volume 2. P. 513. HAGNOS.
[5] Coleção Padres Apostólicos. p. 321. PULUS.
[6] História Eclesiástica. Livro XXX. Capítulo XXXIX. NOVO SÉCULO.
[7] Disponível em:<http://textualcriticism.scienceontheweb.net/FATHERS/Didymus.html>. Acesso em 27 e janeiro de 2019. Tradução de Antonio Reis.
[8] BRUCE, F.F.; HENRY, F. H. Carl; PACKER, J. I. HARRISON, R. K. Editado por Philip Wesley Comfort. A Origem da Bíblia. p. 109. CPAD.