Pobre coitada da minha vozinha, ela era muito crente e muito séria. Mas por ter quase cem anos e muita lucidez, conseguia prever certas tragédias com antecedência. Seus conselhos eram sábios, mas muitas vezes contrários às convicções de alguns da colônia rural em que vivíamos. De tanto se preocupar e alertar as pessoas e sempre se cumprirem seus vaticínios pesarosos, ela ganhou o apelido de “língua preta” no seio da família e no meio da comunidade.
Um dia desses, ela alertou meu pai – “Jão não corte lenha debaixo do varal de roupas, pois o machado pode ricochetear no arame e voltar-se contra você. Use outro lugar e não corra tamanho risco”. Meu pai, com tom de convencimento e supremacia em detrimento a pobre velhota, disse convicto – “Eu sei o que estou fazendo. Corto lenha aqui há muitos anos e nunca cortei nada” e em tom mais baixo resmungava – “ah, velha, essa praga não pega em mim. Sai pra lá, língua preta”. Entretanto, numa bela manhã, meu pai resolveu acordar mais cedo, cortar lenha e acender o fogo pra agradar minha mãe. Repentinamente, naquela manhã, não acordamos com o brilho do sol, mas com os berros do meu pai – “Estou morrendo, cortei o pé fora, ai meu Deus”. Na verdade, ele cortou apenas dois dedos do pé esquerdo. Apesar de colocá-los em um copo e levar ao hospital pra recoloca-los no lugar, não teve jeito, ele ficou sem os dedos do pé. O engraçado é que sua atitude obtusa e desastrada nem foi cogitada. A colônia inteira comentava apenas da “língua preta” da pobre senil. A culpa era dela e não do descaso com a segurança que meu pai negligenciou. E até o dia da sua morte ela carregou o estigma de “língua preta”. Hoje vejo que ela, na verdade, tinha muita sabedoria e só queria ajudar as pessoas ao seu redor a não sofrer aqueles males.
Contextualizando a presente história com os fatos bíblicos, penso na passagem em que Micaías apanhou por dizer a verdade:
“Então Micaías respondeu: Vi todo o Israel espalhado pelas colinas, como ovelhas sem pastor, e ouvi o Senhor dizer: ‘Estes não têm dono. Cada um volte para casa em paz’ “.O rei de Israel disse a Josafá: “Não disse a você que ele nunca profetiza nada de bom a meu respeito, mas apenas coisas ruins?” Micaías prosseguiu: “Ouçam a palavra do Senhor: Vi o Senhor assentado em seu trono, com todo o exército dos céus à sua direita e à sua esquerda. E o Senhor disse: ‘Quem enganará Acabe, rei de Israel, para que ataque Ramote-Gileade e morra lá?’ “E um sugeria uma coisa, outro sugeria outra, até que, finalmente, um espírito colocou-se diante do Senhor e disse: ‘Eu o enganarei’. ” ‘De que maneira?’, perguntou o Senhor. “Ele respondeu: ‘Irei e serei um espírito mentiroso na boca de todos os profetas do rei’. “Disse o Senhor: ‘Você conseguirá enganá-lo; vá e engane-o’. “E o Senhor pôs um espírito mentiroso na boca destes seus profetas. O Senhor decretou a sua desgraça”. Então Zedequias, filho de Quenaaná, aproximou-se, deu um tapa no rosto de Micaías e perguntou: “Por qual caminho foi o espírito da parte do Senhor, quando saiu de mim para falar a você?”. (II Crônicas 18.16-23)
O profeta de Deus foi hostilizado e barbarizado por ser fiel aos fatos e a verdade. O Rei não acreditou nele e preferiu aos profetas falsos e as suas mentiras. Hoje em dia passamos pelo mesmo dilema. Os falsos profetas de seitas e do neopentecostalismo falam e ensinam o que o povo gosta de ouvir pra massagear ego. Diante dessa problemática, os baluartes do Senhor precisam permanecer firme na palavra de Deus. Sei que não é fácil remar contra a maré, sei que às vezes o desânimo e a derrota amargam a boca dos servos de Cristo, mas precisamos continuar em fidelidade ao chamado de Deus.
O que mais me chama a atenção é o fato dessas pessoas possuírem Bíblias e não atentarem para as Suas advertências. O texto Bíblico é claro acerca da necessidade de se atentar para o ensino Escriturístico, procurando não cair nas garras dos falsos profetas.
“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” (2 Timóteo 2.15)
“O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos.” (Oséias 4.6)
“Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus.” (Mateus 22.29)
Ainda que não sejamos compreendidos pela atual geração, não podemos nos eximir do nosso papel de lutar pela verdade.