A idoneidade de Jesus para ensinar

Jesus Salvador

Ninguém esteve melhor preparado, e ninguém se mostrou mais idôneo para ensinar do que Jesus. No que toca às quali­ficações, bem como noutros mais respeitos, Jesus foi o mestre ideal. Isto é verdade tanto visto do ângulo divino’ como do humano. No sentido mais profundo, Jesus foi “um mestre vindo da parte de Deus”. Muitos elementos contribuíram para pre­pará-lo eficientemente para o magistério. Alguns elementos eram meramente humanos; outros, divinos; alguns lhe eram inerentes, e outros, ele os desenvolveu. Quando os consideramos, nos sentimos estimulados e inspirados para cumprir nossa tarefa de professor.

1 .     A Encarnação da Verdade

O elemento mais importante na qualificação de qualquer professor é justamente aquilo que ele é em si. Todos reconhe­cemos que um só exemplo vale por cem ou mil conselhos. ” Aquilo que você é troveja tão alto que não posso ouvir o que você diz.” A melhor encadernação para os Evangelhos não é o marroquim: é, sim, a pele humana. Foi este fato que levou o Presidente Garfield a dizer que, no seu entender, a universi­dade ideal era uma tora de madeira, tendo John Hopkins numa extremidade e um estudante na outra. Foi esta verdade que levou Emerson à dizer que o que mais importa não é o que aprendemos, e, sim, com quem aprendemos. Foi ainda este fato que levou o notável superintendente Stephen Tyng a responder a um quesito do regimento interno de sua Escola Bíblica Dominical:  “Sinto muito, mas não posso concordar”.

“A verdade encarnada é a única verdade espiritual que consegue apelar de modo efetivo. Por isso, cada professor deve sentir bem fundo em seu coração que sua pessoa é a lição que mais apela ao coração do aluno.” Isto de fato é assim, porque a verdade mais se apanha do que se ensina. A influência inconsciente é mais poderosa do que a consciente. “As palavras do professor só chegam até onde as projeta a força propulsora duma vida piedosa.” É o peso do machado que o faz penetrar mais fundo na árvore que se quer derrubar.  Por isso o pro­fessor de Escola Bíblica Dominical deve ser alguma coisa para poder eficientemente dizer alguma coisa. “A vida do professor é a vida’ do seu ensino.”

Foi aquilo que eles foram que conse­guiu  dar ao  mundo professores  da  estatura  de Arnold, de Rugby;  de Phelps,   de  Yale;   de Broadus,  do  Seminário  do Sul; e de Carroll, do Seminário do Sudoeste.

Jesus foi a encarnação viva da verdade.  Ele disse:  “Eu sou…  a verdade” (João 14:6). Ele foi cem porcento aquilo que ensinou. Fosse  qual fosse o assunto,  ele o encarnava e ensinava com transbordamento de  toda  a  sua  vida. S. D. Gordon   disse:   “Jesus   tinha  já   feito  antes de   fazer,   viveu aquilo  que depois  ensinou viveu  tudo  antes  de  ensinar, e viveu tudo bem mais do que pôde ensinar.” C. S. Beardslee assim se expressou sobre Jesus:  “Sua grande alma deu lugar bem  grande  para que  o Espírito  Santo  o   ungisse  inteira e completamente… Olhando para os olhos dele, você vê a luz em sua inteireza… Ele tinha ilimitadas reservas de verdade, de majestade, de beneficência, de entusiasmo, de paciência, de persistência, de longanimidade… Ele mostrou aos que depen­diam de outros como deviam confiar; aos servos, como servir; aos governadores, como dirigir; aos vizinhos, como serem ami­gos; ao necessitado, como orar; ao sofredor, como suportar; e a todos os homens, como morrer… Ele é o ensino modelar para todas as épocas.”

Esta encarnação da verdade proveio de duas coisas. Do fato de ele ser Deus e possuir as perfeitas qualidades de Deus. Foi ele o único ser perfeito. Ele difere de nós em qualidade e também em grau. Por isso jamais poderemos nos aproximar de sua perfeição. Também a sua encarnação da verdade proveio do fato de ele ter estudado e experimentado a verdade, e feito dela parte de si mesmo. “Jesus crescia em sabedoria” (Luc. 2: 52). Jesus aprendeu como filho e como irmão dentro de seu lar, pelo estudo e freqüência à sinagoga, e também com as experiên­cias naturais da vida humana. Experimentou tentações que diziam respeito à conservação de sua própria vida, à consi­deração social e à ambição do poder. O escritor da Carta aos Hebreus diz: “Convinha que ele (Deus)… fizesse dele, pelo sofrimento, o pioneiro da perfeita salvação deles” (Heb. 2:10).

