As Testemunhas de Jeová alegam crer na Bíblia como a inerrante Palavra de Deus, e dizem basear todas as suas doutrinas diretamente nas escrituras sagradas.
Os cristãos evangélicos estão contentes porque as testemunhas de Jeová reconhecem a Bíblia como a única autoridade infalível nas questões de fé. Entretanto, crer na Bíblia é mais do que simplesmente reconhecer ser a Bíblia a Palavra de Deus. É, acima de tudo, acreditar naquilo que ela ensina. A alegação das testemunhas de Jeová de serem o único grupo que realmente honra a Palavra de Deus deve, porém, ser examinada pela maneira como estão manejando a Palavra de Deus. Será que, pela interpretação que fazem da Escritura, estão aplicando-a corretamente, conforme 2 Timóteo 2.15 (TNM)?
Neste artigo apresentaremos evidências que comprovam que as testemunhas de Jeová não somente estão manejando incorretamente as Escrituras como também as estão deturpando. E fazem isso para a sua própria destruição (2Pe 3.16). Ao distorcerem, de modo sistemático, os ensinamentos bíblicos, sua intenção é fazer que os ensinos da Palavra se encaixem em suas crenças preconcebidas.
Atualmente, as testemunhas de Jeová alegam que o único grupo religioso na terra que interpreta corretamente a Bíblia é a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, com sede em Brooklyn, Nova York. Dessa forma, a Bíblia, para elas, é um livro de organização e pertence à congregação cristã, como organização, e não a indivíduos, não importa quão sinceramente as pessoas creiam poder interpretá-la. Seguindo esse raciocínio, a Bíblia não pode ser devidamente entendida sem a presença da organização visível de Jeová.
As testemunhas de Jeová acreditam que a estrutura dos administradores e mestres principais que controlam a Sociedade Torre de Vigia e Tratados (doravante referida simplesmente como Sociedade) representa a organização visível de Deus na terra. Segundo as testemunhas de Jeová, essa organização foi nomeada por Deus, que a encarregou da responsabilidade de interpretar a Bíblia para todos aqueles que desejam entendê-la. As publicações da Sociedade advertem as testemunhas de Jeová de que elas não podem entender a Bíblia por conta própria. O conhecimento exato da Bíblia está à disposição somente daqueles que aceitam, sem exceção, tudo quanto a Sociedade ensina. “Como poderemos conhecer o caminho da verdade se não houvesse a ajuda da organização? Podemos realmente passar sem a orientação da organização? Não, não podemos. Isto inclui ser leal ao ‘escravo fiel e discreto’… Encaremos o fato de que não importa o quanto tenhamos lido a Bíblia, jamais teríamos aprendido a verdade por conta própria. Não há dúvida sobre isso. Todos nós precisamos de ajuda para entender a Bíblia, e não podemos encontrar a orientação bíblica de que precisamos fora da organização do ‘escravo fiel e discreto’. A aceitação deve ser total, sem a mínima titubeação, mesmo quando o que a Sociedade ensina é posteriormente por ela reconhecido como engano, e mesmo se o que ela ensina parece errôneo na ocasião: No entanto, a alguns talvez tem parecido que a vereda nem sempre seguiu reto, em frente. Ocasionalmente, as explicações dadas pela Organização Visível de Jeová têm indicado ajustes que aparentemente voltam a pontos de vista anteriores”.
Argumento em círculo
A fim de comprovar que ninguém consegue entender os ensinos da Bíblia sem a ajuda da organização de Deus na terra, as testemunhas de Jeová apelam para uma bateria de textos da Bíblia que supostamente dizem ou deixam subentendido que apoiam tal alegação. Mas esse argumento é contraditório. Vejamos. Se é verdade que ninguém pode entender a Bíblia sem se submeter aos ensinos da organização, logo ninguém pode entender os versículos bíblicos usados pela seita para apoiar essa ideia sem que precise concordar com o que Bíblia está dizendo. Assim, fica claro que ninguém também poderá saber que tais textos ensinam a necessidade de submissão às doutrinas da organização, a não ser que a pessoa já esteja submetida a ela!
