Nos primeiros mil anos o islã foi avançando, e a cristandade recuando sob a ameaça dessa nova força. A nova fé conquistou os antigos países cristãos do Levante [Palestina] e África do Norte, e invadiu a Europa, dominando por algum tempo a Sicília. [… ] Nos últimos trezentos anos, desde o fracasso do segundo cerco turco em Viena, em 1683, e devido ao crescimento dos impérios colonialistas da Europa na Ásia e África, o islã tem estado na defensiva, e a civilização cristã e póscristã da Europa e suas filhas têm trazido o mundo todo, incluindo o islã, para dentro de sua órbita 2.
O artigo de Lewis apareceu na revista Atlantie Month!J;, em setembro de 1990, exatamente onze anos antes dos ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono. Nesses anos, os muçulmanos cumpriram as expectativas de Lewis e retomaram, em números sem precedentes, a suas posições originais: o mundo se divide entre a Casa do Islã e a Casa dos Incrédulos. Do ponto de vista muçulmano, Lewis escreveu: “A maior parte do mundo continua fora do islã, e mesmo dentro dos países islamitas, de acordo com a visão dos radicais, a fé islâmica tem sido enfraqueci da e sua lei abolida. A obrigação da guerra santa, por conseguinte, inicia-se em casa e continua fora de casa, contra o mesmo inimigo infiel” 3.
À medida que o islã volta ao modelo que orientou seu primeiro milênio, os descrentes de qualquer raça, credo ou contexto cultural são “animais de caça” para os guerreiros muçulmanos. Nessas novas cruzadas, o Oriente está engajado em uma batalha que é política no processo, mas religiosa em essência 4.
OS QUATRO CAVALEIROS DE MAOMÉ (632-661)
Abu Bakr (632-634): defendendo a religião
Quando Maomé morreu, em 632, o islã entrou em seu período mais vulnerável. Abu Bakr, um dos sogros de Maomé e um dos primeiros convertidos, foi nomeado califa (líder sucessor) de Maomé. Esse amigo pessoal de Maomé sabia como conduzir uma guerra agressiva (jihad), alcançando três alvos principais:
- O islã defendeu a Península Arábica de uma revolta caótica e fixou firmemente sua herança permanente.
- A mensagem de Maomé foi eternamente preservada por meio da primeira versão escrita do Alcorão.
- A conquista cumpriu a ordem de Maomé: “Não devem existir duas religiões na Península Arábica” 5.
Umar (634-644): o apóstolo Paulo do islã
Com a base segura, os seguidores do islã expandiram o reino. O segundo califa, Umar, estendeu o império muçulmano com a conquista da Síria (634), Iraque (636), Egito (639) e Pérsia (642). Jerusalém também foi submetida ao controle muçulmano 6.
Umar era um gênio político e administrava habilmente esse território crescente. A maioria dos muçulmanos o venera como o mais justo dos califas. Ao dar exemplo de misericórdia em relação aos não-muçulmanos, Umar definiu a proteção dada aos cristãos:
A proteção é para as vidas e propriedades, para as igrejas e suas cruzes, para os doentes e os sãos e para todos os que possuem a mesma religião deles. Suas igrejas não devem ser usadas como habitação, nem devem ser demolidas. Também não se deve causar prejuízo algum a eles ou às residências ou às cruzes deles; o mesmo vale para as propriedades. Não deve haver nenhuma coação a esse povo em questão de religião e nenhum deles deve sofrer qualquer tipo de dano em razão da sua religião. […] Tudo que está escrito aqui está debaixo de pacto de Deus e a responsabilidade de seu Mensageiro, dos califas e dos crentes, e deverá valer desde que eles paguem o Jizya [o tributo pela sua defesa] imposto a eles 7.
Esses direitos foram dados a não-muçulmanos depois de sua rendição. Somente depois que a paz (definida pelo governo islâmico) foi estabelecida, os descrentes puderam ser protegidos. John Kelsay, especialista em ética e perito em princípios morais de guerra, explica:
O caminho da ignorância e o da submissão são vistos como formas institucionalizadas na existência das entidades políticas islâmicas e não-islâmicas. O caminho da submissão pode ser descrito como o domínio do islã (dar al-islam); o outro, o domínio da guerra (dar al-harb). O domínio do islã significa uma entidade política que reconhece a supremacia dos valores islâmicos. […] O domínio do islã é teoricamente o domínio da paz e justiça. […] Mais concretamente, os teóricos sunitas pensavam no jihad como a forma de ação islâmica no ponto de intercessão entre o domínio islâmico e o domínio da guerra 8.