A encarnação da verdade pelo mestre afetava o seu en­sino pelo menos de duas maneiras. Em primeiro lugar, dava-lhe um tom de autoridade que se não via nos escribas e rabinos do seu tempo — os professores oficiais dos dias de Jesus. A sa­bedoria destes era mais aquela vinda de fora, era matéria de oitiva, ensinavam mais citando autoridades e a tradição. A sa­bedoria de Jesus vinha de dentro e não precisava de escoras ou de  confirmação.  “Este mestre  era  diferente.   Não  citava ninguém, e apresentava sua própria palavra como suficiente.”Portanto, ensinava com clareza meridiana, com convicção e poder. O povo “se admirava do seu ensino, porque ele os ensinava como quem tinha autoridade, e não como os es­cribas” (Mar. 1:22). O fato de viver aquilo que ensinava também inspirava confiança naquilo que dizia. O povo viu corporificado no que ele praticava aquilo que ele queria que eles fizessem. Anotavam como ele se comportava diante da tristeza, da crítica, do desapontamento, da perseguição. O seu modo de viver reforçava e dava peso àquilo que dizia. “A maior coisa que seus discípulos aprenderam de seus ensinos não foi a doutrina, e, sim, sua influência. Até a última hora de suas vidas, a maior coisa foi o terem eles estado com Jesus.”Por isso, “designou doze para estarem com ele” (Mar.  3:14).

Como mestres humanos podemos demonstrar em nossa vida “o delineamento do Cristo que mora em nós”. Somente assim podemos estar na altura deste primeiro teste de habilita­ção ou idoneidade.

2 .     O Desejo de Servir

Um dos elementos essenciais para a qualificação de um professor é o interesse que deve ter pelo povo e o desejo de servi-lo bem, de ajudá-lo. Sem esta qualidade, o mestre será “como o metal que soa, ou como o címbalo que retine”, muito embora conheça bem a Bíblia, o discípulo e os métodos de ensino. Nada pode suprir a falta de interesse pelo bem-estar de nossos semelhantes. Saber enfrentar uma grande classe, possuir boas estatísticas, ou conhecer de sobejo os melhores métodos de ensino não constituem substituto apropriado para aquele profundo interesse que devemos ter pelo próximo.

Por outro lado, amando e desejando servir bem a nossos alunos, teremos suprido em boa parte as deficiências de conheci­mentos e de técnica. Algumas personalidades pouco prometedoras que conhecemos se tornaram ótimos professores de adolescentes (a idade mais crítica); e isto se explica pelo fato de terem amado verdadeiramente os alunos daquela idade. Mais cedo ou mais tarde, os discípulos compreendem esse amor e inte­resse do professor, e a eles respondem. Todo o mundo ama aquele que ama.

Brilhou sempre no caráter de Jesus esse interesse pro­fundo pelo bem-estar de todos. Jesus se interessava mais por pessoas do que por credos, cerimônias, organizações ou equipa­mento. Via o povo “como ovelhas sem pastor” (Mar. 6:34). Se Will Rogers podia dizer que nunca viu uma pessoa de quem não gostasse, o que não poderíamos dizer de Jesus a este respeito?! Quando os fariseus criticaram os discípulos de Je­sus por haverem colhido espigas no dia de sábado, ele os de­fendeu, dizendo: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mar. 2:27). Quando aquele jovem avarento e egocentralizado fez Jesus parar na estrada para lhe perguntar qual o caminho que conduz à vida, diz o evangelista que “Jesus, contemplando-o, o amou” (Mar. 10:21). Na ocasião em que certo homem atacado de lepra su­plicou a Jesus que o curasse, ele se sentiu todo tomado de profunda simpatia por aquele sofredor, e “estendendo a mão, tocou-o” (Mar. 1:41). Seu coração encheu-se de afeição pe­los escribas que viviam a criticá-lo, pelos ciumentos fariseus, pelos desprezados e odiados publicanos, pelos pecadores mal­quistes, pelo cego, pelo surdo, pelo coxo.

