Uma análise das cláusulas de exceção no evangelho de Mateus
- INTRODUÇÃO
No começo da década de 90, H. Wayne House editou o livro Divorce and Remarriage: Four Christian Views,[1] no qual quatro estudiosos debatem a questão do divórcio e do novo casamento. Cada um deles defende um ponto de vista diferente acerca do assunto; desde a proibição total de qualquer divórcio e novo casamento, até sua permissão por diversas razões. Isso nos mostra a grande amplitude que existe no tema e sugere uma pequena ideia da dificuldade da questão diante das Escrituras.
Embora hoje em dia exista um certo consenso superficial entre a maioria dos estudiosos (e igrejas) sobre o assunto, uma boa e considerável parcela de cristãos se posiciona de maneira divergente quanto ao tema. A história moderna da igreja carrega esse debate contínuo, cujo texto de principal escrutínio quase sempre envolve uma frase: “exceto em caso de imoralidade sexual”.
Essa frase está presente em dois textos apenas no evangelho de Mateus e é pronunciada por Jesus num contexto a respeito de divórcio e novo casamento, como se segue:
31 Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher; dê-lhe carta de divórcio. 32 Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério. (MATEUS 5:31-32 – ARA)
9 Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério [e o que casar com a repudiada comete adultério]. (MATEUS 19:9 – ARA)
Para a maioria dos estudiosos, trata-se de uma exceção óbvia ao ensino de que aquele que se divorcia e casa com outra pessoa cometerá adultério; por outro lado, alguns argumentam que não se trata de uma exceção; outros ainda sugerem que seja uma exceção apenas ao divórcio, mas não ao novo casamento. Enfim, essa frase e seu contexto é o objeto mais comentado e debatido sobre o tema, de modo que ela é conhecida nesses círculos como cláusula de exceção.
Com base nisso, o objetivo deste estudo é analisar o significado e a aplicação teológica das cláusulas de exceção no evangelho de Mateus, a fim de determinar sua relevância em relação ao debate sobre o tema do divórcio e novo casamento. Qual o sentido das cláusulas de exceção? São elas determinantes para o estudo do tema? Quais são as implicações teológico-pastorais que essas cláusulas geram para a ortopraxia cristã? Essas e outras questões serão consideradas neste trabalho.
- QUESTÕES PRELIMINARES
Antes de tratar do texto e de suas implicações teológicas, acredito que é importante analisar a questão da integridade textual de Mateus em relação às passagens paralelas de Marcos e Lucas. Dentre os quatro evangelistas, apenas Mateus possui a cláusula de exceção, além de acrescentar detalhes ao texto que não se encontram em Marcos e muito menos em Lucas. Considerando ainda o problema sinótico[2], acredito que a natureza textual de Mateus e sua relação com as passagens paralelas, à exemplo de outros casos, devem ser analisadas previamente. Isso, sem dúvida, nos permitirá uma exegese mais confiável.
2.1. A INTEGRIDADE TEXTUAL DE MATEUS
A questão a ser considerada nesse tópico é relativa à confiabilidade do texto de Mateus. O evangelista cita a fala de Jesus em duas ocasiões: a primeira no sermão da montanha (5:32) e a segunda na controvérsia com os fariseus (19:9). Em ambas a cláusula de exceção está presente. Porém, o que a crítica textual e a alta crítica dizem sobre o texto? Seria a cláusula de exceção um acréscimo dos copistas? Ou talvez o próprio Mateus a tenha acrescentado ao texto? Tentarei responder à essas perguntas nesse espaço.
Em primeiro lugar vamos tratar a questão da baixa crítica (ou crítica textual). Já de início podemos fazer uma contundente e confiável afirmação de que não há nenhum manuscrito grego conhecido que omita a cláusula de exceção. Ela aparece em todos os manuscritos gregos dos quais dispomos – embora em 19:9 ela apreça de duas maneiras distintas em alguns manuscritos, sem, contudo, alterar o sentido do texto[3]. No entanto, em 5:32 não há variantes na cláusula. A partir disso, podemos concluir que não houve alterações em Mateus pela mão dos copistas; a leitura que possuímos da cláusula de exceção é, conforme a numerosa evidência interna e externa do texto, exatamente a leitura que constava no manuscrito autógrafo do evangelista. Não houve, portanto, alterações subsequentes.
No que se refere à outra questão, surge a pergunta: teria o escritor autógrafo acrescentado essa cláusula ao texto? Alguns estudiosos sugerem que foi exatamente isso que aconteceu. Allan H. McNeile, por exemplo, comenta a cláusula na referência de 5:32 dizendo que é “provável que isso não veio dos lábios do Senhor” e que a Igreja “acrescentou ainda cedo esse texto em função das necessidades éticas prementes”[4]. A visão de McNeile é compartilhada por alguns, mas não possui força em si mesma. Os detalhes e o contexto do relato depõem contra esse tipo de argumentação. Robertson afirma que isso “parece crítica para satisfazer as necessidades hodiernas”[5].
Um outro conceito sobre isso é expresso por Robert Stein[6]. Ele propõe que a redação de Marcos é aquela que preserva os relatos ipissima verba de Jesus, ou seja, suas falas literais. Sendo assim, como Marcos (10:10-12) não possui a cláusula de exceção, ela não seria original. Ele destaca que tanto Paulo (1Co 7:14-15) quanto Mateus (5:32; 19:9) forneceram exceções à regra de Jesus[7]. Portanto, teríamos duas opções: ou assumiríamos que ambos distorceram (ou contrariaram) o ensino de Cristo, ou, segundo ele conclui, o Senhor não estaria “ensinando uma norma legalista que cobrisse todo o tipo de situação hipotética que pudesse ocorrer”[8]. A conclusão que ele apresenta é que “Mateus, guiado pelo Espírito, nos ensina que há pelo menos uma instância em que o divórcio é permitido” – que seria em caso de relações sexuais ilícitas (ou adultério). Resumindo, Stein defende que Jesus dá uma norma geral não legalista, que posteriormente foi ajustada por Mateus (e por Paulo) em casos específicos.
Embora seja uma visão interessante, há dois problemas com essa proposição. O primeiro é que não está claro se Mateus realmente acrescentou algo à tradição ou se ele simplesmente é independente de Marcos nesse ponto.[9] Além disso, as ideias de que Marcos possui as palavras literais de Jesus e que no caso de divergência entre os evangelhos o mais antigo deve ser preferido, são extremamente questionáveis[10]. O segundo é a respeito da ideia de Jesus ser um “legalista” caso ele não permitisse exceções. Não há problema conceitual em identificar Jesus como um legalista – desde que a definição desse termo não seja tomada no sentido pejorativo. De certa forma, concordo com a visão de Stein no que se refere ao texto sem a cláusula (a saber, que eles formam um padrão geral sem mencionar casos específicos, cf. Mc 10:10-11; Lc 16:18), mas discordo que Mateus tenha acrescentado algo à tradição ou que isso faça de Jesus pejorativamente um tipo de legalista.
Por fim, independente do entendimento que tenhamos da questão sinótica, é muito claro o fato de que a cláusula de exceção é um texto de Mateus. As conclusões da crítica textual são inequívocas em assumir a originalidade mateana da exceção de Jesus. Nesse ponto, cabe citar as palavras de J. Carl Laney. Ele afirma que
enquanto alguns argumentam que essas cláusulas de exceção não são parte do ensino original de Jesus, antes representam uma adaptação de Mateus ou uma interpolação da igreja primitiva, não há sonoros argumentos textuais contra a genuinidade das cláusulas.[11]
Em conclusão, podemos dizer que o texto de Mateus é íntegro, sua procedência é verídica e não há dúvidas quanto à sua autenticidade. De fato, Mateus escreveu a cláusula duas vezes em seu evangelho e ela está completamente de acordo com o que ele escreve à cerca de Jesus e de sua teologia. Portanto, resta-nos observar mais a fundo o problema sinótico.
2.2. AS PASSAGENS PARALELAS
As divergências e semelhanças entre os evangelhos têm fornecido um extenso material de pesquisa para os estudiosos do Novo Testamento. Harmonizar os relatos dos evangelhos muitas vezes se mostra uma tarefa muito complicada, ligada à vários fatores de natureza textual, linguística e histórica. Como o objetivo desse estudo, muito além de examinar apenas as exceções de Mateus, é extrair o ensino teológico-pastoral de Jesus acerca do divórcio e novo casamento, não podemos aqui ignorar as passagens paralelas. Quais as implicações das divergências entre Mateus, Marcos e Lucas?
A fim de facilitar a compreensão do problema, é importante identificar essas divergências. Para tal, listaremos os textos de Marcos e Lucas e destacaremos as diferenças com Mateus.[12]
2 E, aproximando-se alguns fariseus, o experimentaram, perguntando-lhe: É lícito ao marido repudiar sua mulher? 3 Ele lhes respondeu: Que vos ordenou Moisés? 4 Tornaram eles: Moisés permitiu lavrar carta de divórcio e repudiar. 5 Mas Jesus lhes disse: Por causa da dureza do vosso coração, ele vos deixou escrito esse mandamento; 6 porém, desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher. 7 Por isso, deixará o homem a seu pai e mãe e unir-se-á a sua mulher, 8 e, com sua mulher, serão os dois uma só carne. De modo que já não são dois, mas uma só carne. 9 Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem. 10 Em casa, voltaram os discípulos a interrogá-lo sobre este assunto. 11 E ele lhes disse: Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério contra aquela. 12 E, se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério. (MARCOS 10:2-12 – ARA)
As divergências que podem ser observadas ocorrem de três formas: Marcos não possui algumas palavras e sentenças que Mateus usa e vice-versa; a ordem dos eventos em Mateus é diferente e ele possui bem mais material do que Marcos.
O texto de Lucas é bem mais curto, resumindo o ensinamento a um só versículo, que se apresenta da seguinte maneira:
18 Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério; e aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido também comete adultério. (LUCAS 16:18 – ARA)
O texto de Lucas diverge tanto de Marcos quanto de Mateus. A primeira parte do versículo está presente em ambos, porém, a segunda parte só encontra paralelo em Mateus 5:32b.
É importante destacar o fato de que propósito aqui não é responder ao problema sinótico ou explicar as divergências entre os textos evangélicos, mas tão somente analisar quais as implicações dessas diferenças para o propósito deste estudo. A pergunta, como mencionada anteriormente, é justamente essa: será que essas divergências textuais entre Mateus, Marcos e Lucas afetam nossa compreensão das cláusulas de exceção em Mateus?
