A pregação apologética na pós-modernidade

Escrita no quarto século a.C. por Arístocles de Atenas (Platão), a Apologia de Sócrates é o registro da defesa do filósofo Sócrates perante seus acusadores no Areópago, em Atenas. Nos tempos neotestamentários, o termo grego apologia era empregado com o sentido de salvaguardar-se (cf. At 22.1; 25.16; 1 Co 9.3; 2 Co 7.11; Fp 1.7; 2 Tm 4.16), mas também com o de defender o evangelho (Fp 1.16; 1 Pe 3.15). A despeito de a palavraapología, nessas passagens, ter sido traduzida por “defesa” ou “responder”, no sentido de apresentar uma defesa, veremos que o papel do pregador do evangelho (e também do ensinador da sã doutrina) é o de atacar as heresias.

É um equívoco pensar que o trabalho do apologista é o de ficar esperando o evangelho ser atacado para defendê-lo. Ele prega a Palavra de Deus e, ao fazer isso, ataca o erro. Não por acaso, na armadura do cristão descrita pelo apóstolo Paulo, há armas de defesa (escudo, capacete etc.) e a espada do Espírito, a única e suficiente arma de ataque (Ef 6.10-18). Em apologética, paradoxalmente, defender o evangelho é atacar o erro de fora (ateísmo, vãs filosofias, falsa ciência) e o de dentro (liberalismo teológico, Teologia da Prosperidade, evangelho marxista etc.).

Na pós-modernidade, um dos maiores desafios do pregador do evangelho, além de apresentar mensagens cativantes quanto a conteúdo e forma, é o de ser um apologista. O prefixo “pós” não indica somente substituição da era moderna ou sublevação contra ela. Além de antítese da modernidade, a pós-modernidade é uma era pós-cristã em que não apenas ocorre uma insurgência contra o Iluminismo, que deu origem à era moderna, mas principalmente uma ferrenha oposição ao cristianismo. Na Renascença, ainda na pré-modernidade, não houve a entronização da razão, porém solapou-se a autoridade da Igreja. E, bebendo da fonte renascentista, os iluministas elevaram o ser humano ao centro do mundo, substituindo Deus pela humanidade e colocando-a no palco da História.

O Iluminismo rompeu a cosmovisão teísta, apurada pela Reforma Protestante, de maneira permanente e radical, transformando a razão em fonte primária de autoridade, acima das “superstições” proclamadas pelos cristãos. Em meio à oposição às Escrituras, no fim da era pré-moderna, em 1780, surgiu em Gloucester, Inglaterra, a Escola Bíblica Dominical (EBD), fundada por Robert Raikes. Já na modernidade — que teve seu ápice na Revolução Industrial —, apologistas do evangelho tinham o desafio de se opor ao pensamento de John Locke, Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Diderot, Hume, Kant etc., os quais associavam a verdade à racionalidade, fazendo da razão o único árbitro da crença correta. Em 1855, enquanto se propagava pelo mundo a cosmovisão deísta (religião natural, racional) dos iluministas, a EBD, na “contramão” (cf. Rm 12.1,2), apresentando a cosmovisão teísta dos reformadores, chegou a Petrópolis, Rio de Janeiro.

Com a publicação de Assim Falava Zaratustra, de Friedrich Nietzsche, em 1883, assinalou-se o começo do fim da era moderna e o início da gestação da pós-moderna, que traria novos desafios à pregação do evangelho e ao ensino da sã doutrina. Na década de 1970, o ataque da pós-modernidade às Escrituras começou a ter maior intensidade, com o surgimento do movimento pós-modernista, cujos ideólogos principais, além de Nietzsche, são: Foucault, Marx, Gramsci, Darwin etc. Estes substituem o otimismo e o positivismo do século XIX por um pessimismo corrosivo, visando a desconstruir dialeticamente o discurso filosófico ocidental. Embora rejeitem o Iluminismo, os pós-modernistas adotam o naturalismo como cosmovisão dominante, uma excrescência iluminista que abarca materialismo, ateísmo, antropocentrismo e evolucionismo.