Ele sempre amou a todos e se interessava vivamente por seus problemas. “Ele encarnou e revelou todo o amor de Deus, e se compadeceu dos homens por todos os seus males e padeci­mentos.”7 O Mestre não só se interessou pelos problemas humanos, mas sempre buscou fazer alguma coisa para solucio­ná-los. Revelou sempre genuíno espírito missionário, e afirma­va repetidamente que viera para servir, e não para ser servido (Mat. 20:29). Não se julgou tão cansado que não pudesse conversar sobre a Água da Vida com uma decaída junto ao poço de Sicar. Não achou que lhe seria desdouro visitar em sua própria casa um malquisto coletor de impostos. Não deu ouvidos à crítica dos líderes religiosos e se associou com peca­dores, para tirá-los do seu pecado. Nas parábolas da ovelha e da dracma perdidas e do filho pródigo, Jesus mostrou que realmente estava interessado em tudo. Seu coração se derretia de simpatia por um mundo necessitado, e suas mãos secundavam e espalhavam essa simpatia por meio de serviço e ajuda.

Esta atitude foi a característica de todos os grandes mes­tres que passaram por este mundo. Foi a atitude de Pantenus, que fundou em Alexandria, ao lado duma universidade pagã, a primeira escola cristã; de Benedito, quando organizou uma ordem de mestres em Monte Cassino, ordem que grandemente influenciou a Europa por três séculos; de Geraldo Groote, ao fundar a sociedade dos Irmãos da Vida Simples, que ensina­riam crianças pobres; de Loiola, ao constituir a ordem dos jesuítas para ensinar os jovens; e de Roberto Raikes ao inau­gurar o glorioso movimento da Escola Dominical que hoje se estende pelo mundo todo. O vivo desejo de servir é indispen­sável ao ensino vitorioso.

3 .     A Crença no Ensino

Jesus viu no ensino a gloriosa oportunidade de formar os ideais, as atitudes e a conduta do povo em geral. Ele não se distinguiu primeiramente como orador, como reformador, nem como chefe, e, sim, como mestre. Vemos perfeitamente que ele não pertenceu à classe dos escribas e rabinos que inter­pretavam minuciosamente a Lei. Não. Ele ensinou. De forma alguma se distinguiu ele como “agitador da massa popular”. Não comprometeu sua Causa com apelos em reuniões populares, com práticas ritualistas, ou com manobras políticas, não. Ele confiou sua Causa aos prolongados e pacientes processos de ensino e de treinamento. L. A. Weigle diz: “Jesus lançou mão do método educativo, e não do método de força política, ou de propaganda, ou do poder.” E J. A. Marquis acrescenta: “A principal ocupação de Jesus foi o ensino. Algumas ve­zes ele agiu como curador, outras vezes operou milagres, pre­gou frequentemente; mas foi sempre o Mestre. Ele não se pôs a ensinar porque não tivesse outra coisa a fazer; mas, quando não estava ensinando, estava fazendo qualquer outra coisa. Sim, ele fez do ensino o agente principal da redenção.”

A ênfase que Jesus deu ao ensino ressalta do fato de em geral ser ele reconhecido como Mestre. “À luz dos Evangelhos, vemos que seus discípulos e contemporâneos o tornavam como mestre.” Ele foi mesmo chamado Mestre, Professor ou Rabi; e tudo isto, traz em seu bojo a mesma idéia geral expressa por Nicodemos quando disse:: “Rabi, sabemos que és mestre vindo da parte de Deus” (João 3:2). Nos Evangelhos, Jesus é cha­mado mestre nada menos de quarenta e cinco vezes, e nunca se fala nele como pregador. L. J. Sherril diz que, somando-se todos os termos equivalentes a mestre, temos o total de ses­senta e um.11 Norman Richardson anota que o vocábulo Mestre é usado sessenta e seis vezes na Versão King James; cinqüenta e quatro vezes é derivado da palavra grega que significa profes­sor ou mestre.12 Fala-se em Jesus ensinando, quarenta e cinco vezes; e onze apenas pregando, e, assim mesmo, pregando e ensinando, como vemos cm Mateus 4:23 — “ensinando em suas sinagogas e pregando o evangelho do reino”. Chamavam-no mestre não apenas os doze, mas também outros mais discípulos seus.