A primeira coisa que devemos observar nesse caso é o valor da individualidade de cada evangelho. A crença cristã a respeito da Palavra nos diz que
os autores da Escritura receberam o ministério do ensino com autoridade, por meio da capacitação do Espírito Santo da verdade. E a compreensão disto é de importância fundamental no cálculo do valor e da confiabilidade de suas declarações individuais.[13]
Não podemos supor que o relato individual de Mateus seja menos inspirado ou menos verdadeiro que o de Marcos ou Lucas. O fato de Mateus ter sido um apóstolo (Mc 3:18) não lhe dá mais crédito do que a Lucas e Marcos.[14] Por outro lado, já concluímos anteriormente que a cláusula de exceção é verídica e autêntica. Portanto, não há motivos para tentar forçar uma prioridade histórica de Marcos-Lucas sobre Mateus.
No entanto, a divergência entre os evangelhos leva alguns a sugerirem uma prioridade não histórica, mas sim hermenêutica. Desse modo, argumentam, a cláusula de exceção deve ser interpretada à luz dos textos de Marcos-Lucas (incluindo, às vezes, o contexto Paulino de 1 Coríntios 7:11,39). Esse tipo de pensamento é expresso, por exemplo, por William A. Heth. Ele afirma que
não há absolutamente nada nos ditos sobre o divórcio de Marcos e Lucas sugerindo que Jesus permita o divórcio e o novo casamento (isto é, um novo casamento após o divórcio) no caso de alguma exceção. O que Marcos e Lucas fazem, no entanto, é deixar em aberto uma separação ou divórcio legítimo que não seja seguido de um novo casamento.[15]
Assim, na posição de Heth, os textos de Marcos-Lucas tornam-se uma espécie de “base hermenêutica” para se compreender a cláusula de exceção em Mateus. Em seu artigo Another Look at Erasmian View of Divorce and Remarriage, ele ainda afirma que
se assumirmos a prioridade de Marcos, dificilmente pode haver dúvida sobre o ensino de Jesus acerca de todo divórcio sucedido de um novo casamento constituir adultério. Se insistirmos que Mateus apresenta Jesus ensinando uma instância em que o novo casamento é permitido, então temos uma flagrante contradição na tradição sinótica.[16]
Desse modo, segundo Heth, as cláusulas de exceção de Mateus não devem ser interpretadas de modo a fornecer um entendimento divergente daquele que se poderia obter possuindo apenas os textos de Marcos-Lucas. Ele conclui que “uma opção exegética em que o divórcio por uma razão particular permita também o novo casamento não é nem mesmo remotamente sugerida por Marcos, Lucas ou Paulo”.[17]
No entanto, existem várias considerações que podemos fazer acerca dessa visão de Heth. Embora ele destaque isso como uma questão de autoridade bíblica, sua própria visão contraria essa autoridade. Consideremos dois problemas com a visão de Heth:
- Não se pode concluir que Marcos e Lucas possuam o ensino completo, embora sejam verdadeiros;
A justificativa de Heth para a prioridade marcana – a saber, que o ensino de Marcos deve necessariamente ser completo – é errônea. A narrativa de Mateus se mostra bem mais específica do que a de Marcos e dá bem mais detalhes sobre os eventos, incluindo a reação dos discípulos e o ensino sobre o celibato (19:10-12), ambos ausentes de Marcos-Lucas. Alguns, semelhantemente à asserção de Heth, afirmam que pelo fato de que “os Evangelhos não circulavam em um códice antes do século II, não podemos dar à cláusula de exceção […] um significado tão grande que os que possuíam somente Marcos ou Lucas fossem interpretar erroneamente as palavras de Cristo”.[18] No entanto, não é esse o caso. O ensino de Marcos-Lucas, à parte de Mateus, não provê uma interpretação errônea; o texto pode ser entendido à parte da cláusula sem que se cometa erros de interpretação. No entanto, isso não significa que o ensino de Jesus sobre o divórcio e novo casamento esteja completo somente em Marcos e Lucas. Seria absurdo sugerir, mesmo restringindo apenas ao contexto sinótico, que o ensino completo de Jesus deva ser observado em cada evangelho individualmente – embora em cada um deles sua porção de ensinamento é sempre inteiramente verdadeira. Me parece que Heth e aqueles que com ele concordam, estão sugerindo que deve-se priorizar Marcos e ignorar o contexto mais amplo[19]. Isso não é uma hermenêutica legítima. Não se pode tirar conclusões de Marcos-Lucas isoladamente e depois forçar o texto de Mateus a concordar com essas conclusões. Não há hermenêutica coerente quando se ignora o contexto remoto.[20]
Enfim, podemos entender a fala de Jesus em Marcos-Lucas sem o auxílio paralelo Mateus, mas só poderemos compreender o ensino completo de Jesus sobre esse assunto a partir do momento em que fizermos uma exegese legítima nos textos de Mateus. Essa questão nos leva ao segundo problema do pensamento de Heth:
- Não se pode concluir que o ensino amplo de Marcos e Lucas é mais específico do que o de Mateus;
Isso é uma leitura lógica dos textos! Heth acredita que há uma espécie de contradição na tradição sinótica porque ele, erroneamente, conclui que a leitura de Marcos-Lucas é absoluta e não apenas geral. Há uma diferença muito grande entre algo absoluto (inflexível, que não permite exceções) e uma norma apenas geral (que traça um ensino amplo, sem mencionar casos específicos). É evidente que nem Marcos e nem Lucas tratam de casos específicos no contexto; portanto, não há motivos para concluir que a regra expressa no texto desses evangelhos não permita exceções[21]. Um exemplo prático envolvendo Mateus e Marcos é o caso do sinal de Jonas: Marcos (8:12) omite o sinal, enquanto Mateus (16:4) apresenta essa exceção.[22]
Desta maneira, Mateus não contradiz a regra de Marcos-Lucas, apenas apresenta uma exceção a ela. Não há contradição. Podemos ainda considerar o seguinte exemplo:
- Qualquer que matar será preso;
- Qualquer que matar em caso de legítima defesa não será preso.
A regra (a) é um princípio geral, enquanto que (b) é específico. Não se pode supor que (b) contradiz (a). O sujeito de (b) é diferente de (a), o que evidencia o fato de que (b) adiciona um elemento à (a), não um contraponto. Portanto, é lógico concluir que a regra de (a) não se aplica no contexto específico coberto apenas por (b). É a exceção que modifica a regra, não o contrário. Essas duas asserções podem ser unidas em uma única sentença, sem que haja prejuízo do entendimento de ambas:
(a+b) Qualquer que matar, exceto em caso de legítima defesa, será preso.
Nesse exemplo, Marcos-Lucas é o caso de (a) e Mateus é representado por (a+b). Além disso, como observa Lenski, “quando uma regra ou princípio é afirmado, qualquer exceção pode ou não ser mencionada”.[23] Não é obrigatório mencionar as exceções sempre que a regra é citada.
Por fim, podemos concluir que as sugestões de Heth estão equivocadas, pois (1) rejeitam o contexto remoto, isolando Marcos-Lucas e desconsiderando uma exegese imparcial de Mateus e (2) porque pressupõe erroneamente que Mateus contradiz Marcos-Lucas, presumindo que o texto destes evangelhos é uma norma absoluta. Desta forma, o valor individual do evangelho de Mateus não pode ser simplesmente negado por meio de uma forçosa interpretação de Marcos-Lucas. Mateus possui um texto íntegro e exige uma exegese imparcial para determinar sua contribuição para o ensino completo de Jesus sobre o divórcio e novo casamento.
Terminadas as considerações sobre o valor individual dos evangelhos, a segunda questão que precisamos considerar no contexto sinótico é a referência histórica. Por trás das divergências entre Mateus, Marcos e Lucas existe um pano de fundo que pode nos ser útil na extração da teologia sinótica quanto ao divórcio e novo casamento.
Embora alguns estudiosos tenham sugerido várias formas de harmonização,[24] acredito que o ponto chave para entender as divergências, especialmente entre Mateus e Marcos (que possuem as narrativas mais longas sobre o divórcio), está no público para o qual eles escreveram. Consideremos, como salienta Hendriksen, que “os diferentes relatos das obras e palavras de nosso Salvador são registrados com um grau de amplitude altamente variado” e que, a partir disso, eles “apresentam, cada um do seu próprio modo, a história das peregrinações terrenas de Cristo”.[25] O público ao qual direcionam suas obras explica essa ênfase distinta nas ações e palavras de Jesus.
Em relação à Mateus, Wiersbe resume a opinião geral dizendo que ele “foi escrito principalmente para leitores judeus” e que Marcos “foi inscrito para instruir os leitores romanos”.[26] A partir disso, temos um público judeu-cristão para Mateus e um público gentílico para Marcos. O destaque oferecido por Keener nos é particularmente interessante. Ele afirma que “Mateus escreve em vista das necessidades de seu leitor judeu-cristão, o qual, aparentemente, viva em conflito com o sistema religioso farisaico vigente”.[27] Desse modo, a ênfase de Mateus em contrapor o legalismo farisaico (cf. Mt 23) e sua demonstração de Jesus como Rei dos Judeus e Filho de Davi,[28] demonstram sua ênfase no contexto e nas práticas judaicas.
As diferenças entre Mateus e Marcos, nesse contexto, apontam para sua visão da relevância de algumas informações. O Rev. Alan Lima faz uma abordagem sinótica em seu artigo sobre o tema, mas sugere erroneamente, enquanto ignora o contexto histórico, que a intenção das divergências entre os evangelhos se resumem no uso das palavras na cláusula de exceção.[29] Veremos seus argumentos nesse trabalho mais à frente, no presente momento, vamos nos ater a considerar o contexto histórico por detrás das cláusulas de exceção.