Portanto, o jihad (guerra santa) estará terminado somente quando o mundo inteiro estiver submisso a Alá e quando suas leis reinarem supremas.
As leis de misericórdia escritas por Umar não foram tão compassivas quanto parecem. Um historiador contemporâneo de Umar, lbn Timmiya, percebeu as restrições decretadas dentro desses “atos de misericórdia”:
• Os cristãos não possuíam o direito de constmir novos lugares de adoração.
• Os cristãos não possuíam o direito de reformar uma igreja em terras conquistadas.
• Os muçulmanos podiam confiscar templos em cidades ocupadas em um ataque.
• Os muçulmanos podiam destmir todas as igrejas na terra conquistada.
Quando o historiador perguntou ao misericordioso Umar o que aconteceria àqueles que violassem as regras, ele declarou: “Todos que violarem estes termos estarão desprotegidos. E será permitido aos muçulmanos tratá-los como rebeldes ou dissidentes, isto é, será permitido matá-los” 9.
Uthman (644-656) e Ali (656-661): guerra civil
Em 644, Uthman, escravo persa, matou Umar. Como o terceiro sucessor de Maomé, Uthman era visto como um governante egoísta que estava apenas interessado em sua própria família. No final de seu mandato, os muçulmanos estavam divididos. Os rebeldes mataram o califa Uthman em sua própria casa, enquanto ele lia o Alcorão. (Uthman codificou o Alcorão em sua forma final. As publicações modernas continuam mantendo seu nome). O ódio contra ele era tão intenso que seu corpo ficou insepulto durante vários dias, um grande pecado de acordo com o Alcorão. Ele foi finalmente enterrado com suas roupas ensangüentadas, um reconhecimento simbólico de seu martírio 10.
Ali bin Abu Taleb, genro de Uthman e primo de Maomé, assumiu o controle do reino. Aishah, a viúva de Maomé, lutou duramente contra Ali e os homens da tribo dele. Muçulmanos guerrearam contra muçulmanos em duas grandes batalhas que terminaram sem um vitorioso. Em 661, Ali foi assassinado, e desde aquele tempo o islã tem sido dividido entre os seguidores de Ali, os xiitas, e os muçulmanos tradicionais, os sunitas.
O FRUTO ABENÇOADO DO JIHAD (661-1095)
Depois da morte de Ali, conforme a rivalidade diminuía, o islã alcançou uma visão mais ampla – a conquista do mundo conhecido. Em 732, parecia ser possível alcançar esse alvo. A expansão engoliu Chipre (647), Tunísia e Cabul, no atual Afeganistão (670), a ilha de Rode (672), o cerco a Constantinopla (677), a África do Norte (700), Espanha (711), a fronteira sirio-turquestana (715) e o Marrocos (722). No final de seu primeiro centenário, o islã estendeu-se até as fronteiras ocidentais da China e as fronteiras no sul da França. A África do Norte foi dominada completamente.
Nesse período, Damasco, na Síria, tornou-se a capital do mundo islâmico. A riqueza e as conquistas do islã cresceram, praticamente sem limites, e dois grandes edifícios foram construídos. Primeiro, o Domo da Rocha foi construído em Jerusalém no monte do templo judaico em 691, para demonstrar a superioridade do islã sobre o judaísmo. Segundo, em 715, a Grande Mesquita de Damasco substituiu a Catedral de São João, para demonstrar a superioridade do islã sobre o cristianismo corrompido 11.
O PONTO DE INFLEXÃO EM TOURS
A Batalha de Tours está entre as batalhas mais importantes para o mundo islâmico. O islã havia avançado e conquistado o norte da África e a Espanha. Se o islã conquistasse a França, facilmente derrotaria a Itália, o centro do cristianismo ocidental. Carlos Martelo descreve essa invasão em Tours:
Por quase sete dias, os dois exércitos olhavam um para o outro, aguardando ansiosamente o momento de iniciar a batalha. Finalmente, eles se prepararam para o combate. E, no choque da batalha, os homens do Norte […] resistiam um junto ao outro, como se fossem um monumento de gelo; e com grandes golpes de suas espadas derrubavam os árabes. Formados em um bando ao redor de seu comandante, os austrasianos avançaram contra eles. Suas mãos incansáveis cravavam suas espadas peito adentro [de seus inimigos] 12.