Outrossim, Jesus a si mesmo se chamava Mestre, dizendo: “Vós me chamais Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque eu o sou” (João 13:13). Também dizia ser “a luz”, vocábulo que traz a idéia de instrução. Nesta linha de pensamento, interes­sante é notar que João Batista sempre foi mais chamado pre­gador que mestre.

Outra indicação desta ênfase sobre o ensino é. a termino­logia empregada para descrever os seguidores e a mensagem de Jesus. Não são eles chamados súditos, servidores ou camara­das. A palavra cristão só é empregada três vezes em o Novo Testamento para caracterizá-los e assim mesmo uma vez como zombaria. No entanto, vemos a palavra discípulo, que significa aluno ou aprendiz, empregada 243 vezes, para referir-se aos seguidores de Jesus. A mensagem de Jesus diz-se ser ensino (39 vezes), e sabedoria (seis vezes), não dando tanto a ideia de preleção ou sermão. A expressão Sermão do Monte não é usada pelos escritores do Novo Testamento. Mateus apenas diz — “E ele se pôs a ensiná-los, dizendo…” (Mat. 5:2). Tal peça deve ser intitulada — O Ensino do Monte, e não O Sermão do Monte.

Também se revela bem a ênfase do Mestre em ensinar no modo entusiasta e até agressivo pelo qual externou sua atividade educadora. Ele ensinava em qualquer lugar e a toda hora — no Templo, nas sinagogas, no monte, nas praias, na estrada, junto ao poço, nas casas, em reuniões sociais, em pú­blico e em particular. “Relutava mesmo em curar, preferindo aproveitar a oportunidade para apresentar sua mensagem.” Ma­teus diz — “Andava Jesus por toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas deles, e proclamando as boas-novas do reino, e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo” (Mat. 4:23, tradução de Goodspeed). Toda a obra de Jesus estava envolta em atmosfera didática, e não tanto num ar de preleções ardentes, pois observamos que os ouvintes se sentiam à vontade para lhe fazer perguntas, e ele, por sua vez, lhes propunha questões e problemas.

Ele preparou um grupo de mestres para que levassem avante sua obra. “No decorrer dos últimos dias de sua traba­lhosa vida, ele se dedicou ao ensino e preparo do pequeno grupo de discípulos que a ele se agregara.”E ele os enviou aos confins da terra para que fizessem discípulos (para que matriculassem na escola de Cristo), a batizá-los (uma orde­nança educadora) e a instruí-los na observância de todas as coisas que lhes tinha mandado (Mat. 28:19,20). Jesus cria muito e muito no ensino, requisito este indispensável a qualquer professor. Ele se dedicou ao ensino e sempre dignificou tal vocação. “A maior glória da profissão do mestre está no fato de haver Jesus Cristo escolhido ser mestre, quando se viu face a face com aquilo que tinha a realizar na vida.” George H. Palmer percebeu bem este espírito, quando assim se ex­pressou “Creio tanto no ensino que, se necessário fosse, pa­garia pelo privilégio de ser mestre em.vez de receber algo por ensinar.”

4 .     O Conhecimento das Escrituras

Outra coisa essencial num professor é o conhecimento das Escrituras, porque este é o primeiro material que vai usar. Jesus se mostrou perfeitamente qualificado neste particular. Prova-o o episódio de sua tentação, quando enfrentou os esforços do diabo, que pretendia confundi-lo com citações das Escrituras (Mat. 4:1-11). Prova-o a conversa na estrada de Emaús, quando Jesus explicou os ensinos das Escrituras relativos à sua Pessoa (Luc. 24:27). No decorrer do seu ministério, Jesus citou passagens de pelo menos vinte livros do Velho Testa­mento e mostrou estar perfeitamente familiarizado com o con­teúdo dele. De fato, ele o conhecia tão bem que chegou mesmo a contrastar sua precariedade com a inteireza daquilo que ele ensinava (Mat. 5:17-48). Jesus não só conhecia as Escritu­ras, como também as assimilou de tal modo que as podia aplicar livre e perfeitamente às necessidades e ocorrências do dia.