Mateus possui uma informação interessante que é omitida por Marcos. O texto de 19:3 diz: “Vieram alguns fariseus e o experimentavam, perguntando: É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” (ARA). A frase em destaque é particularmente interessante, pois remete a um debate sobre o significado de “coisa indecente” (hb. erwah dâbâr) entre duas escolas interpretativas que haviam naquele tempo. Os rabinos líderes dessas escolas, Shamai (50aC. – 30dC.) e Hilel (60a.C. – 9d.C.), divergiam quanto ao motivo pelo qual Moisés permitiu o divórcio. O dilema desse debate foi preservado em algumas fontes judaicas como se segue:
A escola de Shamai diz: Um homem não deve se divorciar de sua esposa, a menos que tenha encontrado falta de castidade nela, porque está escrito, Porque ele encontrou alguma indecência nela (Dt 24:1a). E a escola de Hilel diz: (Ele pode se divorciar dela) mesmo que ela tenha estragado a refeição dele, porque está escrito, Porque ele encontrou alguma indecência nela.[30]
A escola de Shamai era mais estrita, restringindo a “coisa indecente” ao aspecto moral,[31] enquanto que Hilel era mais liberal em sua interpretação.[32] Carson provê um resumo didático a respeito dessa controvérsia que vale ser mencionado:
Shamai e seus seguidores interpretavam que a indecência se referia à indecência total, embora não necessariamente adultério. Hilel estendeu o sentido para além do pecado, até todos os tipos de ofensas reais ou imaginárias, incluindo a refeição feita de forma imprópria.[33]
Dessa maneira, a pergunta dos fariseus propunha a Jesus se o divórcio era permitido “por qualquer motivo”, isto é, conforme os seguidores de Hilel defendiam.[34] Embora a resposta de Jesus seja mais próxima da interpretação de Shamai (como veremos mais à frente), ele discorda em muitos pontos dessa escola.[35]
Esse contexto é relevante para entendermos o porquê de Mateus manter a pergunta dos discípulos sobre o motivo do divórcio e também as cláusulas de exceção. Seus leitores estavam em contato constante com essas discussões rabínicas (que, ao que tudo indica, perduraram por muito tempo) e o evangelista viu como necessário incluir o comentário de Jesus sobre esses fatos, a fim de fazê-los conscientes, não só de como Jesus via a questão do divórcio, mas de como ele via o casamento como instituição indissolúvel. Marcos, por outro lado, não escrevia para um público majoritariamente judeu, eles não estavam em contato com essas discussões. Deste modo, Marcos omite a cláusula de exceção “presumindo o conhecimento universal nos círculos judaicos e greco-romanos de que o adultério provê bases para o divórcio”,[36] bem como mantém a declaração a respeito da possibilidade de uma mulher repudiar seu marido (cf. Mc 10:12), que era comum em seu público romano,[37] mas estranho ao contexto judaico de Mateus[38] (que, por certo, não inclui essa declaração).
Com base nesses fatos, podemos afirmar que as divergências sinóticas não obscurecem o sentido teológico da cláusula de exceção; ela foi omitida por Marcos e Lucas e mantida por Mateus, de acordo com a visão que cada um empregou em seu testemunho visando atingir seu público leitor. Concluímos, portanto, que (1) não há contradição entre Marcos-Lucas e Mateus; (2) não se pode obter o ensino completo de Jesus sobre esse assunto observando somente Marcos-Lucas e (3) a omissão da cláusula em Marcos-Lucas pode ser explicada pelo público alvo de cada um: Mateus, escrevendo aos Judeus, preservou o contexto histórico que envolvia a cláusula, enquanto Marcos e Lucas não escreviam para um público inserido nesse contexto, optando por omitir a exceção e enfatizar apenas a regra geral.
- A INTERPRETAÇÃO DO TEXTO
Finalmente trataremos da exegese das cláusulas de exceção no livro de Mateus. Antes de iniciar essa seção, é importante considerar uma informação prévia sobre a estrutura grega de Mateus 5:32 e 19:9. Em ambos os casos temos as chamadas sentenças condicionais do grego e acredito que seja de suma importância nos familiarizarmos com esses termos, a fim de facilitar a compreensão do estudo.
No grego do Novo Testamento, uma sentença (ou oração, frase) condicional é chamada de prótase. Toda prótase relaciona-se com uma apódase, que são as sentenças de efeito – também chamadas de oração principal. Rega e Bergmann nos fornecem uma explicação mais didática:
A oração que contém a condição ou suposição é chamada protase (do grego proteino, propor), pois é a que propõe a condição para que se realize a ação principal. A oração principal é chamada apodose (do grego apodidomi, expor, declarar) pois é a que expõe ou declara o que acontecerá caso se cumpra a condição.[39]
Com base nisso, podemos afirmar que “se a prótase for cumprida a apódase também será”[40]. Assim sendo, a prótase sempre determinará as condições nas quais a apódase se cumprirá ou não. Considere o seguinte exemplo:
“Se teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso.”
O exemplo acima foi retirado de Mateus 6:22. A frase “se teus olhos forem bons” é a condicional ou prótase, enquanto que a frase “todo o teu corpo será luminoso” é a apódase (ou oração principal). Essa relação pressupõe que, se a prótase for cumprida (isto é, se os olhos da pessoa realmente forem bons) então se aplica a apódase (isto é, o corpo dessa pessoa será luminoso). O contrário também é verdadeiro nesse caso, pois se os olhos não forem bons, então todo o corpo não será luminoso.[41]
Essas noções preliminares são importantes porque as cláusulas de exceção, seja em Mt 5:32 ou 19:9, estão em meio à uma relação prótase-apódase. Para fins práticos, o presente estudo irá presumir a compreensão desses termos por parte do leitor e passará a utilizá-los a partir deste ponto.
3.1. O ENSINO DE JESUS EM MATEUS 5:31-32
Como pôde ser observado anteriormente, a declaração de 5:32 não inclui a cláusula do novo casamento e acrescenta a informação de que aquele que se casa com a repudiada estará cometendo adultério.
A divergência entre essas duas passagens pode ser entendida a partir do contexto de ambos os casos. Na referência 5:32 Jesus está tratando sobre o elevado padrão do Reino dos Céus, enquanto que 19:9 está no contexto de um debate teológico a respeito de uma concessão feita pela lei mosaica. D. A. Carson, comentando sobre Mateus 5, afirma que o “sermão do monte não está estabelecido em um contexto de disputa erudita sobre detalhes de halaca, mas em um contexto de cumprimento messiânico e escatológico”.[42] Desse modo, distingue-se abruptamente de 19:9, na qual o contexto é tão somente a disputa farisaica sobre Deuteronômio 24:1-4.
Não obstante a diferença contextual, em ambos os casos a ênfase de Jesus é sobre o padrão moral do Reino; em 5:32 essa ênfase é sobre o padrão em relação ao divórcio e em 19:9 sobre o novo casamento. Duas questões apontam para isso:
- a referência 5:32 não contém a cláusula do novo casamento, diferente de 19:9;
- a construção grega da apódase é diferente. Em 19:9 aparece apenas a palavra moichao (gr. μοιχαω – adultera, ou mais precisamente, comete adultério) e em 5:32 temos a expressão poieo autos mochao (gr. ποιεω αυτος μοιχαω – faz com que ela se torne adultera, como na NVI).
Essas diferenças demonstram que Jesus não está tratando (ou incluindo) o caso de um novo casamento para a parte que repudiou a mulher. A construção grega demonstrada em (2) aponta que o erro do marido no divórcio ilegítimo é fazer com que a mulher repudiada se torne adúltera. Isso ocorre porque “nas condições sociais da época, era quase impossível uma mulher mais jovem viver uma vida independente de solteira”,[43] inclusive por questões financeiras.[44] Desse modo, um repúdio ilegítimo faria com que a mulher fosse obrigada a cometer adultério (casando-se com outro homem).
A pergunta que resta é: e no caso de um divórcio legítimo? A leitura natural do texto aponta três fatores a serem considerados:
- o homem possui alguma culpa em repudiar sua mulher indevidamente – pois isso a forçaria a cometer adultério;[45]
- a mulher cometeria adultério se contrair um novo matrimônio;
- aquele que se casar com a repudiada comete adultério.
O primeiro fato a ser considerado é que o texto nada diz sobre um novo casamento do homem (portanto, não se pode concluir nada aqui a respeito) e também não diz sobre o novo casamento da mulher, assumindo que a exceção tenha sido aplicada – embora nesse caso, ela já seja adúltera. Portanto, podemos considerar que, se a base do repúdio for a impureza sexual, não se pode atribuir culpa ao homem. A questão subsequente é como fica a mulher e aquele que se casa com ela.
A questão do novo casamento para a parte culpada é extremamente complicada. O pastor Ezequias Soares dá a entender que tal coisa é proibida.[46] Wiersbe, por outro lado, aparenta ser favorável ao novo casamento nesse caso.[47] O fato é que há pouca consideração para o estado da parte culpada. No entanto, eu poderia propor uma análise a ser considerada nesse debate.
O texto apresenta o homem como culpado por que ele, no caso de um divórcio ilegítimo, expõe a mulher à uma vida adúltera. Entretanto, sua culpa é retirada quando a cláusula de exceção é aplicada, ou seja, se um homem repudiar sua mulher por causa de impureza sexual, ele não a expõe ao adultério. Embora nesse caso ela já seja considerada adúltera (porque praticou o pecado que legitimou o divórcio), se um novo casamento fosse também considerado adultério, por que a culpa do homem seria retirada? A cláusula de exceção só faria sentido se a culpa fosse retirada do homem; e a culpa só seria retirada do homem caso a repudiada não precisasse cometer adultério (quando se casar novamente).
Pode parecer um tanto complicado esse pensamento, mas acredito que ele segue a linha racional do texto nas duas instâncias: tanto no caso da parte culpada, quanto daquele que se casa com a parte culpada. Isso está claro, pelo fato de que, se o novo casamento da mulher culpada fosse adultério, então qual o efeito da cláusula de exceção para o marido? Ele sempre poderia ser acusado de fazê-la cometer adultério, já que, independente dos motivos de se realizar o divórcio, ela se tornaria adúltera (novamente) quando se casasse.
Não estou dizendo que a parte culpada deixa de ser adúltera, porque mesmo que ela se reconcilie com o marido o seu pecado permanece até ser confessado (1Jo 1:9). O que proponho é que o divórcio legítimo encerra o casamento, mas o mesmo não acontece com um divórcio ilegítimo.[48] Se um homem repudiar sua mulher sem ser por causa de impureza sexual a união conjugal não foi desfeita e ele vai expor sua mulher a cometer adultério quando ela se casar novamente.
No que se refere ao texto de 5:32b, temos a seguinte declaração: “e aquele que casar com a repudiada comete adultério” (ARA). A pergunta que surge é: qual repudiada? A que foi injustamente divorciada ou a que praticou impureza sexual? Não se pode supor que o texto se refira a qualquer repudiada. A conjunção kai (gr. και – e, também) liga a “repudiada” dessa oração à mesma da oração anterior. Nesse caso, pode-se argumentar que a cláusula de exceção modifica, ainda que por implicação, a situação daquele que se casa com uma repudiada culpada. Assim sendo, o texto ficaria como se segue:
Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher em caso de relações sexuais ilícitas, não a expõe a tornar-se adúltera; e qualquer que se casar com a repudiada não comete adultério.[49]
Obviamente, tal leitura depende inteiramente da validade da aplicação feita no caso anterior, a saber, de que uma repudiada legítima não comete adultério em um novo casamento. Do contrário, seria ilógico supor que a mulher não comete adultério, mas seu segundo marido sim; o adultério factual sempre envolve duas pessoas.[50]
Podemos apresentar então três conclusões sobre essa abordagem de Mateus 5:32, as quais representam um entendimento a partir de uma leitura lógica e natural do texto:
- se um homem repudia sua mulher sem ser por causa de impureza sexual, ele a expõe a contrair uma relação adúltera em seu novo casamento, no qual tanto ela quanto seu novo marido pecam;
- se um homem repudia sua mulher por causa de impureza sexual, ele não a expõe a torna-se adúltera em um novo casamento, no qual nem ela e nem seu novo marido pecam – embora ela seja culpada pelo pecado anterior, cometido contra seu primeiro marido.