Esse problema sempre surgirá, não importa quantos versículos da Bíblia as Testemunhas de Jeová citem para deixar subentendido que eles estão apoiando as reivindicações da organização. De maneira nenhuma é correto usar determinados trechos da Bíblia para comprovar alguma coisa (leia-se doutrina) para as pessoas que não pertencem a certos grupos, como fazem as testemunhas de Jeová, que são insistente na questão que somente elas podem entender a Bíblia. Se uma pessoa que não pertence às Testemunhas de Jeová pudesse ler e entender (ainda que não estivesse submetida aos líderes dessa seita) semelhantes trechos bíblicos, a alegação desses líderes de que a Bíblia é um livro fechado para quem não se submete às suas doutrinas seria plenamente refutada.
Resumindo, tal alegação não passa de um argumento em círculo (petitio principiis, que significa “petição de princípios”) conforme segue:
A organização de Deus diz que você precisa dela para entender a Bíblia. Isto porque:
É a própria Bíblia quem afirma isso. E sabemos que ela diz isso porque:
É isso que afirma a organização de Deus.
A afirmação das testemunhas de Jeová para escaparem desse círculo é que existem alguns textos bíblicos que podem ser entendidos sem a ajuda da organização de Deus, enquanto outros não. E os trechos da Bíblia que, segundo as testemunhas de Jeová, podem ser compreendidos sem o auxílio da organização são justamente aqueles que, sob a ótica dessa seita, ensinam sobre a necessidade de haver na terra uma organização de Deus. O problema é que a Bíblia não diz nada a esse respeito.
Outra alternativa das testemunhas de Jeová para apoiar esse pensamento é o reconhecimento de que ninguém que não pertença ao seu “arraial” pode entender as referidas passagens bíblicas até que se submeta à organização. A implicação de semelhante reconhecimento, entretanto, é que nem mesmo as testemunhas de Jeová possuem fundamento escriturístico suficiente para citar as Escrituras e confirmarem, à luz da Bíblia, suas doutrinas quando tentam ganhar alguém para a sua seita. Para que sejam consistentes, as testemunhas de Jeová primeiro precisam persuadir as pessoas a aceitarem a organização a fim de que, futuramente, possam adquirir o entendimento da Bíblia.
Existe, ainda, uma terceira alternativa que as Testemunhas de Jeová podem usar diante desse dilema. A saber: afirmarem que a Bíblia pode ser entendida sem a ajuda da organização, mas que a responsabilidade da organização é orientar o povo de Deus na leitura da Bíblia, e que todo aquele que aceitar os ensinos da Palavra deverá se submeter à organização. Essa reivindicação, entretanto, seria totalmente diferente, e as testemunhas de Jeová não querem correr o risco de fazê-la. De modo geral, as pessoas que questionam tudo quanto a organização diz, simplesmente deixam de acreditar nas doutrinas dessa seita depois de se familiarizarem com a Bíblia. Até mesmo as testemunhas de Jeová que foram eficientemente escoladas nas doutrinas da sua organização e que serviram fielmente durante muitos anos tendem a perder a fé nesses ensinos quando começam a estudar a Bíblia de forma independente. E esse fato tem sido reconhecido, em várias ocasiões, pelas próprias publicações da Sociedade.
TEXTOS QUE COMPROVAM A SUPOSTA AUTORIDADE DA TORRE DE VIGIA
O que, pois, podemos dizer a respeito daquelas passagens da Bíblia que, segundo alegam as Testemunhas de Jeová, afirmam que devemos seguir os ensinos da organização? Uma coisa é o cristão dizer que semelhante alegação não faz sentido, outra mais difícil é comprovar que a Bíblia não diz nada a respeito. Logo precisamos, os cristãos, examinar os textos bíblicos empregados pelas Testemunhas de Jeová para defenderem suas reivindicações quanto à sua autoridade exclusiva na interpretação da Bíblia.
O “escravo fiel e discreto”
O principal texto bíblico utilizado pelas testemunhas de Jeová para sua alegação de que a doutrina bíblica acurada só pode ser achada na organização delas é Mateus 24.45-47, onde Jesus oferece a seguinte parábola: “Quem é realmente o escravo fiel e discreto a quem o seu amo designou sobre os seus domésticos, para dar-lhes o seu alimento no tempo apropriado? Feliz aquele escravo, se o seu amo, ao chegar, o achar fazendo assim. Deveras, eu VOS digo: Ele o designará sobre todos os seus bens” (TNM).