Sua maestria não provinha só de sua divindade, mas tam­bém de seus estudos. Iniciara-os na infância, dentro do lar judeu, onde se respirava atmosfera profundamente religiosa e educativa. B. A. Hinsdale diz: “Até mesmo os deveres domés­ticos, cumpridos pela mãe de família, moldavam o caráter dos filhos segundo a disciplina nacional.”

E é Haroldo Wilson quem afirma: Mesmo estando ele (o menino judeu) ainda nos braços da mãe, seus olhos vêem já muitos objetos cuja significação religiosa lhe será oportuna­mente explicada por ela.” Dentre tais hábitos figurava o de beijar os dedos que apanhariam os pergaminhos das Escri­turas guardados por sobre a porta, ou os filactérios usados no pulso ou na testa; já a criança judia via as orlas coloridas da veste exterior de seu pai lembrando-lhes os mandamentos do Senhor; escutava as orações e ações de graças diárias, notadamente às refeições; aprendia a guardar o sábado, admirando-se ao ver acender-se o fogo e a lâmpada sabáticos: tomava parte nas festas anuais, como a da Páscoa e a dos Tabernáculos; assistia à solene oferta a Deus do primogênito do rebanho e da ma­nada. Assim, foi que Jesus aprendeu as Escrituras no seu lar, e ali cresceu em sabedoria como em estatura. “Nazaré está presente duas vezes, ou mais, em tudo quanto Jesus disse.”

Jesus também aprendeu na sinagoga, pois, nos dias dele, estava ela espalhada por todos os lugares, e a freqüência a ela era hábito arraigado, quando não coisa obrigatória. Lucas diz: “No sábado Jesus entrou na sinagoga, como efa’ seu cos­tume” (Luc. 4:16). Wilson acha que Jesus ia à sinagoga pelo menos uma vez em cada sábado, e isso por vinte anos ou mais. Nela havia exercícios religiosos aos sábados, nas se­gundas e quintas-feiras, nos dias de festa e nos de jejum. A sinagoga era instituição puramente educacional ou instrutora. Lá a Lei (os cinco primeiros livros da Bíblia) era lido por uma pessoa, um intérprete explicava um versículo de cada vez, aplicando a leitura à vida do povo em geral. Assim, se lia toda a Lei de três em três anos e meio, mais ou menos como se dá hoje com nossas lições uniformizadas. A segunda leitura do dia era tirada dos profetas, sendo lidos e explicados três versículos de cada vez. Desta natureza foi a leitura que Jesus fez na sinagoga de Nazaré, registrada em Lucas 4:17-19. Algumas vezes faziam-se perguntas para que os assistentes res­pondessem. Ainda recitavam também em uníssono certas pas­sagens escriturísticas. Assim foi que Jesus aprendeu a Lei e os profetas, habilitando-se para refutar os rabinos e perguntar-lhes: “Não lestes?”

Ligada à sinagoga havia uma escola elementar para me­ninos, que funcionava nos dias da semana. Criava-se onde existissem vinte e cinco alunos, e era obrigatória a freqüência. Na verdade não se admitia que um judeu ortodoxo vivesse em lugares sem escola; caso vivessem em lugares separados por um rio, ambas as localidades deviam ter sua escola, a não ser que se vencesse o rio por uma ponte. O menino judeu começava a freqüentar a escola aos seis anos, e estudava as Escrituras até os dez, começando pelo Levítico. Estudava a Lei, a his­tória, os profetas e a poesia, recebendo, assim, educação reli­giosa e moral, e enfronhando-se dos ritos e cerimônias de sua gente. Dos dez aos quinze anos, estudava as interpretações orais da Lei, e aos treze tornava-se “filho da Lei” e membro respon­sável da congregação da sinagoga. “Percebe-se que Jesus co­nhecia de cor quase todas as Sagradas Escrituras não só pelas citações diretas que delas fazia, mas também pelas numerosas alusões que fez à Lei, a Isaías, a Jeremias, a Daniel, a Joel, a Oséias, a Miquéias, Zacarias e Malaquias, e principalmente os Salmos”, afirma o cônego Farrar. Jesus mostrou seu pre­paro não só quando, aos doze anos, enfrentou os rabis no Templo, mas também nas crises mais apertadas, frente aos mais severos críticos de todos os tempos.