Reconheço que as posições acima expostas sejam passíveis de críticas, desde que não pelos motivos aqui considerados. A cláusula de exceção realmente modifica o efeito do divórcio, expondo ou não expondo a mulher a se tornar adúltera. O que se discute é a implicação desse fato para o novo casamento, tanto da parte culpada quanto do novo marido. Nesse ponto, acredito que minha compreensão de Mateus 5:32 expõe o sentido original do texto, em respeito ao contexto imediato e às limitações teológicas do contexto amplo.
3.2. O ENSINO DE JESUS EM MATEUS 19:9
Já de início reconheço que não se trata de um texto simples, embora seja muito menos complicado do que alguns sugerem. A passagem trata sobre uma questão moral, sobre um grave pecado previsto nos dez mandamentos (Êx 20:14; Dt 5:18). Não pode ser, por decorrência disso, de entendimento extremamente complicado, quase impossível para quem não domina o grego ou não conhece aspectos extremamente específicos da cultura judaica. Nesse ponto, concordo com Walter Kaiser Jr. quando diz que “a Bíblia é suficientemente clara em si e por si mesma para que os crentes a compreendam” e ainda é “suficientemente clara para mostrar nosso pecado, os fatos básicos do evangelho, o que devemos fazer se quisermos ser parte da família de Deus e como viver para Cristo”.[51] Com base nisso, passemos à análise do texto a partir de uma leitura natural.
9 Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério. (MATEUS 19:9 – NVI)
A partir da estrutura grega do texto, temos uma prótase composta, a cláusula de exceção e a apódase. Jesus estabelece duas condições para a apódase se confirmar: o homem deve (1) se divorciar de sua mulher e (2) se casar com outra. Se ambas as condições forem cumpridas a apódase (“estará cometendo adultério”) se confirmará. Mas qual o efeito da cláusula de exceção? Philip Wiebe[52] expõe bem o funcionamento da cláusula dizendo que, a partir de uma leitura lógica, ela tem força de produzir duas sentenças:
- Se um homem se divorciar de sua mulher e o motivo do divórcio não for impureza sexual, e se casar com outra, ele cometerá adultério.
- Se um homem se divorciar de sua mulher e o motivo do divórcio for impureza sexual, e se casar com outra, ele não cometerá adultério.
A cláusula de exceção, portanto, tem o efeito de demonstrar se o divórcio era legítimo (permitido) ou ilegítimo (não permitido). Assim, se um homem se divorciar de forma legítima, ele não comete adultério se vier a se casar novamente; porém, caso se divorcie de forma ilegítima, ele certamente cometerá adultério casando-se novamente. Podemos então simplificar o entendimento do texto alterando a segunda condicional para complementar a apódase:
Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, estará cometendo adultério se vier a casar-se com outra mulher.
Vemos então que a cláusula de exceção atua sobre a validade do divórcio. Ela determina se o divórcio foi válido ou não. O novo casamento, portanto, só não constitui adultério no caso de um divórcio válido (i. e. cujo motivo foi impureza sexual).[53] Carson sugere uma paráfrase interessante: “Quem se divorciar de sua esposa e casar com outra mulher comete adultério – embora esse princípio não se mantenha em caso de porneia”.[54] Falaremos sobre o substantivo porneia mais à frente; por hora, é relevante observar apenas a implicação lógica do texto: o princípio de um novo casamento resultar em adultério não se aplica no caso de impureza sexual. Assim, Jesus está ensinando que todo novo casamento é adultério, a não ser que o divórcio tenha sido motivado por impureza sexual.
A partir dessa exposição, podemos dizer, ainda que com restrições, que a teologia de Jesus está mais próxima da visão de Shamai. No entanto, Jesus foi bem mais conciso na interpretação da lei. Os fariseus propuseram a seguinte questão: “por que mandou, então, Moisés dar carta de divórcio e repudiar?” (v. 7). O texto destacado traduz o verbo grego entellomai (gr. εντελλομαι – ordenar, mandar). Jesus rapidamente corrigiu essa perspectiva, que provavelmente era baseada no entendimento comum entre Shamai e Hilel de que o divórcio era obrigatório caso o marido descobrisse uma infidelidade conjugal. Em seguida, Cristo responde: “Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher” (v. 8). Jesus usa a palavra epitrepo (gr. επιτρεπω – permitir, conceder), pois o divórcio não era uma ordenança, um mandamento de Deus, mas sim uma concessão. Deste modo, muito além da limitada interpretação dessas escolas rabínicas, Jesus realça a vontade de Deus sobre o casamento e exprime apenas um motivo pelo qual o divórcio seria válido.[55] Podemos então concordar com a conclusão de D. A. Carson quando afirma que
a exceção é particularmente apropriada para a época de Jesus e para os leitores judeus de Mateus, pois embora Jesus tivesse descartado formalmente as provisões mosaicas para o divórcio e as substituído pela infidelidade marital como única base para ruptura da “uma só carne”, essa exceção colidia com a sentença mosaica de apedrejamento para esses casos — fato do qual, sem dúvida, a audiência judaica tinha conhecimento. Com a pena de morte para a porneia marital efetivamente abolida, o termino do relacionamento pode ser efetuado deforma apropriada pelo divórcio.[56]
O texto de Mateus possui ainda um evento que não é narrado nos textos paralelos. A reação dos discípulos no versículo 10 e a resposta de Jesus nos versos 11 e 12 fazem parte do mesmo contexto e devem ser consideradas na interpretação de Mt 19:9. Será que a interpretação proposta mais acima explica a reação dos discípulos? Vejamos o texto:
10 Disseram-lhe os discípulos: Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casar. 11 Jesus, porém, lhes respondeu: Nem todos são aptos para receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é dado. 12 Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir admita. (MATEUS 19:10-12 – ARA)
Alguns argumentam que a interpretação de Mt 19:9 que não permite o novo casamento explica melhor a reação dos discípulos.[57] No entanto, essa visão tem um problema lógico. Se Jesus permite o divórcio, mas não o novo casamento (como creem), então aqueles que se divorciam devem, em tese, permanecer solteiros para sempre. Mas observe a resposta dos discípulos: “Se essa é a condição do homem relativamente à sua mulher, não convém casar”. Observe a parte em destaque; qual a lógica da resposta dos discípulos? Como eles poderiam ver mais vantagem em serem eternos solteiros antes do divórcio se a situação posterior ao divórcio fosse a mesma? Portanto, a resposta dos discípulos não é bem explicada pela tese de que Jesus condena o novo casamento.
Por outro lado, há uma possibilidade muito mais plausível. Algo que pode ser útil destacar é o fato de que a reação dos discípulos não deve ser exagerada. Mesmo que eles tenham se espantado com a declaração de Jesus, uma simples comparação com o v. 25 mostra que esse espanto não foi tão grande assim. Partindo disso, pode-se dizer que a resposta estrita de Jesus e sua ênfase na indissolubilidade original do casamento fornecem um motivo apropriado para a reação dos discípulos. Embora Jesus se aproxime de Shamai, ele é bem mais conservador quanto a quem pode casar-se de novo, pois, segundo ele afirma, divorciados ilegítimos não podem contrair novas núpcias sem cometer adultério – coisa que a escola shamaíta permitia. Carson afirma que “à luz da posição tacitamente adotada pela maioria dos judeus – de que o casamento é uma obrigação – os discípulos concluem, antes cinicamente, que essas restrições, sem dúvida, tiram a atração do casamento”.[58] Tasker[59] chama atenção para o fato de que a resposta dos discípulos contradiz o princípio de Gênesis 2:18 “Não é bom que o homem esteja só”. A resposta dos discípulos parece sugerir que o casamento, em vistas das dificuldades cotidianas e da possibilidade estrita do divórcio, não é bom em si mesmo. Jesus discorda desse ponto de vista, afirmando que o não casar só é possível em alguns casos específicos (v. 12), mas que o propósito de Deus em geral é que o casamento seja próspero em prover uma completude para o homem e para a mulher.[60] A conclusão dos discípulos soa bem farisaica (o que também explica um pouco de sua reação), pois sugere que eles só consideravam o casamento bom caso fosse possível termina-lo por motivos triviais.
Podemos concluir que (1) Jesus reafirma sobre tudo a indissolubilidade do casamento, mas permite o divórcio sucedido de um novo casamento no contexto de impureza sexual como motivo da separação e (2) essa interpretação provê uma explicação coerente para a reação dos discípulos, pois a resposta deles demonstra sua tendência farisaica em ver o casamento e o divórcio sob uma perspectiva mais liberal. Logo, trata-se de uma interpretação coerente de Mateus à luz do contexto histórico e do contexto imediato.
- OBJEÇÕES À INTERPRETAÇÃO DE MATEUS 19:9
A discussão sobre as cláusulas de exceção se acirra ainda mais quando consideramos alguns argumentos e perspectivas sobre a interpretação do texto. Como vimos na introdução, elas são bastante variáveis. No entanto, uma que é mais recorrente e apresenta uma oposição mais forte à opção exegética proposta anteriormente é a que assume a possibilidade do divórcio, mas nega a possibilidade do novo casamento.
Dentre os estudiosos que afirmam essa posição, cabe citar dois mais conhecidos: William A. Heth e Gordon J. Wenham,[61] ambos mencionados anteriormente. Há ainda muitos outros que seguem a linha defendida por eles, seja de forma independe ou por influência de seus trabalhos sobre o assunto. Não obstante, há aqueles que defendem posições apenas parecidas, mas que divergem deles em um ou outro ponto. No presente tópico, procurarei responder alguns argumentos contra a interpretação apresentada nos tópicos 3.1 e 3.2 do presente trabalho. Não me preocuparei em mencionar detalhes desses ou de outros autores, mas tão somente responder às suas críticas.[62]
4.1. O ARGUMENTO DA SINTAXE GREGA
Quem nos apresenta esse argumento é o já mencionado anteriormente Rev. Alan Lima. Embora seja ele um ministro presbiteriano e, portanto, professa a confissão de fé de Westminster, ele discorda dela em seu artigo intitulado “Divórcio e Novo Casamento: Um estudo sobre Mateus 19:9 e a Confissão de Fé de Westminster”. Essa confissão de Fé (Cap. XXIV, Seção V) aceita a interpretação que expus anteriormente.