O islã foi derrotado – mas somente por um tempo. Depois os muçulmanos apontaram suas espadas para o oriente a serviço de Alá.
BAGDÁ TORNA-SE PREEMINENTE
Na Batalha de Tours, o avanço islâmico para o oeste foi barrado. A derrota resultou em muita disputa interna, e os líderes muçulmanos decidiram que Bagdá serviria melhor a suas necessidades estratégicas do que Damasco. A ênfase mudou para um desenvolvimento da teologia, da lei e da ciência dentro do islamismo.
Bagdá prosperou em riqueza e conhecimento científico e transformou- se em rota para o comércio e a cultura. As invenções incluíam o relógio com pêndulo, o compasso magnético e a álgebra. Bagdá tinha uma biblioteca incomparável que abrigava escritos de Aristóteles e Platão. Na medicina, os muçulmanos foram os primeiros a usar a anestesia na cirurgia, e os primeiros também a descobrir que as epidemias se espalham por meio do contato e pelo ar. Eles desenvolveram o primeiro hospital ambulatorial (levado sobre um camelo) e separaram a farmacologia da medicina 13.
A energia da militância muçulmana foi dirigida para a descoberta intelectual. Uma das primeiras obras históricas islâmicas, Life of the messenger of God [A Vida do mensageiro de Deus], de Ibn Ishaq, tomou-se uma biografia inestimável de Maomé. A literatura progrediu quando os muçulmanos aprenderam a arte de fazer papel com os chineses. A dieta islâmica melhorou devido à introdução da ameixa, alcachofra, couve-flor, aipo, abobrinha, abóbora e berinjela. Esse período atualmente é reconhecido como a época de ouro do islã.
CAIRO TORNA-SE PROEMINENTE
Embora o esforço intelectual fosse impressionante, os alvos políticos islâmicos estavam sofrendo. As conquistas de terras estagnaram por três séculos, e algumas regiões estavam declarando governos independentes. Novas dinastias se levantaram para desafiar a soberania de Bagdá. A dinastia fatímida, centralizada no Cairo, dominava a África do Norte, a Palestina e a maior parte da Síria. Sua presença, no entanto, era limitada, visto que outros grupos naquelas regiões não os apoiavam. A dinastia fatímida acabou se tomando incapaz de governar o coração do islã no Oriente Médio.
Embora Cairo abrigue a universidade mais antiga do mundo, a al-Azhar, essa cidade é lembrada na história do islã pelo sexto califa da dinastia fatímida, al-Hakim (996-1021), que declarou ser a encarnação de Deus. Sua violenta perseguição aos cristãos e a destruição dos lugares sagrados da Igreja Católica Romana encorajaram um dos movimentos mais tristes da história, as Cruzadas.
Quando al-Hakim desapareceu sem deixar rasto, surgiu uma mitologia acerca de seu paradeiro.
AS CRUZADAS (1095-1291)
As Cruzadas surgiram porque os cristãos adotaram a doutrina islâmica do jihad, isto é, a guerra santa, e a tornaram o centro de seu universo. Dois séculos antes da primeira cruzada oficial, o papa Leão IV (847-855) prometeu o perdão dos pecados a todo aquele que lutasse contra os pagãos (gentios). Assim, Leão firmemente implantou o jihad cristão no pensamento cristão ocidental 14. João VIII (872-882) e outros papas asseguraram aos crentes em Cristo a segurança eterna se eles morressem em batalha.
Em 1064-1065, sete mil cristãos foram surpreendidos em uma emboscada no caminho para adorar em Jerusalém:
Subitamente caíram nas mãos dos árabes que saltaram sobre eles como lobos famintos esperando por sua vítima. Eles mataram os primeiros peregrinos sem piedade, rasgando-os em pedaços. No início os nossos procuraram lutar, mas foram rapidamente forçados, como homens pobres, a buscar refúgio na vila. Depois de terem fugido, quem pode explicar com palavras quantos homens foram mortos, quantos tipos de morte ocorreram ali, ou quanta calamidade e desgraça lá aconteceu? 15.