5 .     Compreensão da Natureza Humana

Ao lado do conhecimento das Escrituras, é coisa igual­mente importante a compreensão da natureza humana. Na ver­dade, é esta uma qualificação muitíssimo necessária ao pro­fessor, porque não se pode aplicar a Bíblia à vida a não ser que se compreenda bem o aluno e suas necessidades. Todo aquele que lida com a natureza humana deve conhecer alguma coisa a esse respeito. Assim como o médico precisa diagnosticar an­tes de receitar qualquer remédio  também  o professor precisa compreender a vida humana e seus problemas, para depois aplicar o remédio escriturístico. Em última análise, estamos ensinando pessoas, e não a Bíblia. As próprias Escrituras fo­ram dadas para ensinar, corrigir e disciplinar “para que o homem de Deus seja completo” (II Tim. 3:17). Importa, pois, e muito, que o mestre de religião compreenda as pessoas com quem vai lidar.

Jesus não só compreendeu a mente judia em geral, quanto as suas facções e seitas, mas foi também um mestre na pene­tração do coração e na compreensão daquilo que se passava no íntimo de cada indivíduo. A Bíblia diz que “ele bem sabia o que havia no homem” (João 2:25). Moffatt traduz assim: “Bem sabia ele o que estava na natureza humana.” É certo que ninguém jamais penetrará todo o conteúdo desta afirmativa. O Mestre, sem dúvida, escafandrou a vida humana até suas maiores profundezas. Certamente ele podia dizer se seus ouvintes eram bons ou maus, atentos ou desatentos, amigos ou inimigos, inte­ressados em seu ensino ou não, compreendendo-o ou confundindo-o, concordando com ele ou discordando e o criticando. Se Jesus não possuísse esse conhecimento, estaria inabilitado para os ensinar de modo eficiente como o fez, e teria caído nas artimanhas preparadas tantas vezes por seus inimigos. Tendo tal conhecimento, pôde descobrir as habilidades de seus apren­dizes, bem como suas necessidades, atitudes e motivos, e ensi­ná-los à luz do que deles conhecia. “Do ponto de vista pedagó­gico, a intuição de Jesus foi o elemento primordial de sua maravilhosa eficiência como Mestre.

Pelo menos meia dúzia de exemplos evidenciam que Jesus tinha acurada visão do íntimo da natureza humana e mesmo do próprio pensamento do povo. Os escribas pensavam lá consigo que Jesus estava blasfemando, ao declarar ao paralí­tico que seus pecados estavam perdoados, mas “Jesus, conhecendo-Ihes os pensamentos, disse: Por que pensais mal em vossos corações?” (Mat. 9:4). Quando os discípulos lamenta­vam o haver Jesus dito que deveriam comer a sua carne e beber o seu sangue, para terem vida, “Jesus, sabendo por si mesmo que seus discípulos murmuravam das suas palavras, disse-lhes: …Mas entre vós há alguns que não crêem.” Pois Jesus sabia desde o princípio quais eram os que não criam, e quem o havia de trair” (João 6:61, 64).

Quando os fariseus e os herodianos procuraram apanhá-lo em alguma palavra, Jesus, percebendo a hipocrisia deles, dis­se-lhes: “Por que me experimentais?” (Mar. 12:15). Ao ver Natanael, disse: “Eis um verdadeiro israelita em. quem não há dolo!” (João 1:47). Quanto à samaritana, Jesus pediu que chamasse o marido, e ela lhe respondeu que não tinha marido, Jesus lhe respondeu: “Disseste bem que não tens ma­rido; porque cinco maridos tiveste, e o que agora tens não é teu marido” (João 4:17,18). Jesus conhecia as pessoas e ensinava para solucionar-lhes as suas necessidades profundas e ocultas, não poucas vezes desconhecidas delas próprias.