Porém, vejamos se o argumento do Rev. Lima procede. Da página 4 a 7 ele faz uma análise morfológica do grego de Mateus 19:9. Ele apresenta o problema da seguinte maneira: “Porque a cláusula de exceção (sem ser por causa de fornicação), refere-se apenas à permissão para o divórcio, movido pela parte inocente, e não ao novo casamento?”.[63] À essa questão, ele apresenta uma resposta um tanto estranha. Ele afirma que é “por causa da conjunção coordenativa και (e)” e prossegue:
Esta conjunção foi empregada por Mateus na função copulativa, ou seja, ela foi empregada para juntar ou ligar elementos num período. No versículo em questão, a conjunção και aparece antes do verbo γαμεω (casar), o que lhe dá a acepção adjuntiva, o que quer dizer que ela junta uma outra frase ao período sem prejudicar o entendimento, caso ela não existisse.
Tal assertiva é verdadeira em algumas frases, mas não em uma prótase composta. A conjunção kai liga a segunda condição (“se casar com outra”) ao mesmo sujeito da primeira (“quem repudiar a sua mulher”). A ausência de uma das condições prejudica o entendimento da aplicação da apódase. No texto paralelo de Marcos esse conceito fica ainda mais confuso:
Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério contra aquela. (MARCOS 10:11 – ARA).
Aplicando a lógica sugerida pelo Rev. Alan, teríamos a seguinte assertiva: “Quem repudiar sua mulher comete adultério contra aquela”. A pergunta que se segue é: “aquela” quem? O texto só faz sentido quando kai conecta a segunda condição (“se casar com outra”) ao sujeito da primeira (“quem repudiar sua mulher”). Desse modo, quando a segunda condição é anexada à primeira, uma segunda mulher é adicionada à prótase, fazendo que a parte da apódase que menciona “aquela” se referira à primeira mulher. Assim o texto faz sentido, pois de outro modo, sua sintaxe fica incompleta ou erra na concordância.
O Rev. Lima cita o texto de Mateus 19:9 aplicando sua lógica, na qual o texto diria o seguinte:
Digo, porém, a vós, que quem se divorciar da sua mulher sem ser por causa de fornicação, adultera.
Segundo ele, essa redação faz sentido e tem o propósito de qualificar “apenas um pecado: o divórcio”.[64] Existem dois problemas com essa visão que podemos comentar aqui. A primeira dificuldade é a ideia de que essa frase (sem a cláusula de novo casamento) faz sentido. Gramaticalmente pode até ser, mas teologicamente é uma asserção bastante questionável. Carson também considera essa leitura inviável, pois “se a clausula do novo casamento for excluída, o pensamento fica sem sentido: ‘Quem se divorcia de sua esposa, exceto por porneia, comete adultério’ – sem dúvida, uma inverdade, a menos que ele se case de novo”.[65] É verdade que a visão de Carson baseia-se no pressuposto de que moicheia (adultério) refere-se ao pecado sexual, enquanto poderia ser vista em um sentido metafórico – assim, quem se divorcia ilegitimamente de sua mulher poderia cometer adultério em algum sentido espiritual ou metafórico, mesmo que não contraia novas núpcias. O problema é que (1) todos os textos que acusam adultério para a parte que repudia contém a condicional do novo casamento (cf. Mc 10:11; Lc 16:18); e (2) embora Mateus 5:32 não mencione a cláusula de novo casamento para aquele que repudia, a apódase lá é diferente.[66] Portanto, não há motivos no contexto para sugerir que Jesus poderia ensinar que há um tipo de adultério decorrente apenas do divórcio ilegítimo. A frase sugerida pelo Rev. Alan não faz sentido no contexto em que está.
O segundo problema é que ele pressupõe que Jesus está qualificando apenas um pecado (que seria o divórcio). Ele prossegue dizendo: “Entretanto, quando Jesus pronuncia a frase ‘e casar com outra’, ele está introduzindo um segundo pecado contra o Sétimo Mandamento”.[67] Conforme o pensamento do Rev., há duas frases distintas e independentes em Mateus 19:9: uma sobre o divórcio e outra sobre o novo casamento. Mas, conquanto se pese a afirmação, isso é um grego impossível! A conjunção kai liga elementos na semântica textual, e não os separa. Há uma ligação sintática entre a primeira condicional e a segunda. Vê-las de forma independente é quebrar a sintaxe do texto. O que vemos no texto é que a segunda condicional está ligada pela conjunção kai ao mesmo sujeito da primeira. Não há duas apódases no texto: uma para a primeira condicional e outra para a segunda.[68] A apódase “comete adultério” se aplica ao sujeito da prótase, desde que ele cumpra as duas condicionais. O efeito que o Rev. Alan sugere para kai é estranho à gramática grega.
Adicionalmente a essa explanação, temos a proposta do Dr. Carlos Osvaldo C. Pinto. Ele se baseia no fato da cláusula de exceção, no grego, qualificar apenas o divórcio e não o novo casamento – porquanto se assume que as cláusulas de exceção qualificam apenas o verbo que as precedem.[69] A cláusula de exceção realmente vem antes da frase do novo casamento e depois da condicional do divórcio. Baseado nisso, ele afirma que
o sentido das palavras de Jesus em Mateus 19.9 seria, portanto: ‘O marido não pode repudiar (divorciar-se de) sua mulher a não ser que ela seja culpada de comportamento sexual ilícito’. E mais: ‘Quem se casar depois de repudiar sua esposa comete adultério’”.[70]
Essa preposição do Dr. Carlos é referendada indiretamente pelo Rev. Alan, que também se baseia na posição da cláusula de exceção para construir o seguinte argumento: “Para a satisfação daqueles que apoiam o segundo matrimônio, a redação do texto deveria ser a seguinte: […] ‘Digo, porém, a vós, que quem se divorciar da sua mulher e casar com outra, sem ser por fornicação, adultera’”.[71] Ou seja, segundo ele propõe, a cláusula de exceção deveria aparecer após a frase do novo casamento para que ele fosse permitido.[72]
Vamos observar primeiramente os problemas com a visão exposta pelo Dr. Carlos Osvaldo Pinto. Ele propõe que o sentido das palavras de Jesus possui duas orações distintas, o que claramente não é o caso. O texto grego mostra apenas um sujeito na frase. O pronome hos (gr. ος – qualquer, quem, o qual) é o sujeito abrangente presente na prótase. Toda a próstase (e, por conseguinte, a apódase) se refere apenas a esse sujeito. Esse mesmo sujeito é passivo de duas condições: repudiar sua mulher e (kai) casar com outra. O entendimento do Dr. Carlos insere indevidamente outro sujeito no texto. Perceba como fica a segunda frase que ele propõe: “E mais: ‘Quem se casar com outra comete adultério’”. Ele inseriu esse segundo sujeito (“Quem”) na frase, fazendo com que a frase do novo casamento tenha um sujeito independente da condicional do repúdio. Mas isso não existe no texto grego. A frase do novo casamento se refere ao mesmo sujeito que repudiou sua mulher. A preposição dele só faria sentido caso o texto de Mateus fosse assim:
Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e qualquer que casar com outra, comete adultério. (ARC)
Observe a palavra em destaque. Esse seria o segundo sujeito, que o Dr. Carlos adicionou ao texto. Desse modo, a conjunção kai não ligaria a condicional do segundo casamento à primeira, mas sim ao ensino de Jesus. O problema, para infelicidade dos que concordam com essa visão, é que esse segundo sujeito não existe no texto grego de Mateus 19:9. Há, portanto, um único sujeito e os verbos “repudiar a sua mulher”, “casar com outra” e “cometer adultério”, referem-se a esse mesmo sujeito. Acrescentar outro sujeito arbitrariamente ao texto a fim de quebrar a união sintática das duas condicionais é uma atitude imprópria e um ótimo exemplo de eixegese.[73]
E como fica a sugestão do Rev. Alan Lima? Faria sentido trocar a cláusula de exceção de lugar? Observemos como ficaria o texto de Mateus se assumirmos sua visão e trocarmos a cláusula de lugar:
Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher, exceto por imoralidade sexual, estará cometendo adultério
Heth e Wenham também propõe essa troca. Segundo pensam, se a cláusula estivesse após o verbo “casar”, como a frase acima apresenta, ela iria qualificar tanto o divórcio quanto o novo casamento. Assim, Jesus estaria permitindo um segundo casamento após o divórcio.
Entretanto, essa posição para a cláusula é extremamente ambígua. Consideremos duas questões:
- Observando a frase acima, poderíamos perguntar: quem cometeu a imoralidade sexual? O homem, sua primeira mulher ou a segunda? O texto fica ambíguo demais com a cláusula nessa posição;
- A segunda questão é que, colocando a cláusula nessa situação, ela vai atuar como sendo o motivo, não só para o divórcio, como também para o segundo casamento. Ora, ninguém se casa por causa de imoralidade sexual, mas a frase acima afirma isso.
Trocar a cláusula de lugar causa uma elevada ambiguidade no texto. Não se sabe quem cometeu a imoralidade sexual e o ponto (2) acima ainda é mais estranho. A exceção não deve qualificar o novo casamento, porquanto ninguém se casa pelo motivo de impureza sexual (embora seja perfeitamente possível divorcia-se com base em tal coisa). Carson opina que a leitura do texto com a cláusula nessa posição realmente faz com que o motivo do novo casamento seja a impureza sexual, interpretação que segundo ele, “beira o ridículo”.[74]
O fato é que a cláusula de exceção está exatamente onde devia: qualificando o divórcio. É exatamente isso que deveríamos esperar. Ela existe para tornar o divórcio um ato legítimo ou ilegítimo. Como já mencionei na interpretação do texto, a cláusula é aplicada sobre a primeira condição da prótase (“quem repudiar sua mulher”), qualificando o sujeito que, ao cumprir a segunda condição (“se casar com outra”), comete ou não o adultério (apódase) de acordo com a aplicação ou não da exceção. A interpretação fornecida pelo Rev. Alan, Heth e Wenham (e demais simpatizantes dessa teoria) é claramente forçada sobre o texto, separando indevidamente as duas condicionais da prótase e dobrando a apódase sem nenhuma justificativa gramatical. Esse tipo de eixegese é, na minha opinião, um ótimo de exemplo de como forçar Mateus a concordar com uma visão parcial e também errônea baseada apenas em Marcos-Lucas. A cláusula de exceção de 19:9 afeta o novo casamento, não porque ela modifica a condicional grega, mas porque ela modifica o sujeito que atua nessa condicional. Não há outra interpretação que respeite a sintaxe grega de Mateus e preserve o sentido natural do texto.
