A reação diante do sofrimento

Há uma narrativa bíblica que nos chama atenção por suas belas lições. “Partiu ela, pois, e veio ao homem de Deus, ao monte Carmelo; e sucedeu que, vendo-a o homem de Deus de longe, disse a Geazi, seu moço: Eis aí a sunamita. Agora, pois, corre-lhe ao encontro e dize-lhe: Vai bem contigo? Vai bem com teu marido? Vai bem com teu fi­lho? E ela disse: Vai bem”, 2Rs 4.25- 26.

Estar ou não estar bem conosco é uma situação que depende direta­mente de como estamos com Deus. Se estivermos bem com Deus, tudo irá ou estará bem conosco. Mesmo nas situações mais adversas, mais de­sastrosas, mais aparentemente im­possíveis de ser solucionadas, tudo irá bem conosco se estivermos bem com Deus. A história da sunamita é uma das mais sólidas confirmações bíblicas de que, mesmo diante da morte, tudo irá bem conosco se esti­vermos bem com o Senhor.

Quem era exatamente aquela mu­lher que, em busca do profeta Eliseu, viajara quase 20 quilômetros de Suném, cidade onde morava, até o Monte Carmelo e agora estava ali pa­rada diante do servo do profeta, ou­vindo-o perguntar se tudo estava bem com ela, com seu filho e com seu marido?

E de onde ela tirou aquela força, aquela coragem, aquele domínio pró­prio para responder a Geazi: “Tudo vai bem.” Será que estava mesmo tudo bem? Sim, porque ela estava bem com Deus. E este era o único e suficiente motivo de sua resposta. Na verdade, o seu coração de esposa es­tava ferido e o seu coração de mãe, despedaçado.

A SUNAMITA

A sunamita era uma mulher rica e temente a Deus. Seu marido era dono de rebanhos e de campos onde cultivavam cereais. Na primeira vez em que profeta Eliseu passou por Suném, aquela mulher rica convidou o homem de Deus para almoçar em sua casa. Eliseu aceitou e voltou ou­tras vezes.

Preocupado em proporcionar re­pouso ao profeta, o casal mandou construir um quarto de hóspede no local mais reservado da casa. Esta­vam praticando aquilo que o autor da carta aos Hebreus recomenda: “Não vos esqueçais da hospitalida­de, porque, por ela, alguns, não o sabendo, hospedaram anjos”, Hb 13.2.

Vindo profeta Eliseu de uma de suas inúmeras viagens pelo país, di­rigiu-se à casa da sunamita e lá ficou hospedado no quartinho. Eliseu quis retribuir-lhes aquela gentileza. Mas aquele casal era rico. Quando o pro­feta se ofereceu para falar em seu fa­vor ao rei ou ao chefe do exército, a mulher respondeu: “Eu habito no meio do meu povo”, 2Rs 4.13. Era como se ela estivesse dizendo ao pro­feta: “Vivo feliz com os meus famili­ares e amigos, e estou satisfeita com tudo o que tenho. Portanto, não pre­ciso nem da interferência do presi­dente da República a meu favor, nem da atuação do comandante da força policial de minha cidade. Vai tudo bem em minha vida, porque eu es­tou bem com Deus”.

Porém, Geazi, o moço que servia ao profeta, observou que a sunamita não tinha filhos, e que seu marido era velho. Portanto, era necessário que Deus repetisse na vida daquele casal o que Ele já fizera na vida de Sara e Abraão, e de tantos outros casais. Eliseu mandou chamá-la e disse-lhe: “Dentro de um ano abraçarás um fi­lho”, 2Rs 4.16. Ouvindo aquelas pa­lavras, a sunamita agiu também como Sara havia agido: duvidou que sua casa ainda pudesse ser coroada e aquecida pela presença, o choro e os sorrisos de alegria de um filho, e respondeu: “Não, meu senhor, ho­mem de Deus, não mintas à tua ser­va”, 2Rs 4.16.

Todavia, conforme profeta Eliseu falou, aconteceu. Um menino nasceu naquela casa, cresceu e, certo dia, quando visitava o campo de seu pai, sentiu-se mal, foi enviado de volta para sua mãe e, algumas horas após a angustiante luta daquela mulher em manter acesa a chama da vida de seu único e amado filho, ela o viu desfalecer e morrer nos seus braços.

