A ciência é isenta de ideologias?

Fe e Ciencia 2

Uma discussão sobre ciência e ecologia

A ecologia é um assunto caro nas discussões atuais. É um tema irredutível, não se restringindo apenas à área ambiental, mas passando por diversas vertentes das ciências humanas tais como a política, a sociologia, a economia e a própria ciência enquanto uma categoria separada. A ciência é neutra? O que dizer da autonomia advogada pelos filósofos da ciência, seria ela fruto de uma pretensa neutralidade científica capaz de separar fatos e valores? E o mais interessante: a ciência enquanto categoria está isenta da influência do mercado tal como aconteceu no passado com a religião?

O binômio, ecologia e ciência é o objeto de análise do professor e doutor Marcos Barbosa de Oliveira em seu ensaio de treze páginas intitulado “Neutralidade da ciência, desencantamento do mundo e controle da natureza”. Neste ensaio o professor Oliveira, trabalha com três variantes interessantes, as quais serão analisadas como suporte para um experimento teórico que ele chama de “eco-socialismo” mediante o instrumento do “auto-controle”.

O ensaio propõe discutir, não a ciência em si, mas a ideologia cientificista engendrada nos primórdios da modernidade que postula uma ciência isenta de influências exteriores e enquanto tal, detentora de uma suposta autonomia. Ao desmascarar a suposta neutralidade científica, ele questiona sua autonomia e expõe que na verdade, a ciência está a serviço do capital no controle e dominação da natureza e sua consequente deteorização. Em vez da proposta capitalista do “desenvolvimento sustentável” ele contrapõe afirmando que deve haver um “auto-controle” não somente individual, mas social do modo de vida de consumo na contemporaneidade. Para isso a ciência deve deixar o posto que galgou na escalada do progresso, como paradigma do saber e se nivelar às outras formas de conhecimento.

O ensaio é dividido em cinco tomos, sendo o primeiro uma discussão interessante sobre a tese da neutralidade da ciência; depois o desencantamento do mundo, dominação e controle da natureza; o capitalismo, ecologia e auto-controle individual; o socialismo, ecologia e auto-controle social e por último, auto-controle e autonomia da ciência.

A tese da neutralidade da ciência – nesta introdução o professor Oliveira questiona se de fato a ciência é isenta de valores. Se sim, isso implicaria que ela está fora do alcance de questionamentos culturais e sociais. Entretanto, pode-se observar pelo menos três momentos em que valores estão presentes na prática científica, a saber: o momento da escolha do tema; a escolha da teoria a ser trabalhada e por último o domínio dos próprios conteúdos das proposições científicas

Desencantamento do mundo, dominação e controle da natureza – De onde vem essa postura de neutralidade? A resposta pode ser encontrada em Max Weber com a ideia de desencantamento do mundo. A racionalidade ocidental e científica não encara mais um mundo cheio de deuses e espíritos, antes aparece como fato bruto a ser explorado, sendo assim destituído de questões valorativas. Portanto, sem restrição ética para o domínio científico. Esse domínio se dá pela tecnologia, enquanto método de extração de bens da natureza, subjugando-a à lógica do capital. É claro que não sendo ele teólogo, comete um erro em associar o significado atual de dominação da ciência moderna com os dizeres bíblicos de dominação que é completamente diferente. Creio que neste pormenor Oliveira comete anacronismo. Ele contrapõe os postulados dos frankfurtianos com os do filósofo da ciência Hugh Lacey. Lacey trabalha com o conceito de “controle da natureza”. Para esse filósofo o problema está tanto no domínio exercido sobre a natureza, mas na supervalorização que a modernidade atribui a ele – uma proeminência. O homem pode exercer certo domínio, entretanto, enxergando o valor do objeto – a natureza. É necessário uma mudança de consciência para interagir com a natureza, observando e obedecendo os ,limites que essa impõe sobre a sociedade.

Capitalismo, ecologia e auto-controle individual – Nesta seção, Oliveira irá introduzir elementos para começar a construir sua tese central como alternativa viável para o controle da natureza – o auto-controle. Sendo que os recursos naturais dependem muito do PIB de uma país. Isto é “quanto maior o PIB, maior é a quantidade de recursos naturais consumidos e de resíduos gerados”.