4.2. O SENTIDO DA PALAVRA PORNEIA
Outro argumento recorrente daqueles que se opõe ao novo casamento (e às vezes também ao divórcio) é apelarem para o sentido da palavra porneia (gr. πορνεια). Essa é a palavra que aparece na cláusula de exceção: “exceto em caso de porneia”. Seu significa básico é “relações sexuais ilícitas” (como traduz a ARA), incluindo, portanto, todos os pecados de natureza sexual (e.g. fornicação, prostituição, homossexualidade, adultério, bestialidade, incesto, etc).[75] Baseado nisso, alguns argumentam que porneia no texto refere-se à imoralidade antes do casamento (no período de noivado); outros argumentam que se trata de um relacionamento inválido, um tipo de “matrimônio falso”; e ainda há aqueles que argumentam que seja um matrimônio incestuoso. Enfim, são propostos vários significados cujo único propósito seria negar a validade da cláusula de exceção para o matrimônio comum.
Alguns estudiosos, sobretudo católico romanos, defendem que porneia tem sentido de matrimônio em alguma das categorias proibidas por Levítico 18. Assim, afirmam que o termo porneia deve ser visto
como a tradução do hebraico zênût, “prostituição”, compreendido no sentido de uma união incestuosa devido a um casamento dentro dos graus proibidos de parentesco (Lv 18,6-8). Tal união não seria um casamento verdadeiro de fato e não exigiria um divórcio, mas um decreto de nulidade ou uma anulação.[76]
De fato, o significado porneia inclui relações incestuosas, mas é errado limitar esse significado a uma classe tão particular de pecados sem que haja qualquer justificativa no contexto. Além disso, está claro pelo próprio contexto que Jesus falava sobre o divórcio nos termos da lei de Dt 24:1. Os judeus já sabiam da ilegalidade de um matrimônio incestuoso; eles perguntaram sobre o divórcio, não sobre a anulação de um casamento falso. Como é o contexto que determina o sentido de uma palavra e não o contrário, não podemos assumir um sentido tão estreito para porneia.
Outros argumentam que porneia refere-se ao contexto pré-marital, isto é, ainda no período de noivado.[77] No contexto judaico o noivado era um contrato firmado entre o homem e uma mulher, a qual deveria permanecer virgem até o casamento ocorrer. Assim, a exceção de Jesus contemplaria apenas pecados cometidos durante esse período de noivado e, portanto, se aplicaria somente ao contexto judeu, já que na cultura ocidental o noivado ocorre de outra maneira.
Entretanto, há dois problemas para essa sugestão. O primeiro é que, à exemplo do caso anterior, ele restringe demais o sentido da palavra e o contexto aponta na direção de um significado mais amplo. Jesus está falando sobre casamento, não sobre noivado. Os fariseus perguntaram sobre Dt 24:1-4 (divórcio dentro do contexto de um casamento), não sobre Dt 22:13-21 (punição por infidelidade sexual durante o noivado). Portanto, restringir o sentido da palavra porneia à um sentido restrito de noivado judaico vai contra o contexto da passagem.
Em segundo lugar, é muito improvável que os ouvintes tivessem entendido dessa maneira. O contexto não faz nenhuma referência ao período de noivado e, consequentemente, não há como ligar o significado de porneia à infidelidade pré-marital. Essa visão, parece-me, é apenas inferida da cultura judaica do século I, mas não está em discussão nos textos de Mateus.
Por fim, há aqueles que sugerem que porneia deve ser compreendida no sentido puro de adultério.[78] Mas essa visão também limita demais o sentido da palavra, embora esteja mais de acordo com o contexto. Por outro lado, como observa Carson,[79] a palavra normal para adultério no grego é moicheia e Mateus já utilizou essas duas palavras em um mesmo contexto (15:19), sugerindo alguma diferença entre elas. Se a intenção de Mateus era dizer “adultério”, por que ele não utilizou moicheia?
Existem diversas outras aplicações para o sentido de porneia nas cláusulas de exceção e nenhum outro uso dessa palavra nas escrituras gregas suscita mais discussão. No entanto, a evidência contextual é que o termo deve ser entendido em sua concepção básica e simples, isto é, como sendo relações sexuais ilícitas, englobando todo tipo de pecado sexual cometido por algum dos cônjuges. Além disso, não há dúvida de que o sentido de porneia inclui moicheia (adultério), embora não se limite a ele. Provavelmente o evangelista optou por usar uma palavra mais completa, cujo sentido mais amplo favorecesse a inclusão de vários tipos de práticas sexuais ilícitas, a fim de deixar claro que todos os pecados dessa natureza violam o vínculo conjugal estabelecido por Deus com base no princípio da “uma só carne” (Gn 2:24).[80]
4.3. OS TEXTOS DE PAULO EM ROMANOS E 1 CORÍNTIOS
Um último tipo de argumento que podemos considerar é baseado em dois textos da primeira carta de Paulo aos coríntios e um de sua carta aos romanos. Reitero que o propósito aqui não é considerar o que Paulo ensina sobre o assunto, mas sim observar se os argumentos baseados nos seus textos possuem alguma força contra a interpretação que tenho proposto para as cláusulas de exceção de Mateus.
Consideremos primeiro os textos cujo sentido é similar. Segundo alguns argumentam, esses dois textos corroboram veementemente a indissolubilidade matrimonial, gerando uma espécie de contradição caso as cláusulas de exceção nos textos de Mateus realmente dissolvessem o vínculo conjugal. Vejamos o que os textos dizem:
2 Ora, a mulher casada está ligada pela lei ao marido, enquanto ele vive; mas, se o mesmo morrer, desobrigada ficará da lei conjugal. (ROMANOS 7: 2 – ARA)
39 A mulher está ligada enquanto vive o marido; contudo, se falecer o marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor. (1 CORÍNTIOS 7:39 – ARA)
O argumento utilizado é simples: como Paulo assume nesses textos, apenas a morte de um dos cônjuges elimina o vínculo matrimonial. Se uma pessoa se casar após ter se divorciado, mesmo por um processo legal e por motivo legítimo, ela estará cometendo adultério. Cornes, por exemplo, afirma que “o divórcio completo – no sentido de ‘dissolução’ ou eliminação do vínculo conjugal – não é algo que algum tipo de processo legal é capaz de fazer.” Em seguida, ele conclui: “Apenas a morte dissolve o vínculo (Rm 7:2; 1Co 7:39)”.[81] Esse tipo de argumento é baseado no pressuposto de que o vínculo matrimonial não pode ser dissolvido por nada além da morte. No entanto, há vários contrapontos plausíveis a serem considerados.
Em primeiro lugar, a ideia de que o vínculo matrimonial é inquebrável (exceto apenas pela morte) é seriamente questionável diante de Deuteronômio 24:1-4. O texto claramente permite o divórcio, bem como o novo casamento – o que sugere, pelo menos a princípio, que o vínculo matrimonial fora desfeito. Soares comenta a concessão mosaica afirmando que
o divórcio é o fim e a ruptura definitiva do casamento. […] Não há indícios, nem aqui nem em qualquer outra parte do Antigo Testamento, que provem ser proibido um divorciado casar-se pela segunda vez. Jamais, na história de Israel, alguém ousou considerar adúltera uma mulher divorciada, ou vice-versa, que contraiu novas núpcias.[82]
Dessa forma, o relacionamento de “uma só carne”, conquanto seja permanente em si mesmo, pode ser desfeito (1) pelo meio normal que Deus determinou – que é a morte; e (2) pelo meio anormal que Deus apenas permitiu – que é o divórcio legítimo.
Mas o que dizer dos textos de Paulo? Estaria ele insinuando que apenas a morte dissolve o vínculo? Podemos inferir uma resposta a partir do próprio texto: em lugar algum em Rm 7 ou 1Co 7 Paulo afirma que apenas a morte dá fim ao vínculo conjugal. Em relação a Romanos, o contexto é uma analogia entre o casamento e a situação do crente perante a antiga e nova aliança. Paulo não está falando sobre as regras do casamento. Quem faz uma observação importante sobre esse texto é Keener. Ele afirma que “de acordo com a lei bíblica, tanto a morte quanto o divórcio desatavam relações prévias; Paulo enfatizava dentre os dois o que se adaptava à sua analogia no contexto”.[83] Dessa forma, o que Paulo queria explicar era que, “como a morte desfaz o laço que une marido e mulher, assim a morte — a morte do crente com Cristo — desfaz o laço que o prendia ao jugo da lei, e agora está livre para entrar em união com Cristo”.[84] Não faria sentido algum Paulo citar qualquer exceção aqui. Adicionalmente, esse texto não pode ser usado para contrariar as cláusulas de exceção, porque, como Paulo bem sabia (Rm 7:1), a lei permitia o divórcio e o novo casamento.
Em relação a 1Co 7:39 também temos o mesmo raciocínio. Paulo está respondendo perguntas dos coríntios (v. 1). Uma dessas perguntas era certamente se as viúvas poderiam contrair novas núpcias. Paulo então cita o preceito geral da lei que tem alguma relevância para o assunto. Por que Paulo mencionaria o divórcio se a pergunta (ou o assunto tratado pelo apóstolo) era a viuvez? O que o divórcio tem a ver com isso? Não há motivos para Paulo citar aqui a questão da permissão para o divórcio. Se ele falava sobre as viúvas, é de se esperar que ele cite apenas o que lei diz a respeito delas dentro do contexto do casamento. Assim sendo, não há motivos para supor que Romanos 7:2 e 1Co 7:39 sejam contrapontos à dissolução do vínculo matrimonial por meio do divórcio.
O último texto retirado das cartas de Paulo são os versículos 10 e 11 de 1 Coríntios 7. O texto diz:
10 Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido 11(se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher. (ARA).
Com base nesse texto, afirmam que Paulo está tratando sobre um caso de divórcio, no qual a mulher é explicitamente proibida de contrair novas núpcias – o que indica, conforme pensam, que o vínculo matrimonial não se desfez. Portanto, um novo casamento após o divórcio é proibido.