De repente aquela mulher, que era rica, viu-se pobre, miserável. E ali fi­cou abraçada ao corpinho do seu fi­lho, entregue a reflexões dolorosas e terríveis, derramando silenciosamente suas lágrimas sobre o rosto pálido e frio daquela criança que sequer ou­sara pedir a Deus, porque na sua hu­mildade sempre achara que não a merecia, pois já se passara muito tempo desde que se casara, e não ti­vera filhos. Antes de ser mãe, sequer ousara pedir o que Deus talvez só estivesse esperando que pedisse para lhe dar.

Mas o Senhor, por intercessão do profeta Eliseu, dera a ela aquele fi­lho. A criança chegara àquela casa como uma não mais esperada e sua­ve canção, como uma flor que brotara de plantas já quase totalmente res­sequidas e estéreis pela velhice que se aproximava.

Porém, agora, aquele filho se fora, e o que para a sunamita era promes­sa de risos, de contentamento, de um futuro coroado pela companhia de um filho homem que lhe traria uma nora e netos, agora se resumira em abandono, em silêncio, em dolorosa separação.

Reunindo o que ainda lhe resta­va de forças, ela abraçou o corpinho do seu filho, subiu até o quarto do profeta e o colocou sobre a cama onde o homem de Deus costumava descansar. Em seguida, fechou dis­cretamente a porta e saiu à sua pro­cura.

MONTE CARMELO

Certamente aquela foi a mais ter­rível prova que aquela mulher já pas­sou em toda a sua vida. Mas a sua fé em Deus a sustentou durante aquela turbulenta, angustiada e ao mesmo tempo esperançosa viagem. O Deus da força e da consolação a esperava no alto do Monte Carmelo.

Você tem um Monte Carmelo em sua vida? Sabe como chegar a ele? Você conhece esse lugar de refúgio? Costuma visitá-lo? Seja qual for o motivo pelo qual esteja indo buscar uma resposta no Monte Carmelo, no monte da oração, lembre-se que esse é o lugar procurado pelos profetas, pelas sunamitas, pelos Elias, pelos Eliseus, por homens, mulheres e jo­vens com problemas, sejam eles de fácil ou difícil solução. O Monte Carmelo é o lugar onde buscamos an­siosamente falar com o Senhor. Pode ser qualquer lugar, desde que nele nos prontifiquemos a clamar a Deus por socorro.

Por maior que seja a dificuldade e o desafio que leve você a subir o Monte Carmelo, saiba que lá costu­ma cair fogo do céu para queimar o holocausto de Elias confiantes em Deus. E lembre-se que o próprio Deus costuma descer ao monte para confortar corações despedaçados, ou confundir profetas de Baal que por acaso estejam perseguindo e desafi­ando os servos de Deus.

O ESPOSO E O FILHO DA SUNAMITA

E quanto ao marido da sunamita? Estaria mesmo tudo bem com ele? Ela disse que sim, porque certamen­te já o havia entregue nas mãos de Deus, e para quem está nas mãos de Deus, vai tudo bem, principalmente quando se foi entregue por uma mu­lher de oração.

Aquele homem era muito rico. Porém, analisando atentamente pe­quenos detalhes do texto bíblico, po­demos deduzir que era distraído e in­diferente para com a família e os as­suntos relacionados a Deus. Quando seu filho sentiu-se mal, durante a vi­sita que fez para ver os homens co­lhendo trigo em sua grande proprie­dade, sequer teve a preocupação de conduzir a criança de volta aos cui­dados de sua mãe. Mandou que um dos empregados fizesse isso e conti­nuou envolvido com os detalhes da colheita (2Rs 4.19). Para ele, cevada, trigo ou milho valiam mais do que um filho.

E quando sua esposa mandou chamá-lo para pedir que ele liberas­se um dos seus funcionários para ir com ela ao Monte Carmelo, onde es­tava profeta Eliseu, aquele homem sequer perguntou como estava o fi­lho, e ainda estranhou o fato de a es­posa estar indo em busca do homem de Deus naquele dia, pois “não era lua nova nem sábado”, 2Rs 4.26.