Agora os cristãos tinham um motivo para colocar sua fé combativa em prática. O Estado e a igreja juntos foram tomados por uma fúria espiritual. Os cruzados estavam agora prontos para equiparar-se aos muçulmanos na brutalidade.
Arautos das Cruzadas
Deus Volt! (pela vontade de Deus!) era o grito de guerra do papa Urbano II (1088-99) e da Igreja Católica Romana. A igreja do ocidente estava tendo dificuldades com o afastamento dos cristãos orientais em 1054. Uma cruzada para recuperar boa parte do cenário oriental poderia ajudar a reunir Roma e Constantinopla.
No início dos combates, os cristãos venceram em Antioquia e Jerusalém, onde a população foi quase dizimada. Os judeus foram apanhados no meio da batalha, e os cristãos se tornaram notórios pela brutalidade, por matar pessoas e destruir sinagogas.
Os cristãos acreditavam que a matança tinha a aprovação de Deus: ele tinha devastado o inimigo pagão, permitindo aos cristãos retomar os locais sagrados da Terra Santa. Esse modo de pensar levou Bernardo de Clairvaux (1090-1153), um místico cristão ocidental, a desenvolver a seguinte teologia: o chamado mais elevado e honroso da vida é ser um sacerdote-guerreiro. Bernardo, dessa forma, elevou a posição do soldado e rebaixou a posição do sacerdote. Mas toda a persuasão de Bernardo não poderia preparar os sacerdotes-soldados para o que os estava esperando por intermédio do gênio militar de Saladino.
Depois de reunir as facções caóticas dentro do islã e declarar o jihad, Saladino retomou Jerusalém em 1187. No entanto, não pôde prevalecer contra a grande força que cercava Acre, e, no final, Ricardo Coração de Leão levou dois mil e setecentos prisioneiros muçulmanos para fora dos muros da cidade e os massacrou um a um, noite adentro. O sangue dos cristãos havia escorrido nas mãos dos gentios, e davam graças por essa vingança.
Resultados das Cruzadas
Em uma era de avanços científico, literário e intelectual, especialmente no mundo islâmico, as Cruzadas marcam a brutalidade e desumanidade de ambos os lados.
No correr do tempo, os muçulmanos venceram a maior parte das batalhas nos dois séculos de guerras. O islã foi fortalecido, e o cristianismo enfraqueceu. Do ponto de vista cristão as Cruzadas:
• fracassaram em seu objetivo de unificar a igreja;
• demonstraram que os cristãos estavam mais interessados em saques e posses materiais em lugares especiais do que na renovação espiritual;
• enfatizaram a vitória pela espada sobre a evangelização. Para muitos muçulmanos, as Cruzadas nunca terminaram. Para muitos cristãos, elas se tornaram o passado que assombraria o futuro.
AS LINHAS DE FRENTE MOVEM-SE PARA O ORIENTE (1298-1515)
Nas Cruzadas, um mongol chamado Genghis Kahn (1162-1227) começou a formar um novo império. Em 1258, Bagdá foi devastada. Até hoje, a agricultura ainda sente os danos causados pela selvageria dos mongóis, que jogaram sal nos campos. Os mongóis, inimigos do islã, se deslocaram para o ocidente até o Egito, onde foram barrados pela aliança muçulmana.
Porém, não foi a espada que, no fim das contas, derrotou os mongóis, mas o próprio islã. Muitos dos guerreiros mongóis se converteram, e no século XIV, um líder mongol anunciou o islã como a religião oficial do império mongol. Outros governantes foram inimigos do islã, mas os muçulmanos sobreviveram a sua maior ameaça. No entanto, por esses reveses, o islã sofreu um declínio intelectual: estudiosos muçulmanos foram deportados ou mortos, centros culturais foram saqueados e destruídos 16.
O islã precisou de tempo para curar suas feridas, mas o cerne do islã permaneceu intacto, preparando-se para erguer outra vez.
O ISLÃ RESTAURA SEU ESPLENDOR (1515-1919)
Enquanto o cristianismo experimentava o avivamento em suas igrejas protestantes, o islã viu os turcos despontar como heróis da fé. Enquanto o cristianismo se fragmentava pelas diferenças teológicas, o islã foi reunificado por necessidade política.