A solução para ele estaria em restringir o consumo individual, ao invés de maximizar o potencial da natureza em absorver resíduos. A questão é claro, polêmica. Como mudar a cultura de um mundo globalizado como o nosso? Ele lança como alternativa a tese do “ambientalismo conservador” que acredita que para dirimir estes problemas ecológicos sem acabar com o controle e domínio da natureza, aposta no avanço da tecnologia para equilibrar o consumo desenfreado e a degradação do meio ambiente. Todavia, essa proposta possui alguns entraves com prováveis efeitos colaterais futuros para a natureza. Assim como a teoria das “Terras”, isto é, exploração voltada para fora da terra, a procura de recursos naturais em outros planetas. É claro que essa tese além de ser impraticável no momento só prolongariam os problemas sem resolvê-los.

Socialismo, ecologia e auto-controle social – Nesta parte de seu ensaio, Oliveira problematiza o consumismo verso problemas ecológicos dentro do regime capitalismo. A conclusão é que uma restrição no consumo afetaria toda a estrutura do regime econômico vigente, já que este depende do crescimento para sobreviver. A proposta oferecida é uma alternativa denominada de “eco-socialismo”. Mas primeiro, ele contrapõe o sistema capitalista ao socialismo clássico elaborado por Karl Marx e implementado na antiga União Soviética e constata que mesmo a regulação econômica comunista era tão prejudicial quanto a capitalista para a natureza pois, segundo ele, ela sofre do mesmo principio norteador de procura do progresso. Então, qual seria uma alternativa viável? Esse é o próximo e último ponto a ser discutido em seu ensaio.

Auto-controle e autonomia da ciência – Nesta última etapa do argumento, ele passa a mostrar a ilusão da neutralidade científica. Essa neutralidade é base para a autonomia da ciência. Oliveira busca a gênese dessa autonomia no caso Galileu e seu conflito com a Igreja Católica. Para ele este episódio inaugura a ideologia científica da autonomia. A ciência não poderia estar sujeita a influencias externas de quaisquer tipos. Isso seria a base para a autonomia da ciência. Entretanto, essa reivindicação seria frágil demais, já que a ciência está sendo usada como instrumento do capital. Enquanto tal, ela é orientada não para o bem útil, mas para o bem rentável. A produção científica dentro da lógica de mercado estaria sendo utilizada para produzir mais capital sendo assim, cai por terra o mito da neutralidade e autonomia intrínseca ao campo científico.

A proposta de Oliveira seria a construção de uma “autonomia do cidadão emancipado em uma sociedade emancipada.” Só assim, apesar de algumas perdas de avanço científico, progrediríamos para conscientização científica coletiva, onde a ciência não estaria cima de outros saberes, mas dialogaria com eles para o bem estar ecológico e social.

Apreciação Crítica

O levantamento da discussão desse calibre exposta por Oliveira é premente e necessária, haja vista as visíveis degradações que o homem tem feito à natureza. Ancorados pela lógica capitalista de produção de bens e capital e, principalmente, mas não exclusivamente, a partir da revolução industrial até os nossos dias, o meio ambiente e os recursos naturais estão sendo cada vez mais agredidos em uma velocidade acelerada.

Todavia, a proposta oferecida por Oliveira em meu ponto de vista sofre das mesmas fraquezas do marxismo clássico. A estrutura socialista de Marx era em princípio metafísica. A esperança de um novo mundo comunista, livre da ganancia da propriedade privada iria produzir cidadãos transformados, mesmo ele não entrando no mérito de como isso poderia acontecer.

Oliveira segue na mesma direção: levanta uma questão material e oferece a ela uma solução metafísica que depende em ultima instancia da transformação da natureza humana. Ao propor essa transformação libertadora ele entra no campo de domínio da religião.

Considerações finais

O ensaio de Oliveira, como já foi dito, é pertinente. Ao expor a ilusão científica da autonomia da ciência moderna frente ao objeto dominado – a natureza – ele mostra que esta autonomia na verdade é uma ideologia que oculta o controle da mercantilização do produto científico pelo regime capitalista. Ao analisar as diversas alternativas ecológicas para lidar com o dilema produção versos recursos naturais, ele chega a conclusão de que todos os modelos propostos é dependente da lógica do capital. Todavia, o modelo proposto por ele, precisa lidar também com variáveis importantes, tais como aumento populacional, doenças, desemprego, etc. Também a solução dele depende da transformação da natureza humana. Mas como transformar a natureza sem trabalhar o âmago do problema do ser humano – o distanciamento do criador desta natureza? É algo que seu ensaio precisa lidar.

Referencias bibliográficas

BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

FILHO, João A. de Souza. Ecologia a luz da Bíblia: deve a igreja exercer uma ação prática no sentido de preservar o meio ambiente? São Paulo: Ed. Vida, 1992.

Sair da versão mobile