E o que foi que a sunamita res­pondeu ao seu marido, àquele ho­mem insensível e materialista, que só se lembrava de Deus em determina­das datas do mês ou do ano, ou durante cerimônias ritualísticas e mor­tas? “Não faz mal” ou “Vai tudo bem”. Sim, vai tudo bem, homem, pois a tua vida, o teu coração, o teu apego aos bens materiais, tua displi­cência paternal e tua frieza espiritu­al estão entregues nas mãos de Deus.

E quanto ao filho da sunamita, es­taria mesmo tudo bem com ele? Sim, porque agora estava descansando nas mãos de Deus. Enquanto sua mãe atravessava os vales e campinas que separavam Suném do monte Carmelo, o menino continuava dei­tado e imóvel sobre a cama do profe­ta, exatamente como sua mãe o dei­xara. Seu corpo já estava bem frio, gelado.

Aqueles pequenos pés que horas antes haviam caminhado por entre as plantações de seu pai, agora jaziam ali, inertes. Seus lábios infantis já não pronunciavam palavras de solicitude e carinho à sua mãe. Seus olhos haviam perdido todo o brilho, e es­tavam para sempre fechados. Se pu­déssemos falar alguma coisa àquela criança, perguntaríamos:

DEUS VAI OUVIR VOCÊ

Logo após ter respondido a Geazi, a sunamita viu que profeta Eliseu se aproximava. Imediatamente correu ao seu encontro, lançou-se aos seus pés e chorou. Não viera buscar socor­ro no lugar errado ou junto a pesso­as erradas. Não se dirigira ao monte da murmuração ou ao monte do de­sespero, e sim ao monte da oração, da misericórdia e da fé em Deus. Portanto, não perderia tempo com pes­soas que não podiam ajudá-la. Dis­sera ao marido “vai tudo bem”, ao perceber sua incredulidade. Dissera também ao servo do profeta Eliseu “vai tudo bem”, quando sua percep­ção espiritual a fez sentir que aquele moço nada podia fazer para ajudá-la.

“A sua alma está triste de amar­gura”, disse Eliseu (v27), “e o Senhor mo encobriu e não mo manifestou”. Os fatos que ocorreram deste ponto em diante provam que o poder de operar maravilhas e profetizar não estava em Eliseu, e sim no Senhor. Não estava no cajado de Eliseu, sím­bolo de sua autoridade profética, mas tão-somente no Senhor, pois se o poder de Eliseu estivesse no seu cajado, Geazi teria ressuscitado o menino, conforme tentou, mas não conseguiu (v31).

E o poder que se manifestava através de Eliseu também não era propriedade do profeta, pois ele pre­cisou orar muito e aquecer o menino com o calor do seu próprio corpo, para finalmente aquela criança vol­tar à vida e ser entregue à sua mãe (v36-37).

Vai tudo bem com você? Como es­tão suas visitas ao monte da oração? Não sei qual será exatamente o lugar que Deus vai ter de transformar em um Monte Carmelo na sua vida, e nem sei exatamente o tipo de lugar que você vai ter de considerar um Monte Carmelo para falar com Deus. Mas não se esqueça: o Deus que ou­viu a sunamita naquele monte de an­gústia plena; o Deus que ouviu José no poço da traição e na prisão da ca­lúnia; o Deus que ouviu Daniel na cova dos leões; o Deus que ouviu Sadraque, Mesaque e Abdenego na fornalha de fogo ardentíssimo; o Deus que ouviu Jonas lá nas profundezas do mar, dentro do ven­tre de um grande peixe, pode ouvir você.

Esteja onde você estiver, conside­re-se como e onde se considerar, Deus pode fazer do lugar de provas e lutas em que você se encontra, um local de plenitude, um monte aprazível, um lugar frutífero de respostas grandio­sas, plenas de bênçãos. Ele pode fa­zer da sua vida, da situação que mais lhe incomoda e atormenta, um Mon­te Carmelo de vitória, contentamento e paz.

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JEFFERSON MAGNO COSTA – FONTE: REVISTA “OBREIRO” ANO 24 – N°19

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