Dois acontecimentos transformadores na história do século XV contribuíram para esse novo vigor – a retomada de Constantinopla e a perda da Espanha. Primeiro, em 1453, os otomanos islâmicos derrotaram o império bizantino cristão em Constantinopla e estenderam-se para dentro da Península dos Bálcãs.Constantinopla recebeu o nome de Istambul e foi designada como a nova capital do império otomano. Um relato contemporâneo da batalha por Constantinopla mostra a importância do jihad:
A esta altura, o papel do líder na batalha foi essencial. O sultão ficou em pé e falou a seus soldados, tomando como exemplo de bravura o mensageiro de Alá durante a batalha de Uhud, dizendo em poucas palavras: “Meus filhos, eu estou pronto para morrer no caminho de Alá; assim, todo aquele que deseja o martírio, siga-me”. Então os muçulmanos seguiram seu líder como a enchente que rompe a represa, destruindo os obstáculos de Kufr até que entraram na cidade e instituíram naquele lugar a palavra do monoteísmo. […] Desta maneira caiu a cidade de Heracle [Constantinopla] que resistiu teimosamente aos muçulmanos por oito séculos (Ahmad, autenticado por Al Albany) 17.
Fernando de Aragão e Isabel de Castela acabaram com o domínio muçulmano na Espanha e na península ibérica e restabeleceram o cristianismo romano na Espanha em 1492. Toda a Europa Ocidental tornou-se novamente parte da cristandade. Embora destituídos da base logística na Espanha, os turcos persistiram no desejo de governar a Europa. Atacando do leste e do sul, cercaram Viena duas vezes. Não é de admirar que os cristãos comparavam os turcos a uma horda diabólica.
A essa altura, o império otomano estendeu-se ao norte até a Polônia, a leste até Bagdá, chegando até a ponta da Península Arábica, ao sul, e a Marrocos, no oeste. As cidades de Jerusalém, Meca, Cairo, Túnis e Belgrado estavam todas sob o governo turco. No entanto, o império otomano entrou em declínio, devido a disputas internas e em conseqüência do avanço do colonialismo europeu ocidental.
No século XVIII, a Rússia se colocou como protetora dos cristãos nos Bálcãs contra os turcos. Rússia e Turquia passaram por uma série de guerras que se estenderam desde o século XVII até o século XX. O maior sucesso russo ocorreu em um conflito por terra e mar, de 1768 a 1774. No final, o exército turco foi derrotado e sua frota naval dizimada. As guerras entre Rússia e Turquia tiraram a Bulgária, Romênia e Sérvia do domínio do sultanato.
A derrocada final do império otomano aconteceu quando os turcos se colocaram ao lado da Alemanha na Primeira Guerra Mundial (1914-18). Em 1923, a Conferência de Lausanne traçou as fronteiras modernas através da antiga fortaleza muçulmana.
Depois de mil anos de expansão sem precedentes, o islã estava agora adormecido. Durante aqueles séculos, o histórico do seu domínio, mesmo na Europa, foi impressionante. Árabes, mouros e/ou otomanos tinham controlado a Espanha por oitocentos anos, Portugal por seiscentos anos, Grécia e Bulgária por quinhentos anos, Romênia e Sérvia por quatrocentos anos, Sicília por trezentos anos e Hungria por cento e cinqüenta anos. J. Dominguez relata: “A Itália, Áustria, Bósnia, Croácia, Valáquia, Albânia, Moldávia, Armênia, Geórgia, Polônia, Ucrânia e o lado oriental e sul da Rússia eram todos campos de batalha onde o islã conquistou ou foi vencido em violentos conflitos marcados por crueldade, derramamento de sangue, e uma terrível perda de vidas, durante um período de mais de mil anos” 18.
O ISLÃ NA DEFENSIVA
Quando o império otomano entrou em declínio, o islã enfrentou uma visão de mundo desconhecida a sua psique, diante da qual adotou posição de sobrevivência defensiva. Os heróis islâmicos sempre se ergueram para levar adiante sua causa, mas desde o século XVIII até o século XX, os muçulmanos ajeitaram-se ridiculamente como sobreviventes, não como conquistadores. Enquanto isso, aguardavam uma nova era dourada de supremacia.