Há um problema com essa argumentação; ela pressupõe que Paulo está tratando nesses versículos de qualquer divórcio, seja legítimo ou ilegítimo. Um fato extremamente relevante nessa discussão é a ausência da cláusula de exceção aqui,[85] o que aproxima a ideia geral de Paulo dos textos de Marcos-Lucas. Não podemos ter certeza se Paulo conhecia ou não a cláusula,[86] mas o provável é que ele a conhecia. Se Marcos-Lucas omitiram a cláusula presumindo uma concordância universal de que a impureza sexual provê base legítima para o divórcio, também pode ser essa a opção de Paulo – a ênfase, todavia, é na indissolubilidade do casamento.
Por outro lado, Morris observa que Paulo “não está escrevendo um tratado sistemático sobre o divórcio”.[87] Assim, a fala do apóstolo é geral e baseada no ensino também geral de Jesus em Marcos-Lucas. Ao que aprece, Paulo apenas repete as palavras de Jesus adicionando uma implicação pastoral. Disso, podemos inferir que Paulo fala a casais cristãos que se divorciaram ilegitimamente (assim como Jesus faz em Marcos-Lucas), aos quais a exceção de Mateus 5:32 e 19:9 não se aplica. Consequentemente, devem permanecer sem contrair novas núpcias, embora o ideal seja sempre a reconciliação.[88]
Finalizamos aqui as objeções baseadas em textos paulinos. O fato é que nenhum deles aponta contrariamente ao texto de Mt 5:32 e 19:9, antes, complementam sua ênfase original na indissolubilidade matrimonial. Isso indica que, apesar de permitir o divórcio e novo casamento em algumas exceções, o propósito de Deus não contempla o divórcio de forma alguma (cf. Ml 2:26).
- CONCLUSÕES
O assunto sobre as cláusulas de exceção é muito denso. Há diversas complicações envolvidas como acredito que foi possível perceber durante leitura deste artigo. Apesar disso, acredito ter sido possível obter conclusões coerentes com o ensino bíblico e que expressam o sentido natural e linear do tema nas Escrituras. Embora não tratamos aqui de tudo o que a Bíblia diz sobre o divórcio, é evidente que as cláusulas de exceção são uma parte importante desse tema, conquanto a abordagem aqui realizada não contradiz outros pontos da teologia cristã.
Assim, nossa primeira conclusão é, talvez, a mais óbvia: o divórcio nunca foi, é ou será parte da vontade de Deus. Deus odiou o divórcio e continua a odiá-lo (Ml 2:26). Não podemos nos debruçar sobre Mateus 5:32 e 19:9 buscando uma margem para praticarmos um ato desleal para com Deus. Como afirma Carson
qualquer percepção de divórcio e novo casamento (conforme o ensinamento nos dois Testamentos) que entende o problema só em termos do que pode ou não ser feito já negligenciou um fato básico — nunca se deve pensar no divorcio como uma ordem de Deus, como opção moralmente neutra, mas como evidencia de pecado, de dureza de coração.[89]
Assim sendo, o divórcio sempre, independente dos motivos que levaram à sua consumação, sempre será algo triste, ruim, contrário ao plano original de Deus, que revela pecado e evidencia a dureza do coração do homem. Por este motivo, o casal sempre precisa trabalhar com a hipótese da reconciliação, mesmo nos casos de infidelidade, pois o plano original de Deus é sempre o melhor a seguir.
Por outro lado, reconhecemos que há casos em que a reconciliação não é possível, seja por motivos internos ou extenso ao casal. Vale lembrar que os corações de hoje não são menos duros do que eram os da época de Moisés.[90] Deus permite o divórcio legítimo e um novo casamento para a parte inocente, bem como concede misericórdia e perdão à parte culpada. É verdade que há casos e casos; histórias diversas com vários outros elementos e contextos diferentes. No entanto, tudo isso deve ser examinado por meio de uma perspectiva pastoral à luz do sentido teológico-doutrinário exposto pela Bíblia, incluindo as cláusulas de exceção analisadas nesse trabalho.
Antes de encerrar, acredito ser pertinente reiterar o fato de que o propósito original de Deus para o casamento é a felicidade mútua, bem como a completude moral, física e emocional dos cônjuges. O divórcio é permitido por Deus, mas não deve ser visto como algo de caráter neutro; ele é ruim em si mesmo. Os cônjuges devem buscar evitar essa opção o quanto puderem. Wiesbe nos presenteia com uma ótima visão sobre a realidade do matrimônio em relação à tentação da infidelidade conjugal
Casamentos felizes não são acidentes, mas sim resultado de compromisso, amor, compreensão mútua, sacrifício e trabalho duro. Se um marido e uma esposa estão cumprindo os votos de seu casamento, desfrutarão de um relacionamento cada vez mais profundo que os satisfará e os manterá fiéis um ao outro. Exceto pela possibilidade de uma tentação repentina, nenhum marido ou esposa cogitaria ter um relacionamento extraconjugal, visto que seu relacionamento em casa é cada vez melhor e satisfatório. E o amor puro do marido e da esposa é uma excelente proteção até mesmo contra tentações repentinas.[91]
Assim, corroborando as palavras acima, encerro citando o texto bíblico que melhor define a santidade do casamento, demonstrando sua honra e importância no relacionamento humano:
“Digno de honra entre todos seja o matrimônio”
HEBREUS 13:4
Soli Deo gloria
RAFAEL NOGUEIRA*
[1] HOUSE, H. W. (Ed.) Divorce and Remarriage: Four Christian Views. Illinois: InterVarsity Press: 1990.
[2] O problema sinótico, assim chamado pelos estudiosos do Novo Testamento, é a tarefa de tentar explicar as divergências e semelhanças existentes entre os três primeiros Evangelhos (HALE, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001, p.55).
[3] Para mais detalhes sobre as variantes textuais envolvidas, veja METZGER, B. A Textual Commentary on the Greek New Testament. London: United Bible Societies, 1971. p. 14-15, 47-48. No que se refere à variante apresentada na ARA entre colchetes (19:9) “e o que casar com a repudiada comete adultério”, a preferência é pelo texto mais curto.
[4] MCNEILE, A. H. The Gospel Accordind to St. Matthew: The Greek Text, with Introduction, Notes, and Indices. Grand Rapids: Baker, 1980. p. 66.
[5] ROBERTSON, A. T. Comentário de Mateus & Marcos. Rio de Janeiro: CPAD, 2012. p. 70.
[6] Ver STEIN, R. H. “Is it Lawful for a Man to Divorce His Wife?’ em JETS 22 [1979], p. 115-21.
[7] No caso de Paulo, o contexto de sua fala em 1Co 7:12 deixa claro que ele acrescenta uma nova exceção em um caso que não foi discutido por Jesus (compare com o v. 10, no qual Paulo provavelmente faz referência à Lc 16:18). Contudo, isso não sugere que Mateus tenha feito o mesmo; o contexto e a estrutura textual utilizada pelo evangelista não permitem essa associação. Se Paulo tinha ou não autoridade para abrir exceções nos está claro no versículo 40. Para mais detalhes sobre a associação de Paulo e de Jesus nesse aspecto ver SOARES,E. Casamento, Divórcio e Sexo à luz da Bíblia, p. 51.
[8] STEIN, R. H. “Is it Lawful for a Man to Divorce His Wife?”, p. 119.
[9] Ver CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. São Paulo: Shedd Publicações, 2010. p. 488.
[10] Como exemplo, cabe mencionar a crítica de Tasker: “porquanto é uma regra de crítica arbitrária pressupor que, onde há diferença entre Mateus e Marcos, Mateus sempre tem de ser o que está no erro”. (TASKER, R. V. G. Mateus, Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 145).
[11] LANEY, J. C. The Divorce Myth. Minneapolis: Bethany House, 1981. p. 66.
[12] Para que a compreensão da análise seja mais clara, recomenda-se a leitura desse trecho comparando-a com o texto de Mateus.
[13] BLUN, E. A. “Os Apóstolos e as Escrituras” em GEISLER, N. L. (Org.) A Inerrância das Escrituras. São Paulo: Editora Vida, 2007. p. 57, destaque nosso.
[14] Irineu de Lyon (130-202), por exemplo, afirma que os escritos de Marcos e Lucas possuem procedência apostólica no mesmo nível que Mateus. Ele afirma que “[…] Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, também ele próprio compromissado conosco, colocou por escrito (aggraphos) as coisas que estavam sendo pregadas por Pedro. E Lucas, seguidor de Paulo, colocou o Evangelho que era pregado por este num livro”. (Against Heresies III. 1.1. citado em HARRIS, R. L. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 269. Ver ainda as págs. 206-7 com relação à Lucas-Atos).
[15] HETH, W. A. “Divorce, but no Remarriage” em HOUSE, H. W. (Ed.) Divorce and Remarriage: Four Christian Views. p. 108
[16] HETH, W. A. “Another Look at Erasmian View of Divorce and Remarriage” em JETS 25 [1982], p. 266.
[17] Ibd.
[18] BRUCE, F. F. (Org.) Comentário Bíblico NVI. São Paulo: Editora Vida, 2008. p. 1559.
[19] Para uma explanação didática sobre a importância do contexto remoto, ver BENTHO, E. C. Hermenêutica Fácil e Descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 169-72.
[20] Ibd. p. 70.
[21] Concordo com Stein nesse ponto. Mas como disse antes (ver p. 3-4), discordo que, caso Jesus estivesse colocando uma norma absoluta, ele seria pejorativamente um legalista por fazer isso.
[22] Para um comentário mais elaborado a respeito desse exemplo, veja BLOMBERG, C. L. “Marriage, Divorce, Remarriage, and Celibacy” em TJ 11 [1990] p. 174.
[23] LENSKI, R. C. H. Interpretation of St. Mark’s Gospel. Columbus: WartBurg Press, 1946. p. 420.
[24] O trabalho de Thomas e Gundry é especialmente interessante para a visualização e comparação dos textos evangélicos (THOMAS, R; GUNDRY, R. Harmonia dos Evangelhos. São Paulo: Editora Vida, 2004. p. 132-33).
[25] HENDRIKSEN, W. Comentário do Novo Testamento: Mateus, Vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. p. 17.
[26] WIERSBE, W. W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento, Vol. 1. São Paulo: Geográfica, 2006. p. 10.
[27] KEENER, C. S. Comentário Bíblico Atos: Novo Testamento. Belo Horizonte: Atos, 2004. p. 41. Hale acrescenta valiosas informações a respeito desse contexto de embate entre a liberdade cristã e o legalismo farisaico (ver HALE, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. p. 86).