O argumento das testemunhas de Jeová é, em resumo, que essa passagem ensina que ninguém pode entender a Bíblia sem a ajuda desse escravo fiel e discreto, que, segundo a interpretação dessa seita, são os seguidores ungidos de Cristo que compõem o grupo identificado como mestres principais e administrados das testemunhas de Jeová.
Podemos, aqui, mencionar várias dificuldades inerentes à essa interpretação equivocada de Mateus 24.45-47 por parte das testemunhas de Jeová. Jesus não termina a parábola no versículo 47. Ao contrário, o texto segue e, nos versículos 48 a 51, Cristo adverte o seguinte: “Mas, se é que aquele escravo mau disser no seu coração: ‘Meu amo demora’, e principiar a espancar os seus co-escravos, e a comer e a beber com os beberrões inveterados, o amo daquele escravo virá num dia em que não sabe…”.
A interpretação usual feita pelas testemunhas de Jeová da segunda parte da parábola é que o escravo mau refere-se à cristandade, ou seja, todas as religiões e denominações professas do cristianismo que não pertençam a essa seita. Entretanto, a expressão usada por Jesus: “aquele escravo mau” diz respeito, de forma genérica, a dois tipos de pessoas que professam servir a Ele – as fiéis e as más… A lição da parábola, porém, é que os líderes cristãos devem ser fiéis no seu serviço. Se assim agirem, Cristo lhes dará mais responsabilidades. Caso contrário, ou seja, se forem infiéis, serão castigados.
Essa lição fica ainda mais clara na passagem paralela de Lucas 12.41-48. Depois de elogiar o servo fiel com as palavras: “Feliz aquele escravo…”, e prometer que o amo o designará sobre todos os seus bens, Jesus continua seu discurso, dizendo: “Mas se aquele escravo chegar a dizer no seu coração: ‘Meu amo demora em vir’, e principiar a espancar os servos e as servas e a comer e a beber e ficar embriagado, o amo daquele escravo virá num dia em que não espera…”. Quando, pois, comparamos entre si as duas versões da mesma parábola, fica claro que Jesus não está falando do escravo fiel e discreto como uma organização ou um grupo distinto de outro grupo (ou grupos) específico com o nome de escravo mau. Absolutamente. A mensagem integral de Jesus nessa passagem é que existe a possibilidade de as pessoas, individualmente falando, que forem chamadas para alimentar o povo de Deus podem ser infiéis e, portanto, más, não importa a organização que representem.
Além disso, a exortação dessa parábola é dirigida àqueles que se consideram escravos de Cristo, e não àqueles que são alimentados pelo escravo. Nenhum ponto nessa parábola sugere aquilo que a Sociedade quer dar a entender, que o corpo de assistentes (Lc 12.42) é obrigado a comer tudo quanto (ou talvez nada) o escravo coloca diante dele, sem reclamar de nada. As recompensas e os castigos mencionados no final da parábola são distribuídos aos escravos segundo sua fidelidade ou infidelidade, e não aos assistentes, por terem concordado em comer de tudo que os escravos lhes dão a comer. Assim, a parábola nada mais é do que uma advertência àqueles que ensinam a Palavra de Deus, exortando-os para que sejam fiéis. Não se trata de uma exortação aos crentes para que aceitem, sem críticas ou questionamentos, as coisas que alguns mestres ou grupos de mestres lhes ensinam sobre a Palavra de Deus.
Embora de tipo de diferente, podemos, ainda, mencionar outro problema relacionado à interpretação dessa seita. A saber. As testemunhas de Jeová argumentam que ninguém pode entender corretamente a Palavra de Deus sem submeter-se aos ensinos do escravo fiel e discreto. Entretanto, segundo a própria teoria da seita, não existe nenhum escravo desse tipo há quase 19 séculos. E bem fácil comprovar isso. Conforme reza a teoria das testemunhas de Jeová, o escravo é uma organização que fala em nome de Jeová – não se trata meramente de indivíduos ou grupos de estudos em casa, existentes em diferentes lugares, mas, sim, de uma única organização responsável pela divulgação do evangelho por toda a face da terra.