A colonização dos países da Ásia e da África foi particularmente odiosa para os muçulmanos. Os colonizadores, que participaram da Conferência de Berlim, em 1884, dividiram a África entre eles de forma tirânica, embora 80% do continente permanecesse sob governo africano. A Grã-Bretanha tomou a maior parte da África do Norte muçulmana, enquanto que a França ficou com a planície ocidental e equatorial. A Itália tomou a Somália e a Etiópia, e a Bélgica ficou com o Congo. Muitas fronteiras nacionais modernas foram traçadas naquela conferência.
No coração dos muçulmanos, porém, o pior crime europeu foi o envio de missionários cristãos. Para os muçulmanos, colonialismo e missões eram idênticos – como elementos entrelaçados da corrupção ocidental. Essa visão continua até os dias de hoje. Os missionários são vistos, na verdade, com maior desdém do que os colonizadores devido à eterna natureza de sua missão. Considere, por exemplo, David Livingstone (1813-1873), que chegou à África depois de 1840. Embora seja considerado herói por muitos cristãos, para os muçulmanos ele é um dos europeus mais detestados da história.
O insulto maior do colonialismo surgiu quando a Grã-Bretanha garantiu uma pátria para os judeus na Palestina, uma promessa cumprida depois da segunda guerra mundial. Os muçulmanos já não governavam uma de suas cidades mais veneradas. Os árabes culparam os europeus e seu aliado norte-americano por todas essas ofensas.
CONCLUSÃO
Várias conclusões devem ser traçadas dos mil e quatrocentos anos de história entre cristãos e muçulmanos:
• Com a infeliz exceção das Cruzadas, os muçulmanos começaram quase todas as guerras, principalmente devido à filosofia do jihad.
• A guerra não é um acessório da história do islã: ela é o instrumento principal para a expansão religiosa. É dever do muçulmano trazer paz ao mundo por meio da espada.
• Muçulmanos conservadores vêem a cultura ocidental como destrutiva para as tradições e crenças islâmicas.
• Enquanto as pessoas modernas estão familiarizadas somente com o islã defensivo dos últimos trezentos anos, a religião nunca esqueceu os mil anos anteriores de conquistas a serviço de Alá. É o islã conquistador tradicional que voltou a emergir.
Hoje a alma do muçulmano é perseguida por uma luta interior cultural, política, teológica e social. Como explica Lewis, ocorreu uma derrota tripla em relação aos ideais muçulmanos: primeiro, o islã perdeu domínio; segundo, por meio da invasão de estrangeiros e de suas idéias, a autoridade muçulmana foi enfraquecida em seus próprios países; terceiro, o desafio social do modernismo encorajou a emancipação das mulheres e a rebelião dos filhos. “Também era natural que essa ira [muçulmana] fosse direcionada principalmente contra o inimigo milenar e deveria tirar suas forças de crenças e lealdades antigas” 19.
Muitos muçulmanos fiéis acreditam que não têm escolha, a não ser ir para a ofensiva. Quanto mais intensa for a crença de que o Ocidente tem degradado os valores islâmicos, tanto maior é o risco de reação violenta. Por exemplo, muitos acontecimentos ocorrem enquanto escrevemos este livro:
• A Fronteira de Salvação Nacional e o Grupo Islâmico Armado esperam subjugar os líderes moderados na Argélia.
• Em 1996, o Partido Islâmico do Bem-Estar, de orientação tradicional, tornou-se o maior partido político no parlamento turco.
• Desde a libertação do Kuwait, pelos Estados Unidos, da invasão do Iraque na guerra do Golfo, o Kuwait tem declarado ilegal a educação não-islâmica e qualquer proselitismo cristão.
• O governo de Brunei, sob um manto de liberdade religiosa, está pressionando as escolas cristãs a substituir as aulas de religião cristã por instrução islâmica. Reuniões de cristãos com mais de cinqüenta pessoas são ilegais.
• Todos os cidadãos da Mauritânia devem ser muçulmanos sunitas. Tentar abandonar a fé é crime.
• Embora a constituição de Bangladesh garanta liberdade religiosa, uma emenda em 1998 estabelece o islã como a religião do Estado.
• Os líderes islâmicos do Quênia têm declarado jihad contra a African Inland Church e a Visão Mundial Internacional.
