A Inteligibilidade da Natureza e a Hipótese de Deus

No livro The Return of God Hypothesis, Stephen C. Meyer argumenta que a concepção de um universo inteligível foi um dos motores fundamentais do desenvolvimento da ciência moderna. Esse princípio, segundo ele, está intimamente ligado à crença na racionalidade de Deus, um conceito herdado tanto da filosofia grega quanto da tradição judaico-cristã. Meyer destaca como essa visão forneceu aos primeiros cientistas a confiança de que a natureza poderia ser estudada e compreendida, uma vez que foi criada por uma mente racional e ordenada.

Ao longo deste artigo, analisaremos a argumentação de Meyer e sua implicação para a relação entre ciência e teísmo. Também exploraremos como a noção de inteligibilidade do cosmos influenciou figuras como Newton, Kepler e outros pioneiros da ciência, além de discutir as implicações dessa ideia na busca por conhecimento e na atualidade.

1. O Universo Como Cosmos e Não Caos

Desde a antiguidade, filósofos e cientistas debateram se o universo é regido por uma ordem racional ou se é apenas um caos aleatório. Meyer destaca que os primeiros cientistas modernos partiam da premissa de que a natureza era inteligível porque havia sido criada por um Deus racional. Esse conceito, compartilhado pela tradição judaico-cristã e pela filosofia grega, sustentava a convicção de que estudar a natureza era, de fato, descobrir as leis que Deus havia inscrito no universo.

O filósofo Alfred North Whitehead corrobora essa visão ao afirmar que “não pode haver ciência viva sem uma convicção instintiva e generalizada na existência de uma Ordem das Coisas, e, em particular, de uma Ordem da Natureza”. Essa crença, segundo Whitehead, deve muito à insistência medieval na racionalidade de Deus.

Essa perspectiva não era apenas teórica, mas um motor prático para a investigação científica. Os primeiros cientistas acreditavam que, ao decifrar os segredos da natureza, estavam, em certo sentido, pensando os próprios pensamentos de Deus. Isso fornecia uma motivação profunda para o empreendimento científico e afastava a ideia de que o mundo era apenas um caos sem sentido.

2. A Influência da Crença na Ordem Racional do Universo

Meyer também menciona estudiosos que reforçam a ideia de que a ciência ocidental nasceu da convicção de que o universo é produto de uma única inteligência e que a mente humana foi projetada para compreendê-lo. O historiador e filósofo da ciência Steve Fuller ressalta que essa crença foi fundamental para o progresso científico, pois implicava que o estudo da natureza não era um exercício fútil, mas uma jornada para entender um projeto inteligível.

O filósofo Holmes Rolston III vai além e argumenta que “foi o monoteísmo que lançou a ciência física”, pois apresentou um mundo com um plano racional e acessível à investigação científica. A ciência moderna, segundo essa perspectiva, não nasceu de uma visão de mundo materialista e aleatória, mas sim de uma estrutura teísta que acreditava na coerência e inteligibilidade do cosmos.

Johannes Kepler, um dos maiores astrônomos da história, expressava essa visão de maneira explícita. Ele via seu trabalho como uma forma de decifrar as leis divinas da natureza e afirmava que “Deus queria que reconhecêssemos” essas leis, tornando isso possível ao nos criar à sua imagem e semelhança. Para Kepler, estudar a ciência era, de certa forma, pensar os próprios pensamentos de Deus.

3. As Ideias de Contingência e Inteligibilidade

Dessa concepção teísta da realidade surgiram dois princípios fundamentais para o avanço da ciência:

1. A Contingência do Universo – Se o universo é um produto da vontade de um Criador, suas leis não são necessárias no sentido lógico ou metafísico; elas poderiam ser diferentes. Isso implica que só podemos conhecer essas leis estudando a natureza diretamente, e não apenas através da razão abstrata. Essa noção impulsionou a observação empírica e a experimentação, em contraste com a abordagem aristotélica medieval, que muitas vezes se baseava apenas na dedução lógica.

2. A Inteligibilidade do Universo – Se o Criador é racional, então o universo deve ser ordenado e inteligível, e a mente humana, feita à imagem de Deus, deve ser capaz de compreendê-lo. Essa convicção incentivou a busca científica, pois os estudiosos acreditavam que suas investigações levariam a descobertas significativas sobre as leis da natureza.

Essas ideias moldaram a metodologia científica e ajudaram a estabelecer a ciência moderna. Diferente das civilizações que viam a natureza como caótica ou imprevisível, a tradição judaico-cristã forneceu a base filosófica para acreditar que o mundo poderia ser estudado sistematicamente.

4. Implicações na Ciência Contemporânea

A visão teísta do universo como inteligível e ordenado ainda possui implicações profundas na ciência contemporânea. A própria busca por uma “Teoria de Tudo” na física teórica assume que há uma ordem racional unificadora por trás das leis do cosmos. Essa convicção ressoa com a perspectiva clássica dos fundadores da ciência moderna, que viam o universo como um sistema inteligível devido à racionalidade divina.

Além disso, o conceito de fine-tuning (ajuste fino) do universo, frequentemente discutido em cosmologia, reforça a ideia de que as leis da física parecem meticulosamente ajustadas para permitir a existência da vida. Muitos cientistas, mesmo sem uma filiação religiosa, reconhecem que essa estrutura altamente ordenada desafia explicações puramente naturalistas.

Meyer argumenta que a hipótese de Deus continua a ser uma explicação viável e coerente para a racionalidade subjacente do cosmos. Se a ciência surgiu da crença em um Criador racional e se a própria estrutura do universo continua a sugerir um projeto inteligente, então a rejeição automática do teísmo pode ser uma posição precipitada.

Conclusão

A ciência moderna nasceu da convicção de que o universo é ordenado, inteligível e fruto de uma mente racional. Como demonstrado por Stephen C. Meyer em The Return of God Hypothesis, essa crença não apenas impulsionou o desenvolvimento da ciência, mas continua a ser uma consideração relevante nas investigações filosóficas e cosmológicas contemporâneas.

A ideia de que a mente humana pode compreender a natureza porque ambas derivam de um Criador racional foi o fundamento sobre o qual cientistas como Newton, Kepler e Galileo construíram suas descobertas. Essa perspectiva forneceu a base para a metodologia empírica e experimental, tornando a ciência o que ela é hoje.

Embora o pensamento materialista e naturalista tenha se tornado predominante nos últimos séculos, a própria estrutura da realidade ainda sugere uma ordem subjacente. Se o universo é realmente inteligível e ajustado para a vida, não seria irracional considerar que sua origem seja fruto de um Criador racional?

A ciência continua a revelar um cosmos que parece obedecer a princípios de ordem e racionalidade. A questão que permanece é: qual a melhor explicação para isso? Meyer sugere que a resposta pode estar no próprio fundamento que deu origem à ciência – a crença em um Deus racional, cuja mente projetou um universo que podemos compreender.

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Por Walson Sales

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