O principal argumento pós-moderno contrário ao cristianismo é o de que não existe verdade absoluta nem lugar para conceitos absolutos de dignidade, moral, ética e fé em Deus. Nietzsche notabilizou-se por atacar a moralidade e dizer que ela é simplesmente um costume local ou uma expressão de sentimentos duvidosos. Foucault, por sua vez, afirma que a verdade é uma fabricação ou ficção. Um filme (em três partes) que mostra a importância de nos opormos a essas influências filosóficas anticristãs éDeus não Está Morto, especialmente a segunda película, que conta com a participação de apologistas renomados, como Lee Strobel e Rice Broocks.

Uma das influências filosóficas da pós-modernidade é o pluralismo, que se manifesta principalmente como a diversidade que há numa sociedade multicultural e relativista. Cada grupo tem a “sua verdade”; a mentalidade pós-moderna é eclética e compreende mais do que simplesmente a tolerância a outros pontos de vista. Como todas as culturas são consideradas moralmente equivalentes, e como são muitas as comunidades humanas, são inúmeras também as diferentes “verdades”, que podem existir umas ao lado das outras. A verdade tem sido desconstruída e substituída pela imparcialidade; passou-se a priorizar “a minha opinião”, não havendo, pois, espaço para o primado das Escrituras.

As famílias nunca mais foram as mesmas depois da Revolução Industrial, que alienou a maioria das suas funções. Mas, na pós-modernidade, em razão do aumento desenfreado do consumismo, do hedonismo e das mutações e convulsões sociais (cf. Rm 1.18-32), têm surgido novos estilos de “família”. O conceito bíblico de união familiar tem sido substituído pela diversidade, e a “família” pode ser nuclear, expandida, multigeracional, formada por recasados, por pessoas do mesmo sexo e até poligâmica. Questões de gênero têm sido usadas contra o evangelho, e já há setores do evangelicalismo cedendo à pressão de perniciosos movimentos, como o feminismo e o elegebetismo, formado por ativistas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Cabe ao pregador do evangelho, ao discorrer sobre o papel de homem e mulher na família, atacar o pecado da homossexualidade, e não a pessoa do homossexual (Rm 1.27; 1 Co 6.10). Ele deve ensinar sem medo “que, no princípio, o Criador os fez macho e fêmea” (Mt 19.4).

Vigora na pós-modernidade a ideia pragmática de que tudo o que é cultural pode fazer parte do culto evangélico. Os pregadores do evangelho devem ser firmes na defesa da proeminência do Reino de Deus sobre a cultura humana. Lembremo-nos de que a porta e o caminho para a salvação são estreitos (Mt 7.13,14) e de que a Igreja foi estabelecida por Jesus para pregar o evangelho, e não contextualizá-lo a fim de agradar o ser humano. Atentemos para as palavras do nosso Mestre, em Mateus 28.19,20: “ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado”.

Outras verdades que o pregador do evangelho deve defender são: a encarnação sobrenatural do Verbo e sua morte como nosso substituto penal, a realidade do Inferno e o reconhecimento de que Satanás e os demônios são reais e estão ativos no mundo. O pregador e também o ensinador devem reafirmar que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14; 1 Tm 3.16). E que, graças a isto, o Deus-Homem provou a morte por todos os homens, a fim de nos livrar da condenação e das garras do Inimigo (2 Co 5.14; Cl 2.14,15). Evocando o pensamento dos reformadores, devemos afirmar a ideia da substituição penal, a fim de declarar que o Senhor suportou em lugar da humanidade a penalidade que ela deveria pagar (Hb 2.9-15).

As filosofias pós-modernas contrárias à Palavra de Deus são muitas e têm influenciado o evangelicalismo de tal modo, que a cada dia cresce o número de “cristãos não salvos” em busca de autoajuda, ignorando que, por causa de sua natureza pecadora (Rm 3.23; 5.12), todos precisam ser envolvidos pela graça de Deus e entrar pelo único caminho para a salvação (Tt 2.11; Jo 10.9; 14.6). Que sejamos firmes no ensino da sã doutrina, na defesa de que toda a Escritura é inspirada por Deus (2 Tm 3.16), verberando contra as heresias “entre nós” (cf. At 20.29; 2 Pe 2.1), sempre preparados para responder a todos “com mansidão e temor” (1 Pe 3.15).

Autor: Ciro Sanches Zibordi

Referências
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