• Em 1992, o governo da Tanzânia baniu toda pregação religiosa fora das igrejas 20.
Esses são apenas alguns casos do surgimento da militância islâmica. O islã está emergindo como um poder a ser respeitado e considerado.
APRENDENDO COM O PASSADO
Em 1524, o anabatista Baltazar Hubmaier (1480-1528), em seu livro On heretics and those who burn them [Sobre heréticos e aqueles que os queimam], defendeu uma liberdade religiosa total 21.
Hubmaier representa um modelo de comportamento para os Cristãos modernos em relação aos muçulmanos. Ele escreveu que os muçulmanos turcos “não podem ser vencidos com nossas obras, nem pela nossa espada, nem pelo fogo, mas somente pela paciência e súplica, por meio das quais nós pacientemente aguardamos o julgamento divino” 22. Hubmaier foi Contra o sistema político vingativo dos seus dias e, a certa altura, foi morto devido a suas idéias, incluindo sua simpatia pelos turcos.
Leve em conta a tradição de Hubmaier. E o dever do crente em Jesus Cristo convencer os muçulmanos com compaixão; espere por eles com paciência e ore por eles com seriedade.
——————-
2 The roots of Muslim rage, TheAtlantie Monthp 266.3 (set. 1990): p. 47-60.
3 Ibid., p. 49.
4 Behind the veil; at www.answering-islam.org/BehindVeil; acessado em 17 de dezembro de 2007.
5 Behind the veil cap. 2; www.answering-islam.org/BehindVeil/ btv2.html, Offensive war to spread Islam.
6 Jacques JOMIER. How to understand Islam. New York: Crossroad, 1991, p. 20. Jomier faz um paralelo entre Umar e o apóstolo Paulo, assim como nós.
7 The rightly-guide caliphs, www.usc.edu/dept/MAS/politics/ firstfourcaliphs.html, acessado em 26 de dezembro de 2007. Esse artigo fala sobre esses califas considerados os mais corretos, por serem os mais próximos de Maomé.
8 Islam and war, Louisville: John Knox, 1993, p. 33-34.
9 Behind the veil cap. 4; www.answering-islam.org/BehindVeil/ btv4.html, Discrimination between a Muslim and a Non-Muslim.
10 The rightly-guide caliphs, www.usc.edu/dept/MAS/politics/ firstfourcaliphs.html, acessado em 26 de dezembro de 2007.
11 George BRASWELL, Islam, Nashville: Broadman and Holman, 1996, p. 26.
12 Paul HALSALL, “Medieval sourcebook: Arabs, Franks, and the Battle of Tours, 732: three accounts”,www.fordham.edu/halsall/ source/732tours.html. acessado em 27 de dezembro de 2007.
13 George BRASWELL, Islam, Nashville: Broadman and Holman, 1996, p. 31.
14 Deve se notar que os evangélicos, como os petrobrussianos, henricianos e arnoldistas, que foram perseguidos pela igreja católica, eram particularmente pacifistas e não participaram da guerra. Assim, a totalidade dos cristãos não pode ser culpada pelos eventos ocorridos, pois já havia um grande contingente de dissidentes na igreja.
15 Annalist of Nieder-Altaich, The great german pilgrimage of 1064-1065, Internet Medieval Sourcebook, www.fordham.edu/halsall/ source/1064pilgrim.html (paragrafo #9), acessado em dezembro de 2007.
16 The Mongol empire: a historical website, http://www.geocities.com/ athens/forum/2532/page2.html, acessado em dezembro de 2007.
17 Muhammad EL-HALABY, The liberation of Constantinople, www.istanbullife.org/liberation_of_constantinople.htm acessado em janeiro de 2008
18 History of Islam: the so-many totalitarian regimes, http://biblia.com/islam/islam.htm, acessado em janeiro de 2008.
19 LEWIS, p. 50.
20 Paul MARSHALL, Their blood cries out, Dallas: Word, 1997, p. 44-68.
21Anabatista literalmente significa “re-batizar”. O nome foi dado no século XVI aos cristãos que acreditavam que somente crentes adultos deveriam ser batizados.
22 H. Wayne PIPKIN & John H. YODER, Balthasar Hubmaier, Theologian of Anabaptism, Scottdale: Heral, 1989, p. 62.
Extraído do livro “O Islã sem Véu” – Editora Vida