6 .     Domínio da Arte

Não afirmamos aqui que Jesus consciente e propositada­mente estudasse os métodos e processos de ensino, e deliberada­mente buscasse segui-los. É possível que sim, mas provavel­mente assim não fez. Admitimos que ele tinha uma soma de conhecimentos que perfeitamente o habilitava para a tarefa de mestre. Intuitivamente, ou por assimilação, foi um mestre, um técnico, em métodos de ensino. Ele não anunciou propriamente nenhum princípio psicológico especial, nenhuma teoria de edu­cação, nenhuma prática pedagógica; não obstante, ele mostrou conhecer perfeitamente todos os seus elementos principais e os usou de maneira mais que eficiente. Empregou métodos com perfeita liberdade e eficiência. Parece até que os descobria e aplicava de modo natural. Com a inteireza de suas fontes e recursos, aproveitou bem todas as oportunidades de ensinar, e empregou sempre, e para cada caso, o método justo e ade­quado. Distinguiu-se e adiantou-se tanto dos mais mestres deste mundo que W. A. Squires mui apropriadamente deu a uma obra sua este título — The Pedagogy of Jesus in the Twilight of Today (A Pedagogia de Jesus no Crepúsculo de Nossa Era). Os maiores mestres de nossa era ainda não se puseram em dia com Jesus. Sempre temos algo a aprender com ele.

Concluímos que Jesus foi consumado mestre na arte de ensinar, quando vemos que ele praticamente empregou aqui e ali, pelo menos em embrião, os métodos usados hoje em dia — perguntas, preleções, histórias, conversas, discussões, drama­tizações, lições objetivas, planejamentos e demonstrações. Por­menorizadamente estudaremos este assunto no lugar próprio, noutro capítulo. Vemos ainda que Jesus conhecia perfeitamente a arte de ensinar pelos processos de que lançou mão, pois, quando analisamos suas partes componentes, descobrimos que suas lições tinham exórdio, desenvolvimento e conclusão sem­pre muito apropriados. Também daremos maior atenção a isto mais tarde. Ele tratava diretamente dos assuntos, com ilustra­ções mui adequadas, aplicando sempre muito bem seu ensino a situação e ao momento. Na arte de ensinar, foi mestre de mão cheia.

Buscando dominar bem esta difícil e gloriosa arte, bem andaremos se seguirmos o exemplo que Jesus nos deixou. A de­dicação, o entusiasmo e a fídelidade„ao ensino não ressarcirão a falta de conhecimento dos métodos de ensino, nem desculparão um ensino fraco e precário. Em regra, ninguém nasce mestre. Os mestres se fazem. Pelo menos, como já se disse, os mestres “não nascem feitos”. Necessário se faz o estudo cuidadoso, e também prática prolongada e paciente. Esperamos que para este fim o presente volume contribua de algum modo. É verdade que devem ser compulsados e estudados outros mais livros sobre este assunto, bem como livros que tratam dos alunos e das suas necessidades. Do ponto de vista humano, sabemos que Deus pode usar com muito maior proveito um professor preparado do que um que pouco ou nada sabe. Urge procurar­mos ser a nossos olhos, e aos olhos de nossos alunos, os me­lhores mestres que se possa encontrar.

Quando olhamos para Jesus, e o vemos à luz de sua per­feita personalidade, do seu espirito de servir, de sua confiança no ensino, do seu conhecimento das Escrituras e da humanida­de, do seu domínio dos métodos e processos de ensino, concluí­mos que ele foi o mestre melhor qualificado que o mundo já conheceu. Ele foi de fato “o Mestre dos mestres”, ou “o Mestre Magistral”, como o caracterizou Horne no título de sua obra. Ou, como bem o disse J. L. Corzine: “Jesus é mais do que o Mestre Mor. Ele é o Mestre Incomparável.”

“Qualquer pedra de beira de estrada, qualquer tripeça tomada por empréstimo a um tugúrio, sentando-se Jesus aí, transforma-se num trono de autoridade e sabedoria universal, invejado por soberanos e pontífices.”25 Jesus é o nosso modelo incomparável, e sempre temos o que aprender com seus mé­todos e mensagens. Como disse Marta: “O Mestre está aí” (João 11:28). “Ao contrário dos mestres religiosos do seu tempo, Jesus ensinou com sua própria autoridade. Não ensinou como os escribas, que repetiam e citavam dizeres de outros. Jesus falou movido pela consciente paixão da verdade que fervi­lhava no seu íntimo.

Extraído do livro A PEDAGOGIA DE JESUS, J. M. Price

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