Todavia, se tal organização tivesse existido no final do século XIX, C. T. Russell e seus colegas não teriam a mínima necessidade de se separar da cristandade e começar uma obra moderna. Tão logo os estudantes da Bíblia descobrissem a organização terrestre, simplesmente teriam se aliado a ela. Posto que, pelo contrário, criaram uma organização nova, segue-se que não existia na terra, há séculos, nenhum escravo fiel e discreto. A explicação da seita para esse fato é que Deus não tinha nenhum representante genuíno na terra por não querer que as pessoas entendessem a Bíblia, a não ser depois do surgimento de Russell e seus amigos. Esta conclusão é muito difícil de ser justificada pela Bíblia (Ver Mt 16.18; 28.20; Jd 3).
OUTRAS PROVAS CONTUNDENTES
Vários outros textos bíblicos citados pelas Testemunhas de Jeová para defenderem a autoridade exclusiva de interpretação da Bíblia que dão à Sociedade Torre de Vigia podem ser examinados aqui, ainda que resumidamente. Em Atos 8.30-31. Filipe pergunta ao eunuco etíope se ele compreende o que está lendo em Is 53.7-8. E a resposta que obtém é a seguinte: “Realmente, como é que eu posso, a menos que alguém me guie?”. Sem dúvida nenhuma, esse texto de Atos indica a necessidade de orientação ou de ajuda no estudo da Bíblia, mas não comprova que existe alguma organização cujos pronunciamentos sobre a interpretação bíblica não devam ser questionados. Nessa passagem, vemos um indivíduo pregando a Cristo diretamente por meio da Bíblia (e não uma organização, uma revista ou um livro) e outro confessando sua fé, após do que segue seu caminho com alegria, sem precisar filiar-se a uma organização.
O texto de 2 Pedro 1.20-21 é frequentemente citado pelas testemunhas de qualquer interpretação particular da Bíblia. Com isso, querem refutar o princípio protestante de que todo e qualquer cristão é responsável pela leitura e obediência à Palavra de Deus. Pedro, no entanto, não está falando nada a respeito de os cristãos interpretarem a Bíblia, mas, sim. de como a Bíblia chegou a ser escrita originalmente. Conforme explicou corretamente a obra de referência da Torre de Vigia. Ajuda ao entendimento da Bíblia: “Assim, as profecias bíblicas jamais foram produto de deduções e predições astutas dos homens, baseadas em sua análise pessoal dos eventos ou tendências humanas’’.
Se continuarmos a nossa leitura em 2 Pedro, as palavras seguintes do apóstolo são uma advertência contra os falsos mestres (2.1) que desviam as pessoas, trazendo sobre eles a destruição veloz (2.2-22). A melhor maneira de evitar as seitas destrutivas (2.1), de acordo com o que diz Pedro, “é que vos lembreis das declarações anteriormente feitas pelos santos profetas e do mandamento do Senhor e Salvador por intermédio dos vossos apóstolos” (3.2). Ou seja, para que alguém saiba distinguir entre a doutrina verdadeira e a doutrina falsa basta compará-la com o que a própria Bíblia diz, e não com que a organização de Deus alega, conforme argumentam as Testemunhas e Jeová.
Finalmente, as testemunhas de Jeová também citam as palavras ditas por Pedro a Jesus: “Para quem havemos de ir?” (João 6.68), e as aplicam da seguinte forma: “Para onde iremos para receber instrução na Bíblia se sairmos da Torre de Vigia?”. As palavras que Pedro diz em seguida, entretanto, sugerem alguma coisa diferente: “Tu tens declarações de vida eterna: e nós cremos e viemos a saber que tu és o Santo de Deus” (João 6.68-69). A verdade é que as testemunhas de Jeová omitiram a primeira palavra da frase bíblica que citam: “Senhor, para quem havemos de ir?”. E o texto completo.
Decerto, o problema aqui envolvido não exige muito esclarecimento pormenorizado. Aplicar as palavras que reconhecem Jesus como a única esperança de vida eterna a uma organização humana é tanto estultícia quanto blasfêmia.
ROBERT M. BOWMAN, JR, REVISTA DEFESA DA FÉ – ANO 7 – N° 42