[28] Para uma análise mais detalhada sobre esses pontos, ver TASKER. R. V. G. Mateus, Introdução e Comentário. p. 13-20. Um fato que merece destaque é que “no Evangelho de Marcos, o título Filho de Davi é uma só vez dado a Jesus, a saber, pelo cego Bartimeu” (Ibd. p. 16). Por outro lado, Mateus apresenta o título várias vezes (9:17; 15:22; 20:30; 21:9,15), demonstrando sua preocupação em enfatizar a messianidade de Jesus Cristo.
[29] LIMA, A. R. A. Divórcio e Novo Casamento: Um Estudo sobre Mateus 19:9 e a Confissão de Fé de Westminster. Disponível em <http://www.monergismo.com/textos/familia_casamento/Divorcio-Novo-Casamento_Alan-Renne.pdf>.
[30] M. Git. 9.10; b. Git. 90a (citado por CATCHPOLE, D. R. “The Synoptic Divorce Material as a Traditio-Historical Problem” em BJRL 57 [1974] p. 93).
[31] Um dos textos do AT que parecem favorecer essa interpretação de “coisa indecente” é Jeremias 3:8.
[32] Para um comentário mais completo sobre como as duas escolas interpretavam “coisa indecente”, ver RICHARDS, L. O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p. 63. Para uma discussão mais completa sobre o sentido do termo hebraico, ver CHAMBLIN, K. “Commentary on Matthew 19:1-12” em RPM 1/37 [1999] p. 3-7.
[33] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 480.
[34] A expressão “qualquer motivo” pode parecer estranha comparada à Dt 24:1a, mas era exatamente o que decorria da visão de Hilel. Para seus seguidores, “queimar a comida do marido era motivo suficiente para o divórcio, como também se o marido encontrasse uma mulher mais bonita que a esposa” (BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI. p. 1558), como era a visão do Rabi Akiba (50-135), seguidor de Hilel.
[35] Carson menciona que a escolha de Shamai “permitia um novo casamento quando o divórcio não estava de acordo com a sua própria halaca” (O Comentário de Mateus. p. 480), Jesus, por outro lado, aponta o divórcio ilegítimo seguido de um novo casamento como sendo adultério; Keener acrescenta a informação de que “tanto a lei judaica quanto a lei romana exigiam o divórcio em caso de adultério” (Comentário Bíblico Atos: Novo Testamento. p. 59. grifo do autor. Ver também M Sotah 5.1), enquanto Jesus apenas permitiu.
[36] BLOMBERG, C. L. “Marriage, Divorce, Remarriage, and Celibacy”. p. 174. Ver também SHEDD, R. P. (Ed.) O Novo Dicionário da Bíblia, Vol. 2. São Paulo: Vida Nova, 2001. p. 43.
[37] Um exemplo prático era Herodias, que se divorciou de Herodes Filipe para se casar com Herodes Antipas (Mc 6:17-18).
[38] No contexto judaico as mulheres não podiam pedir o divórcio. Para mais detalhes, ver VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Teológica, 2002. p. 58.
[39] REGA, L. S.; BERGMANN, J. Noções do Grego Bíblico. São Paulo: Vida Nova, 2004. p. 304.
[40] WALLACE. D. B. Gramática Grega. São Paulo: Batista Regular, 2009. p. 685.
[41] A relação inversa nem sempre é verdadeira. É preciso cuidado na hora de interpretar a relação da prótase com a apódase. Para detalhes, veja as considerações de Daniel Wallace (Ibd. p. 685-87).
[42] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 185, ver também p. 480.
[43] BRUCE, F. F. (Org.) Comentário Bíblico NVI. p. 1559.
[44] Ver CARSON. D. A. O Comentário de Mateus. p. 189.
[45] Carson comenta que essa culpa seria semelhante ao próprio ato de adulterar (Ibd.).
[46] SOARES. E. Casamento, Divórcio e Sexo à Luz da Bíblia. p. 43 e 60.
[47] WIERSBE. W. H. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento, Vol. 1. p. 92-3.
[48] SOARES, E. Casamento, Divórcio e Sexo à Luz da Bíblia. p. 52. Ele afirma esse princípio, mas não explica por que o novo casamento da parte culpada é adultério.
[49] Seguindo o padrão textual da ARA. Uma leitura mais precisa seria “por causa de impureza sexual” (como na NVI). O objetivo é realçar o motivo do repúdio, que na ARA parece-me mais passivo.
[50] Digo factual presumindo que há adultérios que não são factuais (como em Mt 5:28).
[51] KAISER, W. C. Jr. “Hermenêutica Legítima” em GEISLER, N. L. A Inerrância da Bíblia. p. 158.
[52] Ver WIEBE, P. H. “Jesus’ Divorce Exception” em JETS 32 [1989] p. 327-333.
[53] “Se o divórcio acontecer por causa do pecado sexual de um dos cônjuges, a parte inocente pode casar-se novamente” (OSBORNE, M. “What Does Bible Say About Divorce?” em RPM 14/39 [2012] p. 4).
[54] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 486.
[55] Para uma discussão mais completa acerca dos debates judaicos sobre Dt 24:1-4 e a perspectiva de Jesus em Mt 19:9, ver SOARES, E. Casamento, Divórcio e Sexo à Luz da Bíblia. p. 36-9. O Dr. Robert L. Harris possui um entendimento um tanto diferente sobre a visão de Jesus a respeito de Dt 24 (Inspiração e Canonicidade da Bíblia. p. 46-8).
[56] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 487.
[57] Como por exemplo WENHAM, G. J. “May Divorced Christians Remarry?” em Chuchman 95 [1981] p. 158.
[58] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 489.
[59] TASKER, R. V. G. Mateus, Introdução e Comentário. p. 145-6.
[60] “Em visto do que cristo tinha acabado de dizer sobre a instituição divina do casamento, torna-se claro que o celibato não pertence ao plano habitual de Deus” (EARLE, R. et. al. Comentário Bíblico Beacon, Vol. 6. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 136).
[61] Parece-me que sua obra mais conhecida sobre o assunto seja HETH, W. A; WENHAM, G. J. Jesus and Divorce. London: The Chaucer Press, 1984.
[62] Não é minha pretensão responder à todos os argumentos contrários, mas sim aqueles que de certa forma são mais utilizados ou melhor representam sua linha de pensamento.
[63] LIMA, A. R. A. “Divórcio e Novo Casamento”. p. 4.
[64] Ibd.
[65] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 486.
[66] Veja esse destaque na página 11 mais acima.
[67] LIMA, A. R. A. “Divórcio e Novo Casamento”. p. 4
[68] O que o Rev. Lima propõe é que, pelo fato de ela estar no fim do texto, a apódase qualifica os dois pecados (divórcio e novo casamento), podendo, portanto, ser duplicada no texto. (cf. “Divórcio e Novo Casamento” p. 6). Mas essa visão se baseia em dois pressupostos errôneos, a saber, (1) que as duas condicionais são independentes e (2) que há dois pecados que se relacionam independentemente com a apódase. O fato é que kai conecta a segunda condição à primeira, formando uma única prótase na qual se aplica uma única apódase.
[69] Essa regra é demonstrada por Heth e Wenham (Jesus and Divorce. p. 99-100).
[70] PINTO, C. O. C. “O Divórcio”. Revista Enfoque. Atibaia, nov. 2000. p. 7, grifo do autor.
[71] LIMA, A. R. A. “Divórcio e Novo Casamento”. p. 7.
[72] HETH, W. A; WENHAM, G. J. Jesus and Divorce. p. 115-6 também apresentam essa ideia.
[73] Eixegese é o ato do intérprete das escrituras de tentar injetar no texto um sentido que ele não possui. A tarefa da exegese bíblica é extrair o significado do texto; a, eixegese, portanto, seria o contrário.
[74] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 486.
[75] Cf. St. G4202 em THAYER, J. H. A Greek-English Lexicon of the New Testament. Grand Rapids, MI: Zondervan, s/d. p. 532.
[76] BROW, R. E. et. al. (Ed.) Novo Comentário Bíblico São Jerônimo: Novo Testamento e Artigos Sistemáticos. São Paulo: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2011. pp. 155-6.
[77] Ver DUTY, G. Divorce and Remarriage. Minneapolis: Bethany Fellowship: 1967. p. 52-62.
[78] Veja MURRAY, J. Divorce. Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 1953. p. 21
[79] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 483.
[80] Considere a aplicação dessa expressão em um relacionamento ilícito em 1Co 7:16. Paulo demonstra que, uma vez que somos membros de Cristo, somos um só corpo com ele; por este motivo, não podemos profanar essa união sagrada entregando nosso corpo à impureza sexual. Desse modo, assim como Paulo argumenta que a impureza sexual (porneia) atenta contra nossa união de “um só espírito” com Cristo (v. 17), ela também atenta contra a união de “uma só carne” que há entre os cônjuges.
[81] CORNES, A. Divorce and Remarriage: Biblical Principles and Pastoral Practice. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. p. 193.
[82] SOARES, E. Casamento, Divórcio e Sexo à Luz da Bíblia. p. 37.
[83] KEENER, C. S. Comentário Bíblico Atos: Novo Testamento. p. 444. Ver também as considerações de SOARES, E. Casamento, Divórcio e Sexo à Luz da Bíblia. p. 49-50.
[84] BRUCE, F. F. Romanos, Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 71.
[85] BRUCE, F. F. (Org.) Comentário Bíblico NVI. p. 1888; MORRIS, L. 1 Coríntios, Introdução e Comentário. São Paulo: Cultura Cristã; São Paulo: Vida Nova, 1986. p. 87, destacam esse fato.
[86] As datas sugeridas para 1 Coríntios estão entre 52-55 d.C., enquanto o evangelho de Mateus é datado posteriormente ao ano 60d.C. Porém, isso não é conclusivo; Paulo poderia ter acesso à cláusula por outra fonte na tradição. Para mais detalhes sobre a datação de Mateus e 1 Cortíntios ver HALE, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. p. 89, 227; para Mateus, ver especialmente a discussão de CARSON, D. A. et. al. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 85-90.
[87] MORRIS, L. 1 Coríntios, Introdução e Comentário. p. 87.
[88] Para uma interpretação de 1Co 7:10-11 mais detalhada, ver AQUINO, J. P. T. “1 Coríntios 7:10-11: Divórcio entre Cristãos?”. Revista Fides Reformata, XIX, nº 1 (2014): 111-222.
[89] CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. p. 482.
[90] É digno de nota a ênfase de Jesus ao responder: “Por causa da dureza do vosso coração…” (Mt 19:8). Jesus usa a dureza de coração como uma característica da humanidade caída e não de um determinado povo em uma determinada época.
[91] WIERSBE, W. W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento, Vol. 